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Como a comida pode ajudar a melhorar o humor?

Alimentos com muito açúcar e gordura que, com frequência, ingerimos quando estamos estressados ou deprimidos, são os menos benéficos para a nossa saúde mental

Por Anahad O’Connor
Atualização:

Com as pessoas em todo o mundo lutando com o estresse, depressão e ansiedade no ano passado, muitos recorreram aos seus alimentos favoritos como consolo: sorvete, pizza, hambúrguer. Mas estudos realizados nos últimos anos sugerem que alimentos carregados de açúcar ou muito gordurosos pelos quais ansiamos quando estamos estressados ou deprimidos, por mais reconfortantes que sejam, são os menos benéficos para nossa saúde mental. Inversamente, alimentos integrais, como vegetais, frutas, peixe, ovos, nozes e sementes, grãos e legumes e fermentados como o iogurte são uma aposta melhor.

As conclusões são de especialistas de um novo campo de pesquisa conhecido como psiquiatria nutricional, que estuda a relação entre dieta e bem-estar mental. A ideia de que comer certos alimentos promove a saúde mental tanto quanto promove a saúde do coração, parece ter lógica. Mas, historicamente, a pesquisa no campo da nutrição se concentrou mais amplamente na maneira como os alimentos que ingerimos afetam nossa saúde física, não a saúde mental. Durante muito tempo, a influência potencial do alimento sobre a felicidade e o bem-estar mental foi “praticamente ignorada”, como afirmou recentemente um grupo de pesquisadores.

Ilustração de Rocio Egio/The New York Times. 

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Mas, no decorrer dos anos, um volume crescente de pesquisas tem fornecido pistas interessantes sobre de que maneiras os alimentos afetam nosso humor. Uma dieta saudável promove um bom funcionamento intestinal, que se comunica com o cérebro através do chamado eixo intestino-cérebro. Micróbios no intestino produzem neurotransmissores como serotonina e a dopamina, que regulam nosso humor e nossas emoções, e o microbioma intestinal tem sido ligado a efeitos na nossa saúde mental. “Um volume crescente de estudos mostra que o microbioma intestinal tem um papel importante numa variedade de problemas psiquiátricos, incluindo transtornos depressivos graves, segundo artigo assinado por uma equipe de cientistas e publicado na Harvard Review of Psychiatry no ano passado.

Amplos estudos populacionais também concluíram que as pessoas que ingerem alimentos ricos em nutrientes reportam menos depressão e níveis maiores de felicidade e bem-estar mental. Um desses estudos, de 2016, que acompanhou 124 mil pessoas durante sete anos, concluiu que aquelas que aumentaram o consumo de frutas e vegetais durante o período do estudo registraram uma pontuação bem mais alta nos questionários sobre os seus níveis de felicidade e satisfação com a vida.

Mas esses amplos estudos observacionais mostram apenas correlações, e não causas, o que leva à pergunta: o que vem primeiro? A ansiedade e a depressão levam as pessoas a escolherem alimentos não saudáveis, ou vice-versa? Pessoas que são mais felizes e otimistas são mais motivadas a consumir alimentos nutritivos? Ou é uma dieta saudável que anima seu estado de espírito?

O primeiro ensaio importante para elucidar a conexão entre alimento e o humor foi publicado em 2017. Uma equipe de pesquisadores desejava saber se mudanças no regime alimentar ajudariam a amenizar a depressão. Eles recrutaram 67 pessoas diagnosticadas com depressão e as dividiram em grupos. Um grupo passou a se reunir com um nutricionista que os orientou a seguir uma dieta mediterrânea. O outro grupo, usado como controle, se reuniu regularmente com um assistente de pesquisa que forneceu suporte social, mas nenhum conselho dietético.

No início do estudo, os dois grupos consumiram muitos alimentos com bastante açúcar, carnes processadas e salgados, e muito pouca fibra, proteínas magras ou frutas e vegetais. Mas o grupo da dieta fez grandes mudanças. Eles trocaram doces, fast food e massas por alimentos integrais, como nozes, feijões, frutas e legumes. Deixaram o pão branco e passaram a comer pão integral. Renunciaram aos cereais açucarados e passaram a comer aveia. Em vez de pizza, preferiram vegetais salteados. E substituíram alimentos muito processados, como presunto, salsichas e bacon por frutos do mar e uma pequena quantidade de carne vermelha magra.

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Os dois grupos foram aconselhados a continuar com antidepressivos ou outras medicações prescritas por médicos. O objetivo do estudo não era saber se uma dieta mais saudável poderia substituir a medicação, mas se ofereceria benefícios adicionais, levando à prática de exercícios, um bom sono e outras atitudes no tocante ao estilo de vida.

