Quando as autoridades vieram atrás dos imigrantes, a cidade se solidarizou

Após prisão de latinos ilegais, moradores de Morristown se juntam para ajudar imigrantes

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Por Miriam Jordan
Atualização:

MORRISTOWN, Tennessee - Em abril, agentes federais da imigração invadiram uma fábrica de processamento de carnes, nesta cidade industrial no nordeste de Tennessee, em uma das maiores operações já realizadas em um local de trabalho desde que o presidente Donald J. Trump assumiu a presidência. Conforme prometera em sua campanha, ele começava a reprimir a imigração ilegal.

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Dezenas de trabalhadores em pânico fugiram em todas as direções; alguns se enfiaram entre as carcaças de boi ou agacharam em baixo das mesas dos açougueiros. Soube-se depois que foram presos cerca de 100 trabalhadores, e pelo menos um cidadão americano - todos os operários latinos da fábrica, com exceção de um, que havia se escondido em um freezer.

A batida ocorreu em um estado que se encontra na turbulenta linha de frente do debate sobre a imigração. Trump recebeu 61% dos votos no Tennessee, e continua desfrutando de ampla popularidade. A população de imigrantes cresceu rapidamente - calcula-se que o seu total seja superior a 320 mil pessoas -, e hoje é o alvo favorito da Legislatura do Estado controlada pelos republicanos. Em 2017, os parlamentares de Tennessee aprovaram a primeira lei da nação exigindo sentenças mais duras para os acusados de estarem no país ilegalmente.

Mas Morristown, uma cidadezinha de 30 mil habitantes, recebe trabalhadores imigrantes da América Latina desde o inicio dos anos 90, quando começaram a chegar para trabalhar nas numerosas fazendas de tomates da região. A vigilância foi intensificada, e atravessar a fronteira para entrar ou sair ficou mais difícil, por isso muitos deles se estabeleceram na comunidade, matricularam os filhos na escola, e passaram a frequentar as igrejas onde batizaram suas crianças que ali nasceram, e que portanto são cidadãs americanas.

Por esta razão, o dia em que os agentes da Alfândega e da Imigração invadiram a fábrica da Shoutheastern Provision e mandaram dezenas de trabalhadores para centros de detenção fora do Estado, as pessoas de Morristown começaram a fazer perguntas que muitos ainda não haviam feito - ao governo federal, à polícia, entre si.

As doações de alimentos, roupas e brinquedos para as famílias dos trabalhadores começaram a chegar em quantidades tais que houve um engarrafamento de trânsito para entrar no estacionamento de uma igreja. Os professores das escolas choraram ao tentar confortar os alunos cujos pais foramrepentinamente levados. Em uma vigília de oração em um salão de uma escola compareceram cerca de mil pessoas.

Grande parte da cidade está atordoada. Cerca de 160 crianças nascidas nos EUA têm um pai que poderá ser expulso do país; muitas famílias agora dependem de donativos.

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Depois da incursão da polícia contra os imigrantes nesta fábrica de processamento de carne no Tennessee, a cidade se mobilizou para ajudar as famílias atingidas. Charles Mostoller/The New York Times Foto: Charles Mostoller/The New York Times

Depois da batida na fábrica, organizações de assistência aos imigrantes organizaram uma passeata. Nataly Luna, 12, carregava um cartaz com a foto do pai, Reniel, preso na operação. Nascido no México, ele trabalhava nos Estados Unidos como ilegal havia 20 anos, e foi levado pela polícia na fábrica. “Precisamosde você ao nosso lado. Você é o melhor dos pais”, dizia o cartaz.

Os latinos que chegaram aqui no Condado de Hambley faziam parte de uma onda cada vez mais volumosa de migrantes que passavam pela porta tradicional de estados como a Califórnia e o Texas em busca de oportunidades no Sul em grande expansão. As notícias que chegavam nas suas aldeias diziam que o emprego era abundante.

Agora, os latinos constituem cerca de 11% da população do condado e são um para cada quatro estudantes em suas escolas. Os imigrantes labutam nas fábricas de processamento de carne, aves e conservas.

Mas nem todos na cidade foram receptivos. Dizia-se frequentemente que os trabalhadores eram bandidos e por isso foram presos. No estacionamento de uma loja, várias pessoas comentaram a incursão. Uma mulher disse que isto poderia abrir oportunidades de emprego. Mas nem todos concordaram.

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A batida ocorreu às 9h da manhã, duas horas depois que 100 trabalhadores haviam chegado para o seu turno, e começaram a ouvir os gritos: “Inmigración! Inmigración!”. A polícia cercou e prendeu os trabalhadores. Alguns disseram que os policiais os ameaçaram com suas armas. “Eu me enfiei entre as vacas”, disse Raymunda, mas não adiantou.

Em poucos minutos, todos foram levados. Puseram neles algemas de plástico, foram conduzidos até vans brancas com vidros fumê e levados embora. Um helicóptero ficou sobrevoando durante a ação.

A igreja da paróquia de São Patrício foi transformada em um centro de gestão de crise. O dia todo, pessoas chegaram com alimentos, roupas, brinquedos e outros produtos para as famílias atingidas.

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Apresentaram-se dezenas de voluntários. Todos receberam cartões coloridos: amarelos para os professores, brancos para os advogados, e vermelhos para os trabalhadores da ajuda em geral. Prepararam as refeições na cozinha, pacotes de alimentos e realizaram outras tarefas.

Alguns não apoiaram a iniciativa. Uma pessoa escreveu em um quadro de avisos da comunidade: “Esta prisão é legal, as pessoas são ilegais. Para que tanta simpatia?”

Uma tarde, cerca de 300 pessoas fizeram uma passeata no centro, a fim de chamar a atenção para a situação terrível das famílias. Alguns, como Colin Loring e a sua companheira Margaret Durgin, viajaram uma hora de carro para participar.

“Estamos aqui para apoiar os nossos vizinhos imigrantes. O sistema precisa ser mudado”, disse Loring, um funcionário do governo aposentado. Margaret tinha um cheque de 540 dólares para ajudar os imigrantes.

Antes do início da caminhada, uma freira fez uma oração com os participantes. “Estamos aqui para enviar uma mensagem de amor e de união”. Ao longo da passeata, o motorista de um caminhão gritou um palavrão para as pessoas.

Angelina Smith, 42, levou a filha de 8 anos para a vigília de oração, porque achou que seria uma lição importante. “Esta comunidade é uma imagem da desarmonia existente nos Estados Unidos na questão da imigração”, afirmou.

Depois da incursão da polícia contra os imigrantes nesta fábrica de processamento de carne no Tennessee, a cidade se mobilizou para ajudar as famílias atingidas.

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