Patrulheiros Dhimurru limpam praia para salvar cultura australiana

Grupo nativo é um dos mais de cem a assumir a função de proteger as terras de seus antepassados

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Por David Maurice Smith
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YALANGBARRA, AUSTRÁLIA - Enquanto a escuridão tomava o céu do Território do Norte, homens e mulheres vasculhavam o solo uma última vez. Era a hora do jantar dos Patrulheiros Dhimurru, um grupo composto em sua maioria por australianos nativos, que tem se dedicado a limpar praias poluídas. Logo eles comeriam frutos do mar frescos preparados na fogueira, como faziam seus antepassados.

Por milhares de anos, o povo aborígine Yolngu viveu nesta parte da Austrália caçando em suas florestas e pescando em suas águas. Mas esta terra, anteriormente preservada, agora está poluída.

Os patrulheiros Dhimurru, que são em sua maioria australianos nativos, limpam uma praia que já pertenceu aos seus antepassados Foto: David Maurice Smith para The New York Times

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Milhares de quilos de lixo plástico são trazidos pelo mar anualmente, e as chamadas redes-fantasma - malhas de nylon abandonadas por pescadores - se emaranham em espécies ameaçadas, incluindo tartarugas marinhas, dugongos e tubarões.

Os Patrulheiros Dhimuru são um dos mais de cem grupos de povos nativos do país que assumiram a função de proteger as terras de seus antepassados, combinando métodos tradicionais com conservacionismo moderno.

Na Terra de Arnhem, ao longo do Golfo de Carpentária, eles são os herdeiros e guardiões de 8,5 mil quilômetros quadrados de terra e mar. Vasculham as praias recolhendo com as mãos o máximo possível de detritos. Mas trata-se de um trabalho de Sísifo, já que as ondas trazem mais lixo todos os dias.

Para um povo cuja cultura está inevitavelmente ligada à terra, preservar o meio ambiente significa preservar a história. "Ser um patrulheiro é uma questão de proteger nosso próprio território", afirmou Gatha Pura Munnunggurr, 28 anos. "Se perdermos nossa cultura, não seremos mais nada."

Em um dia particularmente duro, os patrulheiros trabalhavam para retirar do mar uma gigantesca rede-fantasma. Usavam todos os recursos ao seu dispor - ferramentas elétricas, o guincho de uma caminhonete, a própria força da maré - para remover a rede, que tinha centenas de metros de comprimento e estava enterrada sob água e areia, cerca de um metro abaixo da superfície.

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Os patrulheiros combinam técnicas tradicionais e modernas em seu trabalho. Usando um guincho de caminhonete para tentar arrastar uma rede Foto: David Maurice Smith para The New York Times

Os patrulheiros corriam contra o tempo, enquanto a maré subia e o sol se punha, mas desistiram quando a água cobriu seus tornozelos. A rede estaria no mesmo lugar no dia seguinte, quando eles voltariam ao trabalho.

Para muitos aborígines australianos, sua conexão com a terra foi interrompida bruscamente gerações atrás pela colonização. Povos nativos foram deslocados, e suas práticas culturais, tornadas ilegais. Dezenas de milhares de anos de tradicional cuidado com a terra chegaram ao fim e, como resultado, muitas partes do país agora sofrem severa degradação, causada por espécies invasivas de plantas e animais, incêndios florestais e má gestão da terra.

Nos últimos anos, o governo restituiu mais de 20% das terras do país - parte disso integrava antigos parques e reservas - à propriedade dos povos nativos. Desde 2007, as organizações de patrulheiros nativos estão em atividade protegendo essas terras.

Após sua batalha mal-sucedida contra a rede-fantasma, os patrulheiros acenderam uma fogueira e contemplaram o mesmo mar que inspirou as histórias mais sagradas de seus antepassados. "Ser um patrulheiro é uma fonte de determinação. Você se sente forte", afirmou Terence Wunungmurra, um patrulheiro veterano. "Aqui, ainda vivemos da terra. A cultura ainda está viva."

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