Depois de 12 meses, os níveis de depressão melhoraram nos dois grupos, o que era esperado no caso de qualquer pessoa num ensaio clínico que forneça um apoio adicional, independente do grupo. Mas a melhora no caso da depressão foi muito maior no grupo que seguiu uma dieta saudável: aproximadamente um terço das pessoas já não foi mais classificada como depressiva, em comparação com 8% daquelas no grupo de controle.

Os resultados foram surpreendentes por várias razões. A dieta beneficiou a saúde mental apesar de os participantes não terem perdido peso. As pessoas também economizaram dinheiro ingerindo alimentos mais nutritivos, demonstrando que uma dieta saudável pode ser econômica. Antes do estudo, os participantes gastavam em média US$ 138 por semana em comida. Os que se submeteram a uma dieta saudável reduziram esse custo para US$ 112 por semana.

Os alimentos recomendados eram relativamente baratos e disponíveis na maioria dos supermercados. Incluíam feijões e lentilhas em lata, salmão, sardinhas e atum em lata e produtos convencionais e congelados, disse Felice Jacka, principal autora do estudo.

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“A saúde mental é algo complexo”, disse a médica, que dirige o Food & Mood Centre na Universidade Deakin, na Austrália, e presidente da International Society for Nutritional Psychiatry Research. “Uma salada não vai curar a depressão. Mas há muita coisa que você pode fazer para melhorar o seu humor e a saúde mental e pode ser algo tão simples como aumentar sua ingestão de vegetais e alimentos saudáveis”.

Vários testes randomizados reportaram descobertas similares. Em um estudo com 150 adultos com depressão publicado no ano passado, os pesquisadores descobriram que as pessoas que seguiram uma dieta mediterrânea suplementada com óleo de peixe durante três vezes por semana registraram uma redução maior dos sintomas de depressão, estresse e ansiedade depois daquele período, em comparação com o grupo de controle.

Mas nem todos os estudos tiveram resultados positivos. Um ensaio clínico que durou um ano, publicado na revista JAMA em 2019, por exemplo, concluiu que a dieta mediterrânea reduz a ansiedade, mas não a depressão, num grupo de pessoas de alto risco. E a ingestão de suplementos como vitamina D, selênio e Ômega-3 não tiveram nenhum impacto sobre a depressão ou a ansiedade.

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Muitos grupos profissionais da área de psiquiatria não fazem recomendações dietéticas, em parte porque, segundo eles, mais pesquisas são necessárias para que possam prescrever uma dieta específica para a saúde mental. Mas especialistas em saúde pública em vários países do mundo começam a incentivar as pessoas a adotarem um novo estilo de vida, com exercícios, um sono profundo, uma dieta saudável para o coração, evitar fumar, que reduz inflamação e tem benefícios para o cérebro. O Royal Australian and New Zealand College of Psychiatrists, principal organização que representa a psiquiatria na Austrália e na Nova Zelândia, expediu diretrizes práticas encorajando os clínicos a recomendarem dieta, exercícios e evitar o cigarro aos pacientes antes de prescrever medicação ou psicoterapia.

Médicos particulares também já vêm incorporando a nutrição no seu trabalho com os pacientes. Drew Ramsey, psiquiatra e professor assistente no Columbia University College of Physicians and Surgeons, em Nova York, começa suas sessões com os novos pacientes ouvindo seu histórico psiquiátrico e depois explorando sua dieta alimentar. Ele pergunta o que eles comem, quais são seus alimentos prediletos, procura descobrir se alimentos que considera importantes para a conexão intestino-cérebro estão fora das dietas, como vegetais, frutos do mar e alimentos fermentados.

Ele publicou um livro em março chamado Eat to Beat Depression and Anxiety (Coma para vencer a depressão e a ansiedade, em tradução livre) e fundou a Brain Food Clinic, para ajudar as pessoas com problemas ligados ao humor a melhorarem suas dietas.

Ramsey diz que alimentos como frutos do mar, verduras, nozes e grãos, e um pouco de chocolate amargo, ajudam a promover componentes como o fator neurotrófico derivado do cérebro, ou BDNF, uma proteína que estimula o crescimento de novos neurônios e ajuda a proteger os existentes. E contêm também grandes quantidades de fibra, gordura não saturada, antioxidantes, gorduras classificadas como Ômega-3 e outros nutrientes que melhoram a saúde metabólica e intestinal e reduzem a inflamação, tudo o que afeta o cérebro.

Ramsey diz que não quer que as pessoas pensem que o único fator envolvido na saúde do cérebro é o alimento. “Muitas pessoas se alimentam corretamente, são muito ativas e ainda assim têm problemas importantes de saúde mental”, disse ele.

“Não podemos controlar nossos genes, quem foram nossos parentes, ou atos aleatórios de trauma ou violência que podem ocorrer conosco”, afirmou ele. “Mas é possível controlar como comemos e isso permite às pessoas fazerem o que é preciso para cuidar da saúde do seu cérebro diariamente”. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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