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Quem são os beneficiados com o paraíso do Havaí?

Parte dos moradores critica iniciativas que beneficiam outros e promessa de empregos que não oferecem salários baixos

Por Tariro Mzezewa
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Os moradores de Oahu sabem que a melhor opção para ir das praias lotadas de Waikiki até a deliciosa North Shore é seguir pela rodovia que margeia o litoral leste. A estrada corre entre as montanhas, o oceano e uma vegetação tão luxuriante e maravilhosa, que é difícil concentrar-se por muito tempo apenas em um ponto. Percorrendo recentemente a rodovia, algo mais chamou a atenção: as bandeiras havaianas estavam de cabeça para baixo.

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A bandeira, com o símbolo do protetorado britânico (Union Jack) no canto inferior esquerdo, em vez de estar no canto superior esquerdo, como deve ser, pendurada nas frentes das lojas em Waikiki e impressa nas camisetas em Waimanalo; estava colada nos parachoques dos automóveis que passavam em Kailua e tremulava nas traseiras dos caminhões em Kahuku e outras cidades da North Shore.

A bandeira se tornara um símbolo de solidariedade entre os havaianos que se opõem à construção de um novo enorme telescópio no Mauna Kea, na ilha do Havaí. O Mauna Kea, com cerca de 9.750 metros do leito marinho até o cume, e 4,2 mil metros acima do nível do mar, é um dos melhores lugares do hemisfério norte, senão do mundo, para observar o universo, afirmam os especialistas. Os defensores do telescópio dizem que trará centenas de empregos para a ilha e permitirá um grande avanço para a humanidade com o estudo do espaço.

Entretanto, o projeto enfrenta uma feroz resistência por parte de alguns nativos havaianos para os quais o Mauna Kea é um lugar sagrado e onde se encontram as suas raízes. Os adversários do telescópio afirmam que estão cansados de ver sua terra tomada por propósitos que beneficiam outros e pela promessa de empregos que não oferecem um salário suficiente para viver.

“A luta pelos direitos do Mauna Kea é atualmente um dos maiores problemas que realinhou várias relações políticas e culturais no Havaí”, disse Kyle Kajihiro, ativista e professor da Universidade do Havaí em Manoa. “Trata-se realmente de uma extraordinária manifestação do ativismo havaiano em termos de consciência cultural”.

A batalha a respeito do telescópio revelou rachaduras que existiam há muito tempo no Havaí, um lugar que é praticamente sinônimo de turismo – o destino favorito dos noivos em lua de mel nos Estados Unidos. A briga inspirou algumas iniciativas nas ilhas, relacionadas ao uso da terra e a quem se beneficia dela.

O espírito de protesto é mais visível em Oahu, em Kahuku, onde os manifestantes passaram os últimos meses protestando contra a construção de oito turbinas eólicas à distância de 173 metros uma da outra. Eles afirmam que as turbinas terão efeitos perniciosos para a saúde da população a longo prazo. A companhia que as constrói afirma que não há provas concretas que sustentem estas alegações, e promete trazer empregos para a região.

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Os visitantes podem alojar na Kahumana Farm, na parte ocidental de Oahu, aprender mais sobre a terra e terem um maior contato com os havaianos locais. Um tour para um campo de taioba na fazenda em Waianae. Foto: Marco Garcia for The New York Times

Mais de 160 pessoas foram presas no local. Em Oahu, no sudeste, em setembro foram presas 28 pessoas que tentavam impedir a construção de um parque e centro recreativo em Waimanalo, uma cidade em grande parte rural. Os construtores do centro afirmam que trará empregos e criará um novo espaço comunitário, mas os seus adversários temem que seja apenas um atrativo para turistas e que destruirá a floresta e a praia.

Em Honolulu, em maio, funcionários do Hilton protestaram, exigindo um contrato trabalhista melhor e proteções para o emprego. Em julho, os empregados do hotel fizeram greve em protesto contra os baixos salários e a demissão de 45 funcionários pela Diamond Resort, uma operadora de imóveis nos Estados Unidos e na Europa. A companhia disse que transformaria um dos seus hotéis em um resort de timeshare, que exige um número menor de funcionários do que um hotel tradicional.

Muitas pessoas no Havaí, principalmente no ramo do turismo, trabalham em mais de um emprego para conseguir sobreviver, disse Bryant de Venecia, organizador de comunicações da Unite Here Local 5, representante dos trabalhadores em resorts. “O Mauna Kea provocou um verdadeiro incêndio para os havaianos que estão cansados de ver a sua terra, seus recursos e trabalho serem usados às custas do seu bem-Estar”, disse.

Maile Meyer, proprietário da Na Mea Hawai’i, uma livraria de Honolulu que vende produtos locais, disse: “As pessoas estão cansadas de ser apenas decorativas – tanto os havaianos quanto os que moram no Havaí. Vocês estão vendo um fenômeno, nativos que voltam a se unir e a encontrar seu próprio caminho em busca da solução”.

