WATAMU, QUÊNIA - A jovem tartaruga-de-pente foi pega acidentalmente por uma rede de pesca na costa do Quênia, no Oceano Índico. Pescadores acionaram a ONG Local Ocean Conservation, com sede na cidade de Watamu, o único centro de resgate e reabilitação de tartarugas na costa leste da África.
A tartaruga-de-pente, espécie criticamente ameaçada nesta região, pesava meros 3 quilos; indivíduos adultos chegam a 75 quilos. Radiografias mostraram que o trato intestinal do réptil estava obstruído por plástico. Hogaar, como a ONG a batizou, flutuava sem conseguir mergulhar.
Gases haviam se acumulado em suas entranhas depois que ela comeu pequenos pedaços de plástico confundidos com águas-vivas. Membros da equipe da Local Ocean colocaram Hogaar em uma piscina de reabilitação e lhe deram laxantes. Ela expeliu fezes com tiras de embalagens e tinha pouco apetite.
Após mais de quatro horas, Hogaar morreu. Uma necropsia revelou que seu intestino estava repleto também de lascas afiadas de plástico branco, azul e rosa, além de emaranhados de linhas azuis e cinza.
As tartarugas são répteis que existem há pelo menos 110 milhões de anos e sobreviveram à extinção em massa que matou os dinossauros. Atualmente, porém, tartarugas marinhas de todo o mundo estão ameaçadas de extinção. E estima-se que somente um a cada mil ovos de tartaruga chegue à idade adulta.
As tartarugas-de-pente estão criticamente ameaçadas de extinção em todo o mundo, enquanto as tartarugas-verdes e as tartarugas-comuns estão ameaçadas, de acordo com a União Internacional para a Conservação da Natureza. O status das tartarugas-oliva e as tartarugas-de-couro é de vulnerabilidade.
Todas as cinco espécies são observadas nas águas quenianas. Estima-se que a população global de tartarugas-verdes tenha declinado de 50% a 70% desde 1900.
Os conservacionistas tentam proteger as tartarugas de uma série de ameaças, incluindo a poluição. Desde sua fundação, em 1997, a Local Ocean já protegeu cerca de mil criadouros, realizou mais de 17 mil resgates e deu tratamento a mais de 480 tartarugas em seu centro de reabilitação. Entre 60% e 70% das tartarugas são devolvidas ao oceano.
De 10% a 15% das tartarugas atendidas pela entidade estão doentes porque comeram plástico. A maioria delas não sobrevive. Papilas pontiagudas enfileiradas na garganta das tartarugas impedem que elas regurgitem plástico. E cirurgias no trato gastrointestinal são difíceis de ser realizadas quando é necessário que seus cascos sejam abertos.
A caça em busca de carne, carapaças, óleo e ovos de tartarugas é uma grande ameaça. No Quênia, comer tartaruga é parte da cultura dos habitantes da costa, e os répteis marinhos são fonte de carne e dinheiro para famílias que lutam pelo sustento. Enquanto caçar qualquer espécie ameaçada é ilegal no Quênia e acarreta uma multa de US$ 200 mil, a fiscalização contra a matança de tartarugas é rara.
Enquanto o tormento dos grandes animais ameaçados da África - como elefantes e rinocerontes - chama a atenção do mundo, a conscientização a respeito da importância da proteção da vida marinha ao longo da costa do continente é “completamente ignorada”, afirmou Nicky Parazzi, uma das fundadoras da Local Ocean.
“Aquilo que é necessário para a sobrevivência das tartarugas também é necessário para o nosso lazer e sobrevivência”, afirmou. “Elas representam a saúde do oceano.”
Um ponto positivo é a diminuição da caça na região de Watamu, apesar do grande lucro que os pescadores conseguem com a venda do óleo e da carne dos animais. Uma tartaruga-verde fêmea grande pode render até 75 quilos de carne e 20 quilos de gordura.
Um espécime desses pode render US$ 500 ou US$ 600 - um montante considerável, levando-se em conta que um pescador ganha em média US$ 150 por mês na região.
Membros da equipe da Local Ocean encontram-se frequentemente com pescadores para construir boas relações. “Já estamos com eles há 20 anos”, disse Nicky.
Agentes comunitários oferecem conselhos práticos a respeito da pesca sustentável, o que reduz a caça de tartarugas e estimula os pescadores a participar do processo de retorno ao mar dos répteis apanhados acidentalmente. Os agentes convencem os habitantes locais a não usar métodos ilegais para pescar, como redes de mosquito, veneno e arpões.
Em um dia de primavera, em uma praia daqui, o pescador Kai Shoka aguardava por Fikiri Kiponda, coordenador de observação de tartarugas, depois de ter pescado uma jovem tartaruga-de-pente. Na praia, Kiponda mediu a criatura, a pesou e prendeu tarjas de identificação em suas nadadeiras.
Apesar de a carne das tartarugas-de-pente ser venenosa, elas são valiosas em razão dos desenhos cor-de-âmbar de seus cascos, que parecem pinturas. Suas carapaças são usadas para fabricar bijuterias e bugigangas.
Quando foi solta, esta tartaruga-de-pente rastejou com hesitação pela areia na direção das ondas. Ao chegar no mar, bateu suas nadadeiras vigorosamente, tornando-se uma mancha ondulante enquanto desaparecia no Oceano Índico.
Chamada anteriormente de Watamu Turtle Watch, a Local Ocean emprega atualmente cerca de 20 quenianos, incluindo patrulhas de praia que monitoram e protegem as tartarugas durante a época da reprodução. A ONG também faz visitas a escolas, oferecendo programas educacionais para milhares de estudantes.
“Nossa área de atuação é todo o meio ambiente”, disse Parazzi. “Não acreditamos na preservação de espécies individuais. Salvar as tartarugas não significa nada se elas não tiverem nenhum lugar para pôr seus ovos.”