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Na Grã-Bretanha, a recuperação econômica está nos subúrbios

Áreas fora dos grandes centros estão se beneficiando do desejo das pessoas de fazerem compras em lugares menos povoados

Por Eshe Nelson
Atualização:

READING, INGLATERRA - A economia britânica está enfrentando sua pior recessão desde “A Grande Geada” de 1709, um inverno terrivelmente frio. Grandes varejistas estão fechando lojas. Regras de quarentena inconsistentes estão aumentando a ansiedade a respeito de uma segunda onda da pandemia de coronavírus. Mesmo assim, Summertown, um subúrbio ao norte de Oxford, tem um motivo para comemorar: sua principal rua comercial está prestes a receber uma nova livraria.

A importante rede Daunt Books está abrindo sua nona filial em Summertown. A última livraria do subúrbio fechou em 2018, depois de quase quatro décadas. “As pessoas estão tão felizes que uma loja está abrindo e não fechando”, disse Brett Wolstencroft, o gerente da livraria. A cerca de 100 quilômetros dali, no centro de Londres, o cenário está sombrio.

Os clientes são escassos na normalmente movimentada loja principal da Daunt Books na Marylebone High Street, perto do centro de Londres, 19 de julho de 2020. Foto: Suzie Howell / The New York Times

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A principal loja da Daunt, na Marylebone High Street, num edifício eduardiano com vitrais e piso de parquet, geralmente é um destino popular, que atrai tanto turistas quanto moradores locais. Hoje em dia, está “muito, muito silenciosa” durante longos períodos da semana, disse Wolstencroft. Mais para o centro de Londres, a loja da Daunt em Cheapside, não muito longe da Catedral de São Paulo, está ainda pior. “Agora não tem quase ninguém lá”, disse Wolstencroft. “Tudo se resume a um punhado de gente”.

Sem turistas e funcionários de escritórios, os centros das cidades da Grã-Bretanha estão sofrendo grandes perdas econômicas com as medidas implementadas para conter a disseminação do coronavírus. Apesar de as lojas e restaurantes terem recebido autorização para reabrir pela primeira vez desde que foram fechados em março, o tráfego de pedestres no centro de Londres caiu 72% em meados de julho, em comparação com o ano passado, de acordo com dados da Springboard sobre a atividade do varejo.

Se a pandemia alterar permanentemente a maneira como muitas pessoas trabalham, fazem compras e viajam, essa crise se firmará e as cidades já não serão os motores essenciais do crescimento das economias nacionais. É um problema sério para Robin Baxter, de 27 anos, coproprietário da Hideaway Coffee no centro de Londres. A pequena cafeteria, situada numa praça do Soho, dependia das pessoas que trabalhavam nos escritórios da região antes da pandemia.

“Costumávamos fazer 30 quilos de café por semana e agora estamos fazendo pouco menos de 1 quilo por dia”, disse Baxter. O estabelecimento costumava funcionar das 8h as 17h30. Agora abre às 9h e fecha quando passa mais de uma hora sem receber nenhum cliente – geralmente por volta das 15h ou 16h, disse.

As áreas fora do centro, no entanto, parecem estar se beneficiando das pessoas que preferem conhecer e fazer compras em locais menos povoados perto de casa. Wolstencroft disse que a localização suburbana da nova loja em Summertown era uma vantagem. O tráfego de pedestres em outras lojas da Daunt em áreas mais residenciais no norte de Londres deu a ele um motivo para manter o otimismo. “Parece bem normal”, disse ele.

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A recuperação de Londres está atrasada em relação ao resto do país, de acordo com uma análise da Fable Data, que usa registros de transações de bancos e empresas de cartão de crédito para rastrear padrões de gastos. No último mês, o gasto em áreas “majoritariamente urbanas”, sobretudo no centro de Londres, foi mais fraco do que o gasto em áreas urbanas menos povoadas, como subúrbios e outras cidades longe da capital (“urbana mista”).

Mas, no geral, os números continuam baixos: o gasto total foi 23% menor do que no ano passado, mostrou a análise da Fable. A recuperação está avançando lentamente, e o primeiro pico já diminuiu. Essa recuperação instável pode ser vista em Westbury-on-Trym, subúrbio de Bristol, no sudoeste da Inglaterra, onde Tiriel Lovejoy acaba de expandir sua pequena rede de mercados varejistas especializados, chamada Preserve Foods.

“O contrato de aluguel estava pronto para ser assinado praticamente no dia em que o país entrou em lockdown”, disse Lovejoy. Outros varejistas que ele conhecia pensaram em adiar os planos de expansão, mas Lovejoy decidiu arriscar. “Eu pensei: bom, essa covid é temporária, e o que fazemos é permanente, essa é a nossa esperança”.

Parte de um grupo emergente de redes de mercados com desperdício zero, a Preserve Foods vende alimentos por peso, incentiva os clientes a comprar apenas o mínimo de que precisam e evita embalagens. As outras duas lojas também estão nos arredores da cidade de Bristol e, como outras mercearias e supermercados, ficaram longe do pior choque econômico da pandemia.

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Na verdade, nas semanas anteriores ao lockdown em março, as lojas originais tiveram vendas duas vezes e meia maiores do que o normal, disse Lovejoy. E, durante os meses em que as pessoas foram instruídas a não sair de casa exceto para o essencial, as vendas ficaram semelhantes às de uma semana normal, acrescentou. A maior mudança foi nos itens vendidos: muita farinha, poucos produtos de higiene e beleza.

Mas não está claro se esse zumbido de atividade continuará. As vendas surpreendentemente fortes durante o lockdown começaram a se dissipar, e o fim de semana de reabertura em Westbury-on-Trym foi mais tranquilo do que Lovejoy esperava. Além disso, somam-se pequenos custos adicionais: mais taxas de transação de cartão de crédito e sacolas de compras descartáveis. “Está difícil”, disse ele.

Embora os centros das cidades da Grã-Bretanha estejam relativamente vazios, os subúrbios não estão exatamente em alta. Mesmo Wolstencroft, da Daunt Books, não tem certeza de como a loja de Summertown vai se sair. “Provavelmente é uma questão de saber se as pessoas vão ficar perambulando pela livraria, vendo os livros”, disse ele. “Vamos ver como será esse experimento”.

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Programas dispendiosos de proteção aos salários, financiados pelo governo e elogiados por manter as famílias à tona, estão sendo eliminados em favor de incentivos para que as pessoas gastem no setor de serviços. Há esperanças de que, ao reabrir a economia, grande parte da recuperação aconteça por si mesma. Mas isso está colocando muitas empresas à prova. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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