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Padeiros artesanais da pandemia estão se profissionalizando

Período de turbulência gerou uma nova onda de padeiros profissionais

Por Heather Murphy
Atualização:

Antes da pandemia, Max Kumangai passava os sábados cantando e dançando, praticando para retomar suas atividades na peça Jagged Little Pill, um musical de rock exibido na Broadway.

Os sábados continuam a ser dias muito atarefados. Mas enquanto antes ele começava seu dia de trabalho levantando colegas acima de sua cabeça, agora ele começa tirando da geladeira os pães de fermentação natural e preparando-os para assar. (O forno do seu apartamento no Harlem é tão antigo que os indicadores de temperatura não funcionam, mas ele sabe quando a cor e a crosta estão no ponto certo).

Focaccia feita por Max Kumangai, que iniciou um negócio de pão em casa. Foto: Brittainy Newman/The New York Times

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Uma vez assados os pães, ele os coloca em sacos de papel com o logotipo Humpday Dough, empresa que agora administra com seu namorado, e segue para o metrô para fazer suas entregas pela cidade.

“Sempre encerro o dia de entregas me sentindo realizado socialmente”, disse ele.

Muitas pessoas descobriram um amor por pães durante a pandemia, Kumangai é um dos que entenderam que sua nova paixão pode ser mais do que um hobby.

As escolas de culinária vêm sendo inundadas com matrículas de aspirantes a padeiros. O Instituto de Educação Culinária, que oferece aulas em Los Angeles e Nova York, recebeu 85% mais inscrições este ano do que em 2019. Na Johnson & Wales University, em Providence, Rhode Island, os cursos de padaria geraram muito mais interesse do que outros programas de culinária.

Se de um lado, as padarias físicas vêm lutando para encontrar padeiros qualificados, muitos que fazem pão por hobby se tornaram padeiros artesanais, que vendem pão em casa ou em mercados de produtos locais, disse Mitch Stamm, diretor executivo do Bread Bakers Guild of America.

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"É um momento realmente emocionante", disse ele. "Muitas pequenas padarias – de uma ou duas pessoas – estão indo muito bem."

Antes da pandemia, Kumangai, 36 anos, não se considerava um padeiro e até proibia seu namorado de trazer pães repletos de carboidrato para casa. Mas com a peça Jagged Little Pill numa pausa indefinida, “queria fazer algo que funcionasse”, disse ele.

Max Kumangai, um ator desempregado que começou um empreendimento de pães, verifica seu pão com seu namorado, Michael Lowney. Foto: Brittainy Newman/The New York Times

Em abril de 2020, depois de preparar empadas de frango suficientes para alguns meses, caso os supermercados ficassem sem alimentos, ele decidiu tentar fabricar fermento natural.

“O cheiro era estranho e não de uma forma positiva”, lembrou ele. E jogou fora a massa. Alguns meses depois, "eu estava pensando, não estou fazendo nada com minha vida", então ele deu outra chance.

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A segunda vez foi ótima. Para um fermento natural saudável, é necessário alimentá-lo duas vezes por dia com farinha e água. O processo o lembrou dos cuidados com um Tamagotchi ou um bichinho de estimação. Achou algo prazerosamente terapêutico.

Outras pessoas também acham isso. Penny Stankiewicz, professora de produção de massas artesanais no Instituto de Educação Culinária, disse que tem sentido o fato de a produção de fermento natural se tornar uma estrela na cozinha em tempos de pandemia.

“Nessa fase, nos sentimos tão instáveis que não conseguimos confiar realmente em algo e apareceu esta coisa que podemos nutrir”, disse ela. Kumangai também desfrutou de outros aspectos da fabricação do fermento: estendendo e dobrando a massa, ele aprendeu a ciência das bolhas.

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Foi seu namorado, Michael Lowney, outro ator da Broadway marginalizado pela pandemia, que o incentivou a se tornar um padeiro (hoje Lowney é sócio dele). 

No meio do ano passado, eles voltavam para casa depois de uma manifestação do movimento Black Lives Matter e Kumangai, que é negro, estava sentindo uma enxurrada de emoções: desespero e raiva, mas também euforia ao emergir de uma pandemia que isolou fisicamente as pessoas de uma forma tão intensa.

“Ele observou que eu precisava de algo para continuar essa conexão”, disse Kumangai referindo-se ao seu companheiro. Fazer pão e entregar para os clientes se tornou a solução.

Max Kumangai, ator desempregado da Broadway, que começou a vender pães feitos em casa durante a pandemia. Foto: Brittainy Newman/The New York Times

Nos meses seguintes, eles passaram da venda ocasional de pão a um amigo para a entrega de dezenas de pães por semana - junto com panquecas, biscoitos e focaccia - muitos aos assinantes que encontraram o Humpday Dough através das redes sociais. Em maio, o casal recebeu 150 pedidos.

Mas à medida que a pandemia gerou empolgação entre os novos padeiros, ela também desgastou os veteranos.

“Tem sido uma montanha russa”, disse Celine Underwood, padeira e fundadora da Brickmaiden Bakery, em Point Reyes Station, Califórnia.

Muitos donos de padarias tiveram de imaginar um meio de se manterem em atividade sem deixar que os clientes entrassem no seu estabelecimento. Os lucros despencaram. Os funcionários sumiram.

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“E depois os negócios de repente prosperaram, mais até do que antes, mas com uma parte da mão de obra disponível", disse ela. "Os funcionários que tentamos contratar durante a pandemia não eram confiáveis, tiveram problemas pessoais, ou pareciam não ser totalmente estáveis, nem sabiam o que queriam".

Hoje é basicamente impossível conseguir um padeiro especializado, ela e outros disseram.

Padeiros artesanais como Kumangai não precisam lutar com problemas de funcionários. Salvo, à medida que a vida começa a voltar à normalidade, a tentação de voltar ao emprego que tinham antes.

Há meses, ele vem colocando uma frigideira de ferro com pedras vulcânicas e um copo d’água em seu forno – um dos truques que usa para fazê-lo funcionar como um forno profissional a vapor. E quando pensou em alugar um espaço em uma cozinha comercial, soube que a peça Jagged Little Pill o queria de volta a partir de setembro.

Kumangai está convencido de que pode fazer as duas coisas: fazer pão de manhã e atuar na Broadway à noite. Mas ele e Lowney decidiram deixar para mais tarde uma expansão da sua padaria, por enquanto. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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