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No País de Gales, um campo de golfe renasce na quarentena após ficar inativo por décadas

Durante a pandemia, Chris Powell ficou obcecado com um campo de golfe que tinha sido engolido pelo mato e pelo tempo. Então, ele o reconstruiu para jogar por um dia

Por Jack Williams
Atualização:

Numa noite de sexta-feira em maio, Chris Powell e 23 moradores estavam em um campo que fica próximo da sua casa nas colinas de Rhayader, no País de Gales. Por todos os lado, detalhes familiares salpicavam paisagem, desde alguns caminhos tortuosos aos arbustos, alguns trechos com samambaias e uma pequena casa de pedras centenárias.

Mas em meio ao verde havia algumas outras coisas: bandeiras, marcadores, tees (pino usado para sustentar a bola antes da tacada inicial), pneus de bicicletas que haviam sido pintados de vermelho e colocados no terreno, e uma seleção de sacos de golfe.

Jogadores no sétimo buraco do Rhayader Golf Links, no País de Gales. Foto: Phil Hatcher-Moore/The New York Times

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Enquanto outras pessoas no Reino Unido passaram o ano de 2020 enfrentando os lockdowns impostos pela pandemia e praticando seus hobbies dentro de casa, Powell passou aproximadamente mil horas perambulando por esse terreno que outrora foi um campo de golfe local – um espaço que foi fechado há mais de cinco décadas e lentamente se incorporou à paisagem.

Graças à sua dedicação e suas habilidades como um faz-tudo quando se trata de uma reforma, Powell conseguiu não só identificar todos os tees e as áreas de grama onde estavam os buracos, ocultos no meio das encostas e a folhagem, mas também restaurar o campo para ser de novo utilizado para a prática de golfe. Houve algumas surpresas ao longo da reforma – como a descoberta de elos com um determinado campo em Augusta, na Geórgia, e agora ele e o grupo estão prontos para retomar o Rhayader Golf Links.

“Quando começo alguma coisa, fico obcecado”, disse Powell, 63 anos, antes de uma tacada, com as nuvens escuras de chuva circundando os vales. A jornada até este ponto teve início há mais de ano, quando o Reino Unido estava no seu primeiro lockdown e Powell e um amigo decidiram caminhar pelas encostas para se exercitarem.

Da sua primeira visita ao local, Powell e o amigo Martin Mason, 53 anos, disseram que conseguiriam claramente distinguir duas áreas que tinham buracos. A partir dali, ele retornou ao campo em intervalos de alguns dias, esperando encontrar novos detalhes em meio ao mato que, afirmou, estavam na altura do seu peito em alguns lugares.

Em alguns meses, Powell desenterrou cinco ou seis buracos e um número similar de caixas de tees.  Nesse ponto, ele pensou: “Vou criar um dia de golfe beneficente” em algum momento do ano.

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"Ele queria torná-lo jogável para pessoas que não estiveram lá em cima", disse Mason, que ocasionalmente o ajudou durante o processo de descoberta. "Não sabíamos para onde isto estava nos levando".

Durante a pandemia do coronavírus, Chris Powell ficou obcecado com o campo de golfe de sua cidade galesa, há muito perdido para o tempo e para a terra. Foto: Phil Hatcher-Moore/The New York Times

Para encontrar os buracos finais, ele recorreu ao responsável pela funerária local que havia jogado golfe ali quando era mais jovem e poderia dar a ele pontos de referência nas encostas, hoje usadas com frequência por ciclistas. Ele e seu amigo Mason descobriram alguns dos copos (recipientes onde as bolas devem cair) de golfe usando um detector de metal. E também um antigo mapa do campo que encontraram on-line e que trazia um nome familiar nos círculos do golfe: “Projetado como planejado pelo Dr. A. MacKenzie, Arquiteto do Campo de Golfe”.

Alister MacKenzie foi um arquiteto britânico de campos de golfe cujo trabalho se propagou por quatro continentes. Nos últimos dez anos, três campos projetados por ele – o Cypress Point Club, na Califórnia, o Royal Melbourne Golf Club, na Austrália, e o Augusta National Golf Club, na Geórgia, sede do The Masters, estão entre os dez melhores do mundo. “Fiquei muito surpreso, devo dizer”, afirmou Powell.

Ele descobriu também um artigo em um jornal de 1925 que listava MacKenzie como o arquiteto e um manual de aproximadamente 90 anos que documentava as observações do projetista quando estava no local. Mas as várias sociedades ligadas aos campos de golfe criados por MacKenzie não fazem nenhum reconhecimento do campo de Rhayader on-line, especialmente porque, afirmam, a afiliação é somente de campos ativos, e as cronologias on-line documentam que o arquiteto esteve no local X na data Y, em vez de apenas listar os campos de golfe em que ele deve ter trabalhado.

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Powell, contudo, continuou trabalhando na sua antítese do imaculado Augusta National Golf Club, esperando um dia hospedar uma competição nas colinas do País de Gales. Ele adquiriu um cortador de grama para limpar o terreno. Algumas noites caminhou pelo campo lançando bolas que, quando se perdiam nos caminhos, ele conseguia recuperá-las usando uma foice.

Em abril, surgiu uma oportunidade: o mato da região haviam morrido, o que lhe deu algumas semanas para limpar seções chave do campo, de modo que pudesse ser utilizado, isso durante algum tempo antes de as samambaias renascerem.

Os jogadores se depararam também com alguns detalhes menores. Havia tabelas de desempenho e sinais de direção que Powell e sua mulher confeccionaram. Os buracos tinham nomes como Moonshot, onde a primeira tacada era alta e sem visão, e Rollercoaster, que exigia que os jogadores adentrassem um vale e depois lançassem a bola de volta na direção do campo. O valor obtido dos ingressos seria enviado para causas em apoio ao serviço de saúde público do Reino Unido, o National Health Service (NHS).

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O campo de golfe reconstruído ficou aberto por um dia, toda a renda com os ingressos foi doada para ajudar instituições de saúde. Foto: Phil Hatcher-Moore/The New York Times

"Será áspero e desorganizado", disse Ben Waters, 36 anos, gerente de campo no vizinho Llandrindod Wells Golf Club onde Powell agora joga, que o havia aconselhado durante os meses anteriores. "Mas não é essa a questão". Este tem sido um homem trabalhando em uma encosta em seu tempo livre".

Por aproximadamente quatro horas, os jogadores caminharam pelo campo e, no primeiro buraco, contornaram uma escavação abandonada. Cada um deles carregava um mapa do campo desenhado a mão, com linhas em negro e às vezes um X vermelho que, segundo o índice, significava “área com muito mato”.

Nos buracos ocultos, os jogadores tiveram de fazer um ruído com as ferraduras dos sapatos que Powell instituiu para alertar o grupo de trás que o local era seguro. Os campos eram irregulares e assim atingir um ponto em vermelho em torno de uma bandeira contava como uma tacada cuja bola acertou o buraco. Havia casos também em que um buraco exigia que os jogadores pulassem uma cerca para chegar ao tee. O primeiro grupo ficou todo molhado com uma rápida chuva que caiu.

Quando o grupo final encerrou o jogo o sol já havia desaparecido e começou a escurecer. Aos jogadores foram oferecidos sanduíches numa cabana e a taça Rhaeader foi apresentada à equipe vencedora. Powell disse esperar que aquela rodada beneficente se tornasse um evento anual.

“A parte mais triste é que no próximo mês será de novo impossível jogar neste campo”, disse ele. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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