Por que boa parte do DNA nunca foi mapeada?

Risco à carreira seria um dos motivos para que cientistas prefiram se concentrar no que já é conhecido

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Por Carl Zimmer
Atualização:

Temos um gene chamado PNMA6F. Todas as pessoas o possuem, mas ninguém conhece o propósito desse gene nem a proteína que ele produz. E, ao que parece, o PNMA6F é um dentre os muitos genes nessa situação.

Num estudo recente, pesquisadores da Universidade Northwestern, perto de Chicago, informaram que dos nossos 20 mil responsáveis pela codificação de proteínas, cerca de 5,4 mil nunca foram objeto de nenhum estudo científico documentado mais específico.

Pesquisadores se concentram em genes que são estudados há décadas. Sequenciamento de DNA Foto: Eurelios/Science Source

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A maioria dos demais genes se encontra em situação pouco melhor, sendo objetos de pesquisas menores, na melhor das hipóteses. Cerca de 2 mil deles receberam a maior parte da atenção, sendo o foco de 90% dos estudos científicos publicados nos anos mais recentes.

Uma série de fatores é responsável por esse desequilíbrio, e eles dizem muito a respeito da abordagem dos cientistas para a ciência.

Os pesquisadores tendem a se concentrar nos genes que já são estudados há décadas. Enfrentar um enigma como o PNMA6F pode colocar em risco a carreira de um cientista.

“Se a área continuar explorando o desconhecido num ritmo tão lento, nunca entenderemos os demais genes", disse Luís A. Nunes Amaral, coautor do estudo.

Um gene pode receber destaque quando os cientistas identificam a proteína pela qual ele é responsável. Em outros momentos, a primeira dica surge quando os cientistas identificam que um trecho do DNA apresenta certas sequências específicas que são compartilhadas por todos os genes.

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Os pesquisadores repararam que havia algo errado no estudo dos genes humanos já em 2003. Apenas um pequeno grupo deles atraía a maior parte da atenção científica.

Os cientistas têm agora um mapa detalhado do genoma humano, e a tecnologia de sequenciamento de DNA se tornou poderosa.

Recentemente, o Dr. Amaral e outros verificaram se os pesquisadores tinham ampliado seu foco, analisando milhões de estudos científicos publicados até 2015. A produção de conhecimento seguia desequilibrada.

O Dr. Amaral e seus colegas testaram as possíveis explicações. Existe a possibilidade, por exemplo, de os cientistas se concentrarem racionalmente nos genes considerados mais importantes. Talvez eles estudassem apenas os genes envolvidos em doenças como o câncer, entre outras.

Mas as evidências indicaram que este não era o caso. “Muitos genes são relevantes para o câncer, mas apenas um pequeno conjunto deles é estudado", disse o Dr. Amaral.

Além disso, é mais fácil reunir proteínas sintetizadas do que aquelas que permanecem presas dentro das células. O Dr. Amaral e seus colegas descobriram que, se um gene cria uma proteína sintetizada, a probabilidade de esse gene ser estudado de maneira mais aprofundada é muito maior.

Dos nossos 20 mil genes codificadores de proteínas, cerca de 5,4 mil nunca foram objeto de estudo científico documentado. Amostras de DNA Foto: Mike Segar/Reuters

Além disso, é mais fácil estudar um gene observando uma versão semelhante num camundongo ou algum outro animal de laboratório. Os genes que são estudados em modelos de animais também tendem a ser muito estudados nos humanos.

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Um histórico longo também ajuda. Os genes estudados mais intensamente hoje tendem a ser aqueles que foram descobertos há muito tempo. Cerca de 16% de todos os genes humanos tinham sido identificados já em 1991. Esses genes foram objeto de quase metade de todas as pesquisas genéticas publicadas em 2015.

“Com o Projeto do Genoma Humano, pensamos que tudo mudaria", disse o Dr. Amaral. “E nossa análise indica que praticamente nada mudou.”

Nesse ritmo, seria necessário um século ou mais para que os cientistas publiquem pelo menos um estudo para cada um dos nossos genes.

Esse ritmo lento de descoberta pode limitar os avanços da medicina, disse o Dr. Amaral. “Continuamos acompanhando os mesmos genes como alvo dos medicamentos. Estamos ignorando a maior parte do genoma.”

O Dr. Amaral propôs que parte dos recursos de pesquisa fosse dedicada à investigação do desconhecido, evitando tantas apostas seguras. “Alguns dos projetos financiados darão resultados ruins", disse ele. “Mas, quando os resultados forem bons, muitas oportunidades serão abertas.”

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