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O romance floresce para os idosos durante a quarentena

Para algumas pessoas que vivem em residências assistidas, é possível encontrar um companheiro dando uma volta pelos corredores

Por Maggie Parker
Atualização:

Quando Sam Gallo, de 91 anos, e Millie Hathorn ficaram noivos, em março de 2020, Gallo, que perdeu a audição quando chefiava a tripulação de jatos durante a Guerra na Coreia, escreveu aos seus três filhos “Somente na morte o amor acaba", anunciou. Embora ambos tivessem casado anteriormente, prosseguiu, “o amor não acabou... para nós”.

O objetivo da carta era explicar por que motivo eles queriam se casar na sua idade e tão rapidamente, em vez de esperar que a pandemia passasse e as famílias pudessem comemorar juntas. “Que tragédia seria permitir que mais um dia dourado escorra como água entre dedos descuidados... Aceitamos o fato de que os nossos dias dourados estão contados, e estamos determinados a guardar como um tesouro cada um que nos seja dado, um por um”.

Foto: Ellen26 via Pixabay 

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O casal, que usa o aplicativo Ava para se comunicar, se conheceu e vive em St. James Place, uma comunidade para idosos aposentados de Baton Rouge, Louisiana. O seu relacionamento tomou um rumo romântico em fevereiro de 2020. Eles ficaram noivos logo após o coronavírus chegar aos Estados Unidos; o seu amor floresceu durante a pandemia.

O companheirismo muitas vezes é encontrado nestes ambientes que oferecem cuidados continuados. Uma pesquisa publicada na revista Sexuality Research and Social Policy em 2009 mostrou que era “comum” entre os residentes assistidos manter “o interesse por relacionamentos românticos”. E, embora a relação sexual não seja uma coisa sem precedentes nestes lugares, as conclusões “mostraram que contatos íntimos, mãos dadas e outras expressões fisicamente menos intensas são muito comuns”.

“Estamos vendo o nascimento mais frequente de relações às vezes românticas, às vezes de amizade”, disse Daniel Reingold presidente e CEO da Hebrew Home, em Riverdale, no Bronx, em Nova York Ele disse que, “inquestionavelmente”, os seus residentes se mostraram mais abertos para o amor durante a pandemia. “O que percebi não é um medo maior da mortalidade, mas uma valorização maior do amor”, afirmou. “As pessoas se dão conta de que, neste momento, querem encontrar alguém na vida. Então estão se procurando”.

O casal Gallo se conheceu antes do início da pandemia, mas somente em fevereiro de 2020, quando ficaram juntos na festa da Terça-feira Gorda, em St James, as coisas mudaram. “Depois da festa, sentimos que tínhamos de ficar juntos”, Millie afirmou. Ela tomou o sobrenome do marido.

Depois da festa, a pandemia explodiu. Mas isto não impediu que eles se conhecessem melhor. Na realidade, pode até ter ajudado. Durante todo o ano de 2020, como as restrições mantiveram as pessoas afastadas, limitou as atividades e fechou as cafeterias, eles passaram juntos o maior tempo possível. “Procuramos passar o mesmo tempo juntos e não escondemos isto de ninguém; ficamos de mãos dadas e sentamos perto um do outro, mas usamos máscaras”, ela contou.

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Eles casaram no dia 5 de agosto de 2020.

“Nós decidimos, por causa da nossa idade e de como nos sentíamos, que casaríamos logo aqui em St. James, e o capelão realizaria a cerimônia”, contou Millie. “Não pudemos ter familiares por perto, mas uma residente foi minha dama de honra e um residente foi testemunha de Sam. É claro que todos usamos máscara e tivemos distanciamento social. Mas tudo funcionou perfeitamente. Foi um dia maravilhoso. Não tivemos nenhum problema”.

Os filhos (seis ao todo) ficaram decepcionados por não poderem participar das bodas, mas, disse Millie: "Eles compreenderam que nós não quisemos esperar".

O casal contraiu a covid-19 em dezembro. “Foi uma forma leve e ambos saímos dela muito bem”, segundo Millie. “Ele cuidava de mim quando eu precisava de ajuda. E eu dele quando ele precisou. Não houve um momento em que eu não estivesse aqui ao seu lado, e ele sempre esteve aqui para mim.” Ela acha que atitude é o segredo para sobreviver à quarentena, o que está claro pelo modo como ela vê a própria experiência. “Acho que nos aproximou ainda mais”.

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Agora, prosseguiu, “não há dúvida de que o fato de estar com Sam fez com que o lockdown e tudo mais não parecessem tão ruins”.

Administradores de todas as instalações entrevistados para este artigo contaram que muitos residentes manifestaram o desejo de tomar conta um o outro no isolamento. Como em Amber Court, uma destas comunidades no Brooklyn, Nova York, onde, em agosto,  Jeffrey Miller, de 76 anos, pediu Gloria Alexis, de 71, em casamento.

Antes da pandemia, eles não mantinham nem mesmo um relacionamento romântico. Eram apenas amigos. No entanto, em seguida Gloria passou um mês no hospital (por um problema não relacionado ao coronavírus, que nenhum dos dois contraiu) e ficou sem contato com Jeffrey por um “tempo excessivo”, ele disse. “Quase enlouqueci”. Neste meio tempo, ele contou, os seus sentimentos se fortaleceram.

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Sol Bauer, diretor de operações do Amber Court, disse que a incerteza do mundo ao seu redor fez com que Miller cuidasse dela mais do que como amigo. “Jeffrey continuou vindo aqui e me amolando, perguntando continuamente a todos no escritório se ela voltaria”, disse Bauer. “E acabei falando: ‘Por que você precisa saber se ela vai voltar? Quando ela voltar você vai saber’. E ele respondeu: ‘Quero pedi-la em casamento’, e tirou do bolso uma caixinha com um anel de brilhante e uma aliança. Nós quase desmaiamos”.

Quando descobriram que ela voltaria, o pessoal ajudou Miller a preparar um pedido ao ar livre, com balões, rosas e, evidentemente, o anel. “Algo me dizia para fazer isto; porque estava na hora. Não éramos mais jovens”, afirmou Miller.

Esperaram a primavera para casar em Amber Court com amigos da instituição. Agora, eles moram no mesmo quarto. À pergunta se a pandemia mudou o seu relacionamento, Miller disse: “a gente se dá conta de que não quer mais ficar sozinho”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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