Há milhares de anos, uma criança especial nasceu no Saara. Uma mutação genética tinha alterado a hemoglobina da criança, a molécula nos glóbulos vermelhos que transporta o oxigênio pelo sangue. Há duas cópias de cada gene, e o outro gene para a hemoglobina da criança era normal. A criança sobreviveu e transmitiu a mutação aos descendentes.
Essa mutação sobreviveu ao longo das gerações, e as pessoas portadoras de um dos genes mutantes estavam protegidas contra uma das maiores ameaças na região: a malária. Mas, de tempos em tempos, dois descendentes dessa criança se uniam para formar uma família. Alguns dos filhos herdaram duas cópias do gene mutante, e não conseguiam mais produzir hemoglobina normal. Como resultado, seus glóbulos vermelhos se tornaram defeituosos, obstruindo os vasos sanguíneos.
A doença, conhecida como anemia falciforme, produz dor extrema, dificuldade para respirar, deficiência renal e derrames. Nas sociedades antigas, a maioria das crianças com anemia falciforme morria antes dos 5 anos. Hoje, a mutação foi herdada por milhões de pessoas. Os portadores têm cerca de 300 mil bebês por ano com anemia falciforme. Em muitos países pobres, as crianças com a doença ainda morrem jovens. Nos Estados Unidos, a expectativa de vida média dos afetados pela doença foi estendida até pouco mais de 40 anos.
Novas pesquisas realizadas por Daniel Shriner e Charles N. Rotimi, na agência americana do Centro de Pesquisa em Genomas e Saúde Global, concluem que a mutação surgiu há 7.300 anos na África Ocidental. Ela se disseminou e, onde as pessoas eram afetadas pela malária, o gene protetor prevalecia, mas trazia consigo a anemia falciforme.
Os médicos americanos repararam na anemia falciforme pela primeira vez no início do século 20. A maioria dos casos era observada em americanos negros. Mas, embora 8% dos americanos negros apresentassem algumas hemoglobinas em forma de foice, a maioria não apresentava sintomas. Já nos anos 1950, a diferença entre ser portador de uma cópia mutante do gene e duas cópias era conhecida.
Na África, os pesquisadores encontraram glóbulos vermelhos em forma de foice em pessoas da Nigéria, na África Ocidental, até a Tanzânia, no leste do continente. As células também são observadas em grande número em habitantes do Oriente Próximo e da Índia, e nos países do sul da Europa.
Em 1954, um geneticista sul-africano chamado Anthony C. Allison observou que os portadores da mutação sofriam menos infecções pela malária. “As células falciformes são um raro exemplo de evolução humana para a qual temos uma ideia do que ocorreu e por quê”, disse Bridget Penman, especialista em malária da Universidade de Warwick, na Inglaterra.
Estudos genéticos iniciais indicaram que cinco tipos diferentes de DNA, conhecidos como haplotipos, envolviam a mutação. “Estava em aberto a questão do surgimento da mutação célula falciforme, se teria ocorrido várias vezes ou apenas uma", disse a Dra. Penman.
O Dr. Rotimi e o Dr. Shriner examinaram os genomas de 2.932 pessoas de todo o mundo. Eles descobriram que 156 dos participantes, vindos da África, Barbados, Estados Unidos, Colômbia e Catar, apresentavam uma cópia da mutação falciforme. Os pesquisadores concluíram que todas as 156 tinham herdado a mesma mutação de uma mesma pessoa que viveu há cerca de 7.300 anos.
A versão mais antiga da mutação é encontrada em pessoas da África Central e Ocidental. Ela pode ter se espalhado para outras partes da África com a expansão de um povo chamado Bantu. O estudo indica que, posteriormente, os africanos carregaram a mutação para outras partes do mundo. Conforme as pessoas de diferentes ancestralidades se miscigenaram, a mutação foi se disseminando ainda mais, chegando à Europa e Índia.