PUBLICIDADE

Políticas que ajudaram encerrar recessão global agora estrangulam recuperação

Programas de estímulo do governo não foram pensados em manter o crescimento indefinidamente

Por Ruchir Sharma
Atualização:

A recuperação dos Estados Unidos após a Grande Recessão completou recentemente 10 anos, alcançando o mais longo período de expansão americana desde o início dos registros, nos anos 1850. A recuperação global também vai completar 10 no próximo mês de janeiro, se a situação se mantiver - o que também seria um recorde.

Mas não vimos muitas celebrações, em parte porque tensões comerciais trouxeram nova desaceleração para o ritmo da recuperação. Desde o fim da recessão, a economia cresceu ao ritmo de aproximadamente 2% ao ano nos EUA e de 3% em todo o mundo - ambas as marcas estão quase um ponto abaixo da média para as recuperações do período pós-guerras.

As startups representam uma parcela cada vez menor das empresas em muitas economias industrializadas. Sede da startup de inteligência artificial Yitu, em Xangai. Foto: Gilles Sabrié para The New York Times

PUBLICIDADE

O que explica a mais longa e mais fraca recuperação já vista? Para mim, a responsabilidade é das consequências não intencionais de imensos programas de resgate do governo, que continuaram em funcionamento após o fim da recessão. Antes de 2008, barreiras comerciais mais abertas e a melhoria nas comunicações trazida pela internet promoveram um forte crescimento ao nivelar o campo de disputa, inspirando o colunista Thomas Friedman, do Times, a declarar que “o mundo é plano”.

Mas, quando a crise começou, os governos ergueram barreiras para proteger empresas domésticas. Os bancos centrais começaram a imprimir dinheiro agressivamente para restaurar o crescimento elevado. Em vez disso, o crescimento veio em uma forma nova e lenta, com o dinheiro fácil sustentando empresas ineficientes e concedendo às grandes companhias acesso favorável ao crédito barato, incentivando-as a crescer ainda mais.

Se o mundo era plano e rápido antes de 2008, hoje ele é obeso e lerdo. Os diretores do bancos centrais esperavam que os juros baixos estimulassem o investimento, aumentando a produtividade e gerando crescimento. Mas um estudo recente do Bureau Nacional de Pesquisa Econômica mostra que os juros baixos deram às grandes empresas o incentivo e os meios para crescerem ainda mais. Conforme aumenta o seu poder, a parcela da renda nacional que cabe aos trabalhadores tem encolhido, ampliando a desigualdade - e abastecendo a raiva.

Quatro empresas aéreas e três locadoras de carros respondem por mais de 80% do mercado americano de viagens. Podemos entrar em qualquer shopping dos EUA e comprar joias na Zales, Jared, Kay e várias outras redes, todas pertencentes agora à mesma empresa. Hoje, os insurgentes da tecnologia sonham em ser comprados por Google e Facebook, e não em substituí-los.

Conforme as grandes empresas se tornam mais dominantes, a vida fica mais difícil para os empreendedores. As startups representam uma parcela cada vez menor do total de empresas na Grã-Bretanha, Itália, Espanha, Suécia, EUA e muitas outras economias industrializadas. Os EUA estão criando startups - e fechando empresas tradicionais - no ritmo mais lerdo desde os anos 1970, no mínimo.

Publicidade

O Banco de Compensações Internacionais, o banco global que atende os bancos centrais, diz que os juros baixos estão abastecendo a ascensão de “empresas zumbis", que não têm receita suficiente para cobrir o pagamento dos juros de sua dívida, e sobrevivem graças a seguidos refinanciamentos de seus empréstimos.

As empresas zumbis representam agora 12% das empresas de capital aberto negociadas nas bolsas de valores das economias avançadas, e 16% nos EUA, uma alta em relação aos 2% observados nos anos 1980. As empresas sobrevivem por mais tempo nesse estado “zumbi”, drenando a produtividade de empresas saudáveis ao disputar capital, materiais e mão de obra com elas.

São essas, então, as marcas do mundo obeso e lerdo: empresas maiores, declínio na concorrência e um menor número de startups, fatores que, juntos enfraquecem e retardam economias já afetadas pela queda no crescimento da população em idade de integrar a força de trabalho.

O lado positivo do estímulo ilimitado, se é que há algum, é o fato de as recessões terem se tornado cada vez mais raras. Apenas 7% dos quase 200 países acompanhados pelo Fundo Monetário Internacional apresentaram crescimento negativo no ano passado; é quase a metade da média observada desde o início dos registros. O FMI projeta que essa parcela cairá para 3% em 2020, quase um recorde.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Uma economia global comandada por empresas grandes e endividadas parece lerda, mas, para muitos comentaristas, é também muito estável. Mesmo com as guerras comerciais prejudicando o crescimento econômico, a maioria dos investidores supõe que os bancos centrais chegarão para o resgate antes que a situação se deteriore em uma recessão.

Mas o problema é que os programas de estímulo do governo foram pensados como forma de dar vida nova a economias em recessão, e não para manter o crescimento vivo indefinidamente. Um mundo livre das recessões pode parecer fruto do progresso, mas as recessões podem ser como incêndios florestais, limpando a economia da mata seca para que novas sementes possam brotar. 

Recentemente, o ciclo de regeneração foi suspenso, com os governos encharcando qualquer fagulha de recessão futura com baldes de dinheiro fácil e novas rodadas de gastos. Agora, experimentos com estímulo permanente estão sufocando o processo de destruição criativa no coração de qualquer sistema capitalista, dando origem a zumbis imensas mais rapidamente do que a startups.

Publicidade

Supor que os bancos centrais serão capazes de controlar a próxima recessão indefinidamente representa uma perigosa complacência. O nível do endividamento corporativo segue aumentando; os déficits e dívidas do governo continuam cada vez maiores. Se houver uma quebra súbita na confiança, o estrago será muito maior e os governos podem se ver demasiadamente quebrados para conter a avalanche. Até então, estamos em um mundo obeso e lerdo.

Ruchir Sharma, autor de “The Rise and Fall of Nations: Forces of Change in the Post-Crisis World", é estrategista-chefe global do Morgan Stanley Investment Management. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.