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Paraíso hippie na Dinamarca é também um grande mercado de drogas

Autoridades buscam meios de lidar com a Cidade Livre de Christiania, um experimento dos anos 1970 que tenta sobreviver às mudanças do país

Por Ellen Barry
Atualização:

COPENHAGUE - Quando um batalhão da polícia dinamarquesa com coletes à prova de balas cruza a fronteira e entra na Cidade Livre de Christiania, uma comunidade de hippies no centro da capital do país, muitas coisas acontecem.

Uma gritaria súbita dá o alarme. Os montes de haxixe e pacotes de maconha desaparecem em sacos plásticos pretos, que são enrolados e jogados sobre telhados, escondidos embaixo das tábuas do piso e enfiados em esconderijos camuflados, enquanto os traficantes tratam de se dispersar.

Os traficantes de maconha e haxixe empacotam tudo e somem durante as batidas da polícia na rua Pusher. Foto: Mauricio Lima para The New York Times

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Os policiais chegam armados com pistolas no mercado de haxixe ao ar livre da rua Pusher, mas no meio tempo, o odor da droga foi substituído pelo perfume de rolos de canela, e metade da população desapareceu. Em questão de segundos, depois que os policiais saem, o movimentado mercado da droga volta a ser o que era, e o comércio recomeça.

Um dia, no verão deste ano, esta dança ocorreu diversas vezes entre as forças do governo e a Cidade Livre de Christiania, uma das experiências utópicas mais duradouras da Europa.

A área era uma base militar abandonada, quando, em 1971, quando alguns invasores derrubaram as barricadas e ocuparam 34 hectares de terra, declarando-a "uma sociedade autogovernada" de artistas e livres pensadores. A Dinamarca permite a existência desta comuna há quase meio século, violando as leis da propriedade, do planejamento urbano e sobre o controle das drogas.

Christiania é, agora, uma das maiores atrações turísticas de Copenhague, tema de estudos acadêmicos e uma espécie de monumento vivo à tolerância dinamarquesa.

"A polícia dinamarquesa na época era mais educada", disse o antropólogo Jiesper Tristan Pedersen, morador ocasional de Christiania. "Com o tempo, as autoridades se irritaram, não sabiam o que fazer, mas não quiseram usar a violência".

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Entretanto, a Dinamarca mudou de lá para cá, e agora aqui predomina a lei e a ordem. Os projetos de habitações urbanas tornaram-se cenário de crimes cada vez mais numerosos relacionados à droga, assim como a atividade das gangues. Políticos mais conservadores prometeram fechar o comércio da droga na rua Pusher.

Os verdadeiros moradores de Christiania, cerca de 900, têm seu próprio sistema de autogoverno, inclusive a rigorosa proibição da violência e das drogas mais pesadas, como a heroína. O resultado é um complicado equilíbrio entre traficantes, moradores da comuna - que têm o poder de expulsá-los - e seu adversário comum, a polícia.

Cerca de 900 pessoas vivem na Cidade Livre de Christiania, que foi tomada por hippies, artistas e músicos em 1971. Foto: Mauricio Lima para The New York Times

"Nós costumávamos jogar pedras contra a polícia. Eles disseram para jogar flores. Ela impõe a restrição. É um pouco confuso, certo? Nós afirmamos que somos todos criminosos, como é que temos tantas normas?", disse um traficante impaciente com os moradores hippies mais velhos.

Uma pichação em um muro diz que "somente a liberdade é sagrada". Bandeiras tibetanas usadas para oração formam uma tenda na rua Pusher, obstruindo a visão do drone da polícia. Os traficantes se baseiam pelos nomes das ruas e usam elaboradas manobras evasivas.

Um deles utiliza um trem em miniatura que ele mesmo fez para entregar a droga passando por uma portinhola; aperta-se um botão e o trem desaparece, segundo o morador local Simon Gabriel Laugesen.

"Isso é o que acontece quando se brinca de esconde-esconde por 30 anos. Você aperfeiçoa seus métodos", comentou.

Recentemente, uma mulher de meia-idade fotografou a rua Pusher; foi interpelada por um jovem que pediu que ela apagasse a foto. Ele explicou que a polícia costuma fazer varreduras nas redes sociais em busca de fotografias que possam ajudar nas detenções.

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Estão em guerra?, alguém perguntou.

"Isso acontece desde 1971", respondeu Laugesen, bem-humorado. "E a polícia continua perdendo".

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