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Empregos não são suficientes

Talvez pela primeira vez na história havaiana recente, os cidadãos estão afirmando que os empregos não são suficientes. “Precisamos deixar de lado a quantidade pela qualidade”, disse Laurien Baird Hokuli’i Helfrich-Nuss, fundadora da Conscious Concepts, uma companhia que trabalha pelo desenvolvimento de iniciativas de turismo sustentável.

O turismo é a maior força da economia do Havaí, representando 21% dos empregos. Mais de 10 milhões de pessoas visitaram o estado em 2019, uma alta recorde. Os moradores afirmam que os resorts muitas vezes não pertencem a havaianos e tampouco são dirigidos por eles, e que estes são empregados em funções de serviço que pagam menos, e, além disso, que o progresso frequentemente beneficia gente de fora às custas dos moradores.

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“Historicamente, não tem havido consideração pela maneira como o turismo e os turistas podem contribuir para tornar a vida sustentável e realmente vivível para as pessoas que os servem aqui”, disse Venecia. O ativista Kajihiro e sua colega Terrilee Keko’olani estudaram os efeitos ambientais e sociais da colonização, militarização e superdesenvolvimento do Havaí.

Muitos nativos se opõem ao plano de construir um telescópio em Mauna Kea, a montanha mais alta do Havaí. Foto: Caleb Jones/Associated Press

O turismo foi um dos setores com alguns dos efeitos mais danosos, ele disse, que incluem a superlotação e a elevação do custo de vida. Os dois pesquisadores começam oferecendo tours alternativos da ilha, que eles chamam de DeTours, em 2004. Os tours são para as pessoas que querem aprender sobre o Havaí da perspectiva dos seus habitantes. E incluem uma história a vida militar que permanece escondida em toda a ilha.

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“As pessoas já vêm para cá com tantas imagens e ideias a respeito da realidade no Havaí que é muito difícil para elas enxergar alguma coisa diferente; é por isso que nós começamos a chamar o nosso trabalho de “DeTours” (“desvios” em inglês), disse Kajihiro. “Sair do caminho costumeiro para que a maioria das pessoas veja e compreenda e possa consumir e ainda contribuir para levantar algumas perspectivas mais críticas e introduzir muitos fatos históricos que não são tão agradáveis”.

Um novo tipo de turismo

A equipe da DeTours faz parte de um movimento que busca mudar o significado do turismo no Havaí. Para dar aos turistas uma experiência mais autêntica do “verdadeiro Havaí”, os artistas Roxy e Matt Ortiz os convidam a visitar o seu estúdio no bairro de Kaka’ako em Honolulu. O casal é conhecido por seus murais de fantásticas casas de árvores. Os convidados podem ver o casal trabalhando, mas também aprender a respeito do ahupua’a, o antigo sistema de divisão da terra, em que a ilha era separada em fatias, e cada fatia ia do cume da montanha local até a praia.

“Quando as pessoas conhecem alguma coisa da história e do contexto, têm condições de apreciar melhor a arte e podem levar da ilha uma experiência mais repleta de significado”, disse Ortiz. Outra maneira para os turistas entenderem a respeito da terra é visitando uma fazenda local como a Kahumana Farm, no lado ocidental de Oahu. Em novembro, a terapeuta e professora Chloe Anderson se hospedou na fazenda por quatro dias. Ela compartilhou um quarto, fez ioga, e aprendeu como os alimentos são produzidos e preparados na fazenda.

“Todos os dias tínhamos três ou quatro atividades diferentes”, ela contou. “Mas inúmeras coisas se baseavam na fazenda e se destinavam à fazenda. Tivemos também a experiência de turistas comuns no Havaí, fizemos caminhadas e excursões na praia, mas pudemos experimentar algo mais do que isto”.

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Alguns proprietários de empresas tentam respeitar o meio ambiente da melhor maneira possível. “Não acredito que seja razoável esperar que as pessoas não queiram trabalhar no principal setor econômico do país, e não acho que os havaianos queiram acabar totalmente com o turismo, mas todos estamos trabalhando para descobrir maneiras de fazê-lo de um modo responsável e criterioso”, afirmou Shane Hiroshi Gibler, coproprietário do Royal Hawaian Catamaran, de Honolulu, que oferece tours para fazer snorkel e cruzeiros ao pôr do sol.

Gibler educa os hóspedes a respeito da pesca, da alimentação e sobre a importância do oceano e da terra para os havaianos. A equipe do Royal Catamaran limpa a praia e procura acabar com a pesca fantasma – redes de pesca perdidas ou abandonadas por barcos pesqueiros. A ideia, segundo Kajihiro, tem o propósito de encorajar os turistas a pensar  como podem contribuir.

“A questão é tornar as pessoas mais responsáveisquando vêm para cá e refletir sobre a ideia de que o Havaí é de certo modo um lugar para elas”, disse Kajihiro. “Se você está pensando em vir para cá, pergunte a si mesmo: Quem é você em relação a este lugar? Está trazendo alguma coisa que será valiosa para o anfitrião, para as pessoas que vivem aqui? Qual será o seu impacto e o seu legado aqui?’ ” / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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