Por que asiáticos não conseguem dizer 'eu te amo'?

Para eles, é mais importante demonstrar o afeto com sacrifício e gratidão

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Por Viet Thanh Nguyen
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"Eu te amo" é uma frase de difícil expressão para asiático-americano. O título surpreendente do livro de memórias do escritor Lac Su é I Love Yous Are for White People: A Memoir ('Eu te amo' é para os brancos: uma biografia, em tradução livre), explora a devastação emocional que minou uma família vietnamita em suas experiências como refugiada. Tenho em parte a mesma formação de Lac Su, e de fato tem sido um esforço ao longo de toda a minha vida aprender a dizer, sem acanhamento, "eu te amo". Posso fazê-lo para o meu filho, e é algo que afirmo de todo o coração, mas é um esforço que vem da minha consciência, e que ainda sinto quando digo isso ao meu pai ou irmão.

Por isso, quando a atriz Sandra Oh ganhou o Globo de Ouro de melhor atriz pelo seriado Killing Eve, a parte mais emocionante de seu discurso de aceitação, para muitos de nós asiático-americanos, foi talvez o agradecimento que ela fez aos pais. Dirigindo-se a eles, na plateia, ela disse, em coreano: "Amo vocês". Sandra estava emocionada, os pais, orgulhosos, e eu não pude deixar de projetar neles um dos dramas fundamentais da vida de imigrante e refugiado asiático: o sacrifício silencioso dos pais, a difícil gratidão dos filhos, que giram em torno da complexa expressão do amor.

Sandra Oh, na cerimônia da premiação do Globo de Ouro no dia 6 de janeiro, expressou seu amor pelos pais, um momento muito marcante para os asiático-americanos. Foto: Reuters

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Tantos dos nossos pais asiáticos lutaram, sofreram e suportaram coisas que estão além da imaginação dos filhos nascidos ou criados no conforto da América do Norte. Para os pais, esse sacrifício estava em dizer "eu te amo" sem precisar dizê-lo. E tantos de nós, filhos, tampouco precisamos dizê-lo, e, no entanto, espera-se que expressemos o amor por meio da gratidão, o que significa obedecer aos pais e atender aos seus desejos.

Muitos de nossos pais nos recomendaram que escolhêssemos uma boa formação, um bom emprego e que não comentássemos as coisas que eles tiveram de fazer para sobreviver. Eles encorajaram, ou forçaram, muitos de nós a nos tornarmos médicos, advogados e engenheiros, e a nos sentirmos envergonhados se não fizéssemos isso. 

O que esses pais não fizeram foi nos dizer que poderíamos nos tornar artistas, atores ou contadores de histórias, pessoas dedicadas a profissões aparentemente triviais, inseguras e instáveis. É por isso que tem sido tão raro para mim, quando dou palestras em diferentes lugares dos Estados Unidos, encontrar pais asiáticos que abracem seus filhos que não vão se tornarão "uma minoria modelo".

Conheci poucos que me disseram com orgulho que seus filhos vão se tornar professores de inglês, ou se tornaram escritores ou artistas. Talvez os pais de Oh sejam esse tipo de pessoas. Às vezes desejo que meus pais fossem assim. Mas eu me tornei escritor apesar e, talvez, por causa da resistência à ideia, porque meus desejos não exteriorizados conflitavam com seu sacrifício não articulado. Tudo isso ocorre contra o pano de fundo de uma existência de exilados.

Eu cresci na cidade relativamente diferente de San José, Califórnia, nos anos 1980. Meus vizinhos eram gente mais velha da classe trabalhadora branca, imigrantes mexicanos e refugiados vietnamitas. Frequentei o ensino médio cercado majoritariamente por brancos, com apenas um punhado de estudantes de ascendência asiática. Nós sabíamos que éramos diferentes, mas achávamos um pouco difícil traduzir em palavras a nossa diferença. Nós nos definíamos "a invasão asiática".

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Ríamos do termo, mas, olhando para trás, estava claro que havíamos interiorizado o racismo da sociedade americana. No meu caso, tive a sorte de nunca ter recebido na cara um insulto racista. Mas todos sabíamos que, de algum modo, éramos vistos pelos outros americanos como invasores de seu país, mesmo que este fosse também o nosso país. A ironia está no fato de que nós não invadimos os Estados Unidos. Os Estados Unidos é que nos invadiram. Nós estávamos aqui porque os EUA haviam estado lá.

O que só percebi tardiamente foi que precisava - todos precisamos - de mais histórias que falassem da nossa experiência. Mais vozes pertencentes a pessoas como nós. Mais defensores contando as nossas historias à nossa maneira com os nossos rostos, as nossas inflexões, as nossas preocupações, as nossas intuições. Nós precisávamos estar no centro da história, o que incluiria todas as complexidades da subjetividade humana, não apenas as boas, mas também as más, a plenitude tridimensional que as pessoas brancas consideravam sua exclusividade com o privilégio de serem indivíduos.

Quando a imprensa começou a nos representar - no cinema e na televisão, com as piadas dos DJs nos programas matinais de rádio, os jornalistas sabichões -, só éramos os maus. Éramos coletivamente os vilões, os empregados, os inimigos, as prostitutas, os moleques de recados, os invasores.

Consequentemente, muitos de nós que observávamos essas imagens distorcidas e ouvíamos as piadas imbecis aprendemos a nos envergonhar de nós mesmos. Aprendemos a ter vergonha dos nossos pais. E a vergonha se somava à incapacidade de dizer "eu te amo", uma frase que pertencia ao mundo maravilhoso dos brancos que víamos no cinema e na televisão.

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Precisávamos aprender mais, mas a verdade é que os pais asiáticos também precisam saber mais. Não podemos ter orgulho dos nossos artistas e dos nossos filhos contadores de histórias somente quando eles ganham Globos de Ouro. Honramos seu sacrifício por nós, mas também é preciso encorajar os filhos a se manifestarem, a reivindicarem a própria voz, a correr o risco da mediocridade e do fracasso, a contarem suas histórias e as nossas histórias. Pelo menos não os impeçam.

Um colega do ensino médio que nos anos 1980 vivia na elite de Saratoga, cidade de maioria branca na Califórnia, contou que quando os asiáticos começaram a chegar - os "bons" profissionais asiáticos -, os brancos trataram de se mudar. Não importa quão grande terá de ser o sucesso dos asiáticos-americanos, ele não mudará esta dinâmica dos brancos que temem que nós sejamos os invasores asiáticos - temem que tiremos seus empregos, roubemos seus lugares no colégio da elite - a não ser que contestemos o racismo implícito e explícito.

Ainda somos a invasão asiática para muitos, e se não somos tão assustadores como éramos no passado, é pelo menos em parte porque hoje muitos americanos brancos têm mais medo da invasão muçulmana, mexicana e centro-americana. Muitos que talvez não desejassem ser nossos vizinhos, ao menos nos prefeririam aos afro-americanos.

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Não podemos aceitar isso como o pedágio que temos de pagar para ingressar na sociedade americana. Se devemos nos afirmar e falar contra o racismo dirigido contra nós, precisamos também fazer isso quando ele nos beneficia. E nós o fazemos desafiando e mudando a história americana, subindo ao palco e contando as nossas próprias histórias, e esta é, na realidade, nossa maneira de dizer, "eu amo vocês" aos nossos pais, às nossas famílias, às nossas comunidades e ao nosso país.

Viet Thanh Nguyen é autor do livro The Refugees, publicado recentemente, e editor de The Displaced: Refugee Writers on Refugee Lives. Ele é professor de inglês na Universidade do Sul da Califórnia.

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