O misterioso caso da necrofilia entre corvos

Pesquisadores analisam a ativação de hormônios que desperta o desejo carnal entre as aves

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Por James Ross Gardner
Atualização:

O cenário era bem romântico. Dia ensolarado de primavera. Uma cerejeira florescendo em rosa vívido. De um lado, o pretendente, sombrio e amoroso. De outro, um ser estirado no chão, feito um cadáver. Na verdade, era um cadáver. Assim começou a primeira observação documentada de corvos copulando com um membro falecido de sua própria espécie.

Em abril de 2015, Kaeli Swift, doutoranda da Universidade de Washington, estava apresentando um de seus experimentos para uma equipe de filmagem quando, por alguns instantes, deixou de lado um corvo morto, empalhado por um taxidermista. Um outro corvo que estava nas redondezas logo desceu sobre o corvo empalhado, abaixou-se, com as asas bem abertas, e tentou começar um intercurso sexual. O movimento foi tão surpreendente que Kaeli resolveu passar as três primaveras e verões seguintes recriando essas condições e documentando o comportamento.

Pesquisadores observaram centenas de reações de corvos a cadáveres. Quatro por cento tentaram copular. Foto: Kaeli Swift via The New York Times

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Swift e o coautor da pesquisa, John Marzluff, detalham esse trabalho de campo em um estudo publicado em julho na revista Philosophical Transactions (Transações filosóficas), da Royal Society. Diante de seus semelhantes mortos, os corvos às vezes tocam, atacam e tentam fazer sexo com o corpo, explicam os autores. A conduta, especulam eles, pode ser resultado de flutuações hormonais que fazem com que alguns corvos fiquem confusos na hora de responder aos estímulos.

Existem relatos de outros animais se envolvendo em necrofilia, segundo Kaeli. Os humanos já viram golfinhos, baleias e esquilos fazendo sexo com seus mortos. "Mas nunca tinha ouvido falar disso no caso dos corvos e nunca tinha visto", disse ela.

Para o estudo, os pesquisadores identificaram o território de um casal adulto de corvos em um bairro de Seattle, deixaram um cadáver sobre uma calçada ou alguma outra área exposta e se afastaram a cerca de 20 metros de distância.

Entre as centenas de corvos observados durante o estudo, a maioria simplesmente grunhiu alto e pousou perto do cadáver, sem tocá-lo. Mas 24% dos sujeitos alados bicaram, puxaram ou desmembraram o corpo. E, em 4% dos encontros, os corvos tentaram copular (em um caso, um corvo montou em um pombo morto, usado no estudo para comparação).

Kevin McGowan, professor do Laboratório Cornell de Ornitologia, em Ithaca, Nova York, não participou do estudo e disse que nunca testemunhou qualquer sinal de necrofilia em mais de três décadas de observação de corvos. Mas suspeita que uma carga excessiva de hormônios possa explicar boa parte do fenômeno.

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"Há um enorme crescimento e desaparecimento das gônadas das aves durante a época de acasalamento", disse McGowan, referindo-se ao modo como os testículos das aves podem se expandir ou encolher, dependendo da estação do ano. Isso afeta os hormônios que circulam em seu sistema e a reação aos estímulos. "Portanto, não é de surpreender que você veja esses comportamentos sexuais ocasionais apenas na época da reprodução".

O estudo não registrou se os corvos necrofílicos eram machos ou fêmeas, mas a pesquisadora Kaeli Swift concordou que a época do ano tinha muito a ver com os resultados. O comportamento sexual e agressivo que ela observou se restringiu à primeira metade da estação reprodutiva, que termina em meados de junho.

"Acho que a próxima etapa de testes vai fazer perfis hormonais e verificar se há diferenças endócrinas entre as aves que apresentam esse comportamento e as aves que não apresentam", disse ela.

Por enquanto, Swift especula que o comportamento pode ser uma mistura das potenciais respostas que um corvo pode ter diante de seus cadáveres - vendo os mortos como um sinal de perigo ou um possível parceiro. Ela também sugere que alguns corvos talvez sejam incapazes de ajustar suas respostas aos estímulos. Então esses animais apresentam todas as reações de uma vez só.

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