PUBLICIDADE

Café da manhã silencioso é prática de bem-estar que ajuda pessoas na pandemia

'Comer em silêncio é uma prática ancestral com raízes em muitas comunidades monásticas', lembra professora do UMass Memorial Health Care Center for Mindfulness

Por Hillary Richard
Atualização:

“Não medito, então busco outros momentos do meu dia para ter um comportamento meditativo, incluindo minha rotina de café da manhã”, escreveu por e-mail Nina Zorfass, de 30 anos, residente de Nova York que trabalha com marketing. A técnica dela? Tomar o café da manhã em completo silêncio.

Quando iniciou essa prática, há oito anos, Nina percebeu que se sentia mais preparada para o dia que tinha pela frente e que poderia fazer escolhas alimentares mais saudáveis. Agora, em meio a uma pandemia, ela conta com esse tempo para recarregar as baterias, enquanto vive e trabalha perto de sua companheira.

Ilustração de Carla Fuentes/The New York Times 

PUBLICIDADE

“É difícil passar algum tempo sozinha em nosso apartamento”, disse ela. Comer em silêncio é uma prática ancestral com raízes em muitas comunidades monásticas. “Budistas, místicos celtas, sufis, místicos védicos”, disse Ginny Wholley, professora do UMass Memorial Health Care Center for Mindfulness.

“Todo mundo tem um componente de silêncio que é inerente à prática.” Jon Kabat-Zinn fundou o centro onde Ginny ensina desde 1979 a promover e estudar os benefícios de práticas como essas em um ambiente secular - em parte porque é um desafio. O conceito de café da manhã silencioso é bastante simples: concentre-se em sua comida, em silêncio, e lide com quaisquer pensamentos que surgirem. Mas é mais difícil do que parece.

Passei vários dias no Centro Kripalu para Yoga e Saúde em Stockbridge, Massachusetts, no ano passado, e o café da manhã silencioso estava no menu. Cartazes em todas as mesas lembravam os convidados de que o café da manhã deveria ser feito em silêncio. Vários cartões educacionais exaltavam as virtudes de se reconectar consigo mesmo a cada manhã: É benéfico para sua mente e corpo começar o dia com propósito, calma e gratidão.

No primeiro dia, carreguei minha bandeja de café da manhã pelo corredor da sala de jantar, sentindo os olhos de estranhos me seguirem como em uma cena de filme que mostra a cafeteria de uma escola cheia de angústia. Passei por fileiras e mais fileiras de companheiros de café da manhã.

Alguns se mexiam em seus assentos enquanto eu passava, os únicos sons eram o tilintar cauteloso de talheres em tigelas e pratos. Às vezes, uma cadeira raspava no chão quando alguém se sentava ou ia embora. “Nossa sociedade se inclina para a complexidade e dificuldade, porque então há mais ‘valor’ nela”, disse Cristie Newhart, reitora da escola de ioga em Kripalu.

Publicidade

“Quando você está aprendendo a se tornar mais presente, é como: ‘Presente com o quê? O que eu faço? 'Ao comer com atenção, você está chamando toda a sua atenção para a comida. ” Minha mente se revoltou na metade da minha granola. Como escritora freelancer, sempre tive um equilíbrio nada saudável entre minha vida profissional e pessoal, em parte por internalizar a ideia de que devo maximizar a produtividade a todo custo.

Meus pais eram pessoas empreendedoras que conseguiram dar a volta por cima após uma infância desprivilegiada. Eles me transmitiram uma ética de trabalho difícil. “Autocuidado”, eu acreditava, era para pessoas que tinham tempo e dinheiro. Não trabalhar duro o suficiente significava arriscar o fracasso.

Mas aqui estava eu, em meu primeiro retiro de bem-estar, tentando apreciar uma tigela de frutas e despencando em pavor existencial. Parecia indulgente e preguiçoso me concentrar tão intensamente na minha comida. Eu tinha uma lista de tarefas com mais de um quilômetro de comprimento e uma nova hipoteca com que me preocupar.

Eu estava profundamente desconfortável. “Como alguém que fala quase o tempo todo, a ideia do silêncio forçado parecia punitiva”, disse Melissa Klurman, jornalista em Montclair, Nova Jersey, que também experimentou um café da manhã silencioso em um retiro em Kripalu no ano passado. Ravi Kudesia, um pesquisador de mindfulness (ou atenção plena) e professor da Escola de Negócios Fox da Universidade Temple disse: “Uma das coisas engraçadas sobre começar uma prática de mindfulness é que quando você acalma o ruído externo, começa a ouvir mais o ruído interno. Se você não está acostumado com isso, pode ser incrivelmente desagradável. A ideia principal aqui é que é melhor notar os sussurros antes que se tornem gritos”.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Eu não conseguia me concentrar, então deixei minha mente correr solta por sua ladainha de preocupações e lembretes. Então, como uma criança cansada depois de um acesso de raiva, meus pensamentos se acalmaram. Depois de vários dias de café da manhã silencioso, comecei a me ouvir.

Minhas preocupações e pensamentos, felizes com seu tempo no palanque, recuaram e pararam de me atormentar na primeira hora da manhã. Eu poderia me concentrar no que estava diante de mim, sem culpa, sem obrigação, sem estresse. Foi uma sensação incomum de liberdade. Para Deborah Vaphides, de 62 anos, acupunturista de Montclair, Nova Jersey, começar suas manhãs com uma rotina silenciosa vários dias por semana a ajuda a se sentir mais pé no chão ao longo do dia.

Ela se senta perto da janela e observa a luz do sol entrar no início da manhã enquanto pratica exercícios de respiração profunda. “Eu costumava ouvir o noticiário todas as manhãs durante décadas”, disse Deborah. "Não mais. Sei que as notícias vão me encontrar hoje em dia, não importa aonde eu vá. A imagem da luz mudando durante minhas manhãs tranquilas permanece comigo o dia todo, e eu volto a essa paz sempre que preciso”.

Publicidade

Essa paz, ao que parece, tem