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Por que a poesia é tão essencial agora

A poesia é como a oração, nos lembram de que há mais a dizer sobre a realidade do que o que pode ser dito em palavras

Por Tish Harrison Warren
Atualização:

Neste verão (no hemisfério norte), por diversão, fiz um curso de poesia direcionado a líderes cristãos. Doze de nós nos encontramos pelo Zoom para ler poemas e discutir a interseção entre nossa fé, vocações e a poesia.

Comparamos de Prayer, de George Herbert, a Prayer, de Christian Wiman. Discutimos Island, de Langston Hughes, Yet Do I Marvel, de Countee Cullen e Musée, de Scott Cairns para analisar o sofrimento e o problema do mal. Lemos sobre o medo da morte de Philip Larkin e o que ele vê como as falhas da crença religiosa em seu poema “Aubade”. Foi a parte favorita do meu verão.

Um dom particular da poesia em nosso momento é que bons poemas recuperam o poder e a graça das palavras. Foto: Pixabay

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Em nossa primeira aula, nos revezamos para compartilhar o que nos levou a dedicar tempo à poesia. Desajeitadamente tentei explicar meu anseio por versos: Eu tenho fome de uma realidade transcendente – o bom, o verdadeiro, o belo, essas coisas que, de alguma forma, estão além de uma mera discussão. Frequentemente, como escritora, pastora, ou simplesmente uma pessoa no mundo online, acho que minha vida é dominada pelo debate, pela controvérsia e praticamente por estranhos discutindo sobre política ou a doutrina da igreja. Esse ano que passou, particularmente, foi marcado por animosidades e divisões. Estou exausta com tanto rancor.

Neste lugar cansado e vulnerável, a poesia sussurra verdades que não podem ser confinadas à mera racionalidade ou experiência. Em um mundo aparentemente destruído, sou atraída por Autumm, de Rainer Maria Wilke e me lembro que “há Alguém que segura essa queda/ Infinitamente suave em Suas mãos.” Quando as escrituras parecem estagnadas, James Weldon Johnson prega através de The Prodigal Son e ouço a velha parábola novamente. Em domingos cansativos, eu desabo sobre os Sabbath poems de Wendell Berry e encontro descanso.

Não estou sozinha em meu interesse nessa forma antiga de arte. A poesia parece estar voltando. De acordo com uma pesquisa de 2018 da National Endowment for the Arts, o número de adultos que leem poesia quase dobrou em cinco anos, atingindo o maior número registrado nos últimos 15 anos. A poeta Amanda Gorman roubou a cena na cerimônia presidencial de posse este ano, e sua coleção The Hill We Climb chegou à lista dos mais vendidos na Amazon.

Não há uma razão simples ou única para esse ressurgimento. Mas eu acho que um dom particular da poesia em nosso momento é que bons poemas recuperam o poder e a graça das palavras.

As palavras parecem onipresentes agora. Carregamos um mundo de palavras conosco a todo momento em nossos smartphones. Interagimos com nossa família através da palavra escrita em e-mails, textos e posts do Facebook. Mas com nossa recém-descoberta habilidade de transmitir qualquer palavra, a qualquer momento, podemos desvalorizá-las.

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"Como qualquer outro recurso de manutenção da vida", Marilyn Chandler McEntyre escreve em seu livro Caring for Words in a Culture of Lies, “a linguagem pode estar esgotada, poluída, contaminada, erodida e cheia de estimulantes artificiais". Ela argumenta que a linguagem precisa ser resgatada e restaurada, e nos direciona para a prática da leitura e da escrita poética como um meio de fazer isso. Os poemas, ela diz, “treinam e exercitam a imaginação” para “promover paz” porque “o amor da beleza está profundamente ligado ao amor à paz”.

De fato, em nossa era de redes sociais, as palavras são constantemente usadas como armas. A poesia, ao contrário, trata as palavras com cuidado. Elas são lentamente trabalhadas como lanternas – coisas que podem iluminar e guiar. O debate certamente tem importância. As opiniões importam. Mas quando as controvérsias urgentes do dia parecem ser tudo que se pode dizer sobre a vida, a morte, o amor ou Deus, a poesia me lembra dessas verdades misteriosas que não podem ser reduzidas apenas a um pensamento linear.

A própria poesia pode levar a um debate inteligente, é claro. Mas mesmo a poesia didática – a poesia que traz uma opinião – faz isso de uma maneira mais criativa, meticulosa e atraente do que geralmente vemos em nossos acalorados discursos públicos.

Também acho que somos atraídos pela poesia por outra razão: os poemas diminuem nosso ritmo. Meu professor de poesia neste verão, Abram Van Engen, um professor de inglês na Washington University em St. Louis, me lembrou que a poesia é a “arte de prestar atenção”. Em uma época em que nossa atenção está mercantilizada, quando as corporações fazem dinheiro capturando nosso olhar e segurando-o pelo maior tempo possível, muitos de nós nos sentimos sobrecarregados pelas notificações, ocupações e barulhos de nossas vidas. A poesia nos chama de volta para observar e participar do mundo ao nosso redor e para nossas vidas internas.

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Dessa forma, a poesia é como a oração, uma comparação que muitos já fizeram. Tanto a poesia como a oração nos lembram de que há mais a dizer sobre a realidade do que o que pode ser dito em palavras, embora, em ambos os casos, utilizamos palavras para vislumbrar o que está além delas. E ambas abrem espaço para nomear nossos anseios, lamentações e amores mais profundos. Talvez seja por isso que a poesia dos Salmos se tornou o primeiro livro de orações da igreja. 

Estou tentando trazer mais leitura de poesia para minha vida diária. Ler novos poemas pode ser intimidador, mas imagino que a única forma de entender poesia de maneira errada é evitá-la completamente. O que ajuda é que as poesias são geralmente curtas e rápidas de ler, então as coloco nas brechas do meu dia – alguns minutos antes de dormir ou na calmaria de uma tarde de sábado. 

Durante o último ano escolar, com meus filhos em casa por causa das precauções contra a Covid, empilhávamos livros de poesia em nossa mesa uma vez por semana (Shel Silverstein, Shakespeare, Nikki Grimes, Emily Dickinson), comíamos biscoitos e líamos poesia em voz alta. Agora sempre tento manter alguns livros de poesia por perto.

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Em um de meus poemas favoritos, “Pied Beauty”, Gerard Manley Hopkins escreve sobre uma beleza que está “além da mudança”. Neste mundo onde nossa paisagem política, tecnológica e social muda em uma velocidade acelerada, muitos de nós ainda anseiam silenciosamente por uma beleza além da mudança. A poesia é, então, uma espécie de grito coletivo nos chamando para além daquilo que mesmo nossas melhores palavras podem dizer. /TRADUÇÃO LÍVIA BUELONI GONÇALVES

*Tish Harrison Warren (@Tish_H_Warren) é bispa na Igreja Anglicana na América do Norte e autora de “Prayer in the Night: For Those Who Work or Watch or Weep.” Tem algum feedback? Escreva para HarrisonWarren-newsletter@nytimes.com.

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