
23 de agosto de 2019 | 06h00
Em um moderno forno de Pasadena, na Califórnia, um fermento que poderia ser tão antigo quanto o do antigo Egito foi usado recentemente para fazer um pão particularmente aromático de massa azeda. O padeiro, Seamus Blackley, estava experimentando com um fermento que retirara de um pão do antigo Egito de 4 mil anos atrás. Ele tentava fazer o próprio pão usando os mesmos ingredientes, com alguns dos mesmos métodos dos antigos. Deu certo, e Blackley - que é também o criador do Xbox, físico e autodenominado "nerd do pão" - postou os resultados no Twitter. “O miolo é leve e aerado”, escreveu. “O aroma e o sabor são incríveis”.
Blackley coleciona leveduras silvestres de florestas medievais, conhece fluentemente a linguagem dos antigos grãos, e faz vídeos enquanto faz o pão. Além disso, é um apaixonado de história do antigo Egito. “Eu acho o máximo”, disse em uma entrevista. “Acredito que é realmente importante; devemos muito a este povo antigo. E no entanto, muitas vezes, ou quem sabe sempre, tendemos a achar que as pessoas que viviam na antiguidade eram simples ou estúpidas; é lógico que esta é a maior bobagem. Este povo era brilhante”.
O físico também escreve tuítes sobre a sua paixão pelos antigos esporos que o ajudaram a conectar-se com outras pessoas que têm os seus mesmos interesses, como Richard Bowman, biólogo da Universidade de Iowa, e Serena Love, arqueóloga e membro honorário da pesquisa da Universidade de Queensland, na Austrália.
Bowman faz cerveja, e entrou em contato com Blackley para falar da levedura. Foi Bowman que encontrou uma maneira para Blackley extrair cepas de leveduras do antigos artefatos sem danificá-los. Love ajudou Blackley a conseguir o acesso aos artefatos - como cerâmicas outrora usadas para fazer ou armazenar cerveja e pão - do Museum of Fine Arts de Boston e do Peabody Museum de Harvard. Blackley utilizou o método de Bowman para retirar amostras de leveduras que há milênios haviam aderido à cerâmica porosa.
Blackley também tinha uma amostra do pão do Império Médio, proveniente de um templo mortuário do faraó Mentuhotep II e hoje se encontra no Museum of Fine Arts. “No local havia três pães, como oferendas, e o edifício foi construído em cima disso”, explicou Love.
Blackley extraiu a levedura, levou-a para a sua casa e usou cevada e farinha de farro para acordar os esporos adormecidos. A levedura é uma coisa viva - um fungo. Ele metaboliza carboidratos, e os seus subprodutos são o álcool e o dióxido de carbono. “O álcool auxilia a criação da cerveja, e as bolhas de dióxido de carbono ajudam a massa a expandir-se", argumentou.
Today I kept practicing with the grain and microbe combination. This will be the last test we show before we head back to the bio lab, and before we start using proper Ancient Egyptian baking techniques. The Hieroglyphs are “Di” and “Ankh” meaning “Given Life.” pic.twitter.com/QM0Om6464T — Seamus Blackley (@SeamusBlackley) 11 de agosto de 2019
Os esporos da levedura podem continuar adormecidos - em lugar de morrer - e permanecer tranquilamente viáveis por milhares de anos até serem extraídos, disse Bowman. Há uma advertência a fazer: ainda não se sabe ao certo o que Blackley fez com uma antiga cepa de leveduras. As suas extrações podem ter sido contaminadas por esporos modernos, de modo que o Bowman está trabalhando para verificar as amostras.
Assim que as amostras forem verificadas, Blackley espera experimentar com estilos de cozimento que imitam os métodos dos antigos egípcios. Ele quer aperfeiçoar a sua técnica de extração de esporos. “É um projeto de hobby para todos nós”, afirmou. “Esta é realmente a grande tradição da ciência amadora - as pessoas fazem alguma coisa porque acham que é a coisa certa a fazer - tenho muito orgulho disso”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
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