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O show continua, mesmo após a China tentar cancelar exposição de artista dissidente

Uma cidade italiana rejeitou um pedido da embaixada chinesa em Roma para cancelar uma exposição de Badiucao, um artista que tem sido descrito como o Banksy chinês

Por Elisabetta Povoledo
Atualização:

BRÉSCIA, Itália - Uma semana antes de sua primeira exposição individual, o artista sino-australiano Badiucao estava completamente focado em seu trabalho: preparando a exposição durante o dia e afiando centenas de lápis com uma faca à noite. Posicionados juntos, os lápis - 3.724 ao todo - faziam parte de uma instalação da exposição China Is (Not) Near, que foi exibida no museu municipal de Bréscia, uma cidade industrial na região da Lombardia, no norte da Itália.

O artista Badiucao em frente a uma de suas obras, ,Carrie Lam', retrato do chefe executivo de Hong Kong, no Museu Santa Giulia em Brescia, Itália. Foto: Alessandro Grassani/The New York Times

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Depois de uma década conquistando seguidores online como cartunista político criticando a China, seja por sua censura (e cumplicidade ocidental), pelo tratamento da minoria uigur ou pela repressão em Hong Kong, Badiucao disse que queria mostrar seu trabalho em um ambiente institucional tradicional.

Ele nunca foi tão disponível. Até pouco tempo atrás, Badiucao estava tão preocupado com as represálias do governo chinês que manteve sua identidade em segredo, provocando comparações com o artista de rua britânico Banksy. Ele revelou seu rosto em um documentário de 2019 e agora diz que encontrou segurança para se expor, embora ainda prefira usar seu nome de artista.

E, em uma tarde de novembro recente, Badiucao estava visivelmente aliviado com o fato de que a exposição individual em Bréscia estava caminhando.

Um mês antes da mostra, autoridades culturais da Embaixada da China em Roma enviaram um e-mail ao prefeito Emilio Del Bono, de Bréscia, criticando a decisão da cidade de sediar a exposição e solicitando o seu cancelamento. A exposição comprometeria as relações amistosas entre China e Itália, acrescentou o e-mail.

Em uma entrevista em seu escritório, Del Bono disse: “Ficou claro que ele é um artista indesejável para o governo chinês”.

Ele e o presidente da Fundação Brescia Musei, que administra o museu, responderam com uma carta enfatizando que a exposição de forma alguma prejudicava a China ou seu povo, mas que a crítica social era uma função da arte, e que Bréscia havia “sempre defendido a liberdade de expressão e continuaria a fazê-lo”, disse Del Bono.

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“A arte nunca deve ser censurada”, disse Del Bono. “Nas democracias, ela frequentemente denuncia, e até zomba, daqueles que estão no poder. Faz parte das regras democráticas.”

Ele disse que não teve notícias da embaixada desde então; as autoridades chinesas em Roma não responderam às perguntas do The New York Times por telefone, e-mail ou carta entregue em mãos.

“Tenho a sorte de que sua cidade e este museu compreendam minha arte e tenham a coragem de defender meu direito de expressão”, disse Badiucao.

Na China, a censura tem sido uma realidade para os setores culturais do país, e o espaço já estreito para a liberdade de expressão vem diminuindo ainda mais desde a ascensão de Xi Jinping em 2012. Cada vez mais, não é incomum que obras de arte específicas, e até exposições inteiras, sejam retiradas a mando de autoridades chinesas - mesmo que as obras não sejam abertamente políticas.

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Para além das fronteiras do país, o vasto aparato de censura e a força econômica da China também estão sendo notados com mais frequência. Pedidos diretos de autoridades chinesas para cancelar exposições de arte, como em Bréscia, são relativamente raros, ou pelo menos raramente divulgados.

Com mais frequência, a arte é vítima de autocensura por parte daqueles que receiam conflitos com as autoridades na China - para não perderem o acesso ao vasto mercado do país. Essas preocupações são mais aparentes em Hollywood, onde os estúdios de cinema às vezes alteram deliberadamente os filmes com medo de criar problemas com a China, que recentemente ultrapassou os Estados Unidos como o maior mercado cinematográfico do mundo.

Badiucao disse que ele e sua família em Xangai foram perseguidos por autoridades chinesas, e também por nacionalistas chineses, em um esforço para silenciá-lo. “É um padrão”, ele disse.

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A exposição em Bréscia é uma retrospectiva de sua carreira com instalações, pinturas a óleo, desenhos, esculturas e duas apresentações programadas.

O diretor do museu, Stefano Karadjov, disse que a exposição era sobre “a descoberta de um artista” que trabalha em uma variedade de mídias, mas foi relegado a mostrar suas obras online “porque era a única maneira que encontrou de fazer arte e ter sua arte exibida."

“Um museu público deve dar espaço para quem não tem mercado”, disse Karadjov, acrescentando que espera que isso estimule mais apoio ao artista.

'Winnie the Trophies' de Badiucao, no Museu Santa Giulia em Brescia. Cidade italiana rejeitou pedido da Embaixada chinesa para cancelar a exposição. Foto: Alessandro Grassani/The New York Times

Badiucao disse esperar que a exposição em Bréscia o apresente a um novo público e que seu trabalho seja visto sob uma nova perspectiva.

“Com certeza, quando as pessoas vão a uma galeria ou museu, as expectativas são muito diferentes” do que quando as obras são vistas online, ele disse. “Uma instituição como essa tem poder e autoridade inerentes, então se você está expondo em um espaço como este, você é bastante privilegiado.” Ele também entende que enfrenta obstáculos.

“Para ser um artista, você tem que fazer exposições, tem que ter galerias que o representem, tem que ser aceito no mercado de arte, o que para mim é obviamente muito difícil porque fazer negócios comigo significa que você está recusando negócios com a China”, ele disse. Mas em Bréscia, pelo menos, ele encontrou apoio.

"Nunca pensamos em cancelar a exposição”, disse Francesca Bazoli, presidente da Fundação Brescia Musei. “Acreditamos no papel que a arte contemporânea tem como instrumento poderoso e inspirador, canalizando temas que afirmam a liberdade de expressão”, ela afirmou. “Não convidamos Badiucao porque ele era um chinês dissidente. Nós o convidamos porque ele é um artista que nos mostra como a arte pode ser usada como uma ferramenta crítica. Foi uma operação cultural e não política. ” /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

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