AUCKLAND, Nova Zelândia - No mundo imaginado por um anúncio recente do site Tourism New Zealand, um funcionário vestido de cáqui do fictício Esquadrão de Observação Social resgata viajantes teimosos dos clichês do turismo local.
"Abaixe os braços devagar", o oficial, interpretado pelo comediante Tom Sainsbury, berra usando um megafone para alguns viajantes que estão tirando a foto de uma águia de asas abertas no pico do Coromandel Peak, com vista para o Lago Wanaka da Ilha do Sul. Ele os puxa para longe do precipício e os despacha em um passeio de bicicleta por vinícolas.
Este anúncio alegre, destinado ao público interno, tornou-se viral internacionalmente por sua frase irônica: pare de postar fotos sem imaginação nas redes sociais, por favor - chega de fotos na banheira de hidromassagem e imagens de pernas brilhantes à beira-mar.
Mas por trás do slogan irreverente, "Por favor, não viaje sob a influência das mídias sociais", está uma intenção séria. Embora o país tenha visto sua economia atingida pela pandemia de coronavírus voltar a crescer, as regiões que dependem do turismo estrangeiro permanecem devastadas.
O Conselho de Turismo da Nova Zelândia está, portanto, pedindo aos neozelandeses que façam algo bastante difícil. Sua campanha “Faça algo novo” - o vídeo do Esquadrão de Observação Social é a última edição dela - incentiva os moradores a encontrar novas maneiras de ver o que está bem na frente de seus narizes.
Antes da Nova Zelândia fechar suas fronteiras para visitantes internacionais, o turismo constituía uma parte significativa de sua economia, empregando quase 230 mil pessoas e contribuindo com 41,9 bilhões de dólares neozelandeses (US$ 30,2 bilhões) para a produção econômica, de acordo com o Conselho de Turismo. Cerca de 3,8 milhões de turistas estrangeiros visitaram a Nova Zelândia entre 2018 e 2019, a maioria vinda da Austrália.
Apesar dos esforços máximos de todos, o mercado interno simplesmente não consegue compensar as perdas. Os turistas internacionais gastam cerca de três vezes mais por pessoa do que seus pares domésticos.
Os turistas internacionais também estão mais propensos a buscar e aprender sobre a cultura local, como a dos Maori, o povo nativo da Nova Zelândia. Portanto, o turismo cultural maori foi afetado de forma particularmente forte pela queda acentuada de visitantes do exterior, e algumas operadoras tiveram que se adaptar.
Nadine Toe Toe e sua família administram o Kohutapu Lodge e Tribal Tours em Murupara, um vilarejo no nordeste com cerca de 2 mil habitantes, dos quais cerca de 90% são maoris. Antes da pandemia, cerca de 98% dos clientes da empresa vinham do exterior.
“Queríamos criar uma experiência cultural genuína, que mostrasse nossa história, mas também nossa realidade”, disse Nadine, 43 anos. “Quando a covid-19 surgiu e perdemos todos os nossos negócios da noite para o dia, de repente nos deparamos com a realidade de que o mercado interno não quer ‘produtos culturais’- não está na sua lista de prioridades.”
As empresas maiores também estão tendo dificuldades. “Estamos sofrendo, não há dúvida quanto a isso”, disse Sir John Davies, 79 anos, um empresário que é proprietário de vários campos de esqui, da empresa que organiza passeios com guias nas trilhas de Routeburn e Milford e do Hermitage Hotel no Mount Cook National Park.
Recentemente, disse ele, o Hermitage teve 20 hóspedes, contra cerca de 600 em um ano normal. Ele teve que reduzir a equipe do hotel de 230 para menos de 50 funcionários. “Estamos fazendo tudo que podemos para atrair turistas domésticos. Quer dizer, sempre fizemos. ”
Pontos turísticos em todo o mundo, de Nova York ao Himalaia, têm passado por dificuldades sem o dinheiro dos turistas. Em Bali, o destino de férias da Indonésia, alguns trabalhadores do setor hoteleiro voltaram a trabalhar na agricultura. Alguns lugares, como Istambul, tentam resistir. Outros, como o Havaí, estão reabrindo um pouco apreensivos.
“Não podemos preencher o vazio deixado pela falta de visitantes internacionais”, disse René de Monchy, CEO interino do Conselho de Turismo da Nova Zelândia.
A própria solução da Nova Zelândia, por meio da campanha “Faça algo novo”, é encorajar os neozelandeses a sair e experimentar “seu próprio país como visitante”, disse de Monchy.
Desde que as fronteiras fecharam, colocando Bali e Bondi Beach na Austrália fora de cogitação, os neozelandeses aceitaram o desafio de tirar férias em seu país de origem com certo zelo patriótico. Os gastos com turismo doméstico em 2020 aumentaram 12% entre junho e outubro na comparação com o mesmo período do ano anterior, de acordo com a consultoria econômica neozelandesa Infometrics.
Mas, embora alguns tenham investido em atividades ou passeios de “lista de desejos”, muitos continuaram a frequentar os mesmos velhos lugares que sempre amaram, migrando para as praias da ensolarada Northland ou da península de Coromandel durante os meses de verão de dezembro e janeiro. Nesse meio tempo, cidades turísticas como Queenstown e Rotorua ficaram a ver navios, já que os neozelandeses ignoraram os destinos ou as experiências preferidas pelos visitantes internacionais.
A primeira-ministra Jacinda Ardern disse que até que a maioria dos neozelandeses seja vacinada - um esforço que pode se estender até a segunda metade do ano - os não-cidadãos não poderão entrar no país. Para proprietários de empresas de turismo na Nova Zelândia, isso significa que não há como planejar os próximos meses.
A esperança é que os turistas estrangeiros voltem em massa. Embora pensado para os neozelandeses, o vídeo “Faça algo novo” está gerando impacto no exterior também: foi visto centenas de milhares de vezes e compartilhado nas redes sociais em todo o mundo.
Enquanto isso, operadoras de turismo como a de Nadine estão avaliando os prejuízos.
“Já derramamos tantas lágrimas, não acho que chorei tanto durante toda a minha vida”, disse ela. “As pessoas não entendem o que passamos, o que perdemos e como não podemos nem planejar, porque não sabemos como vai ser. Não há prazo. Quanto tempo você consegue aguentar?” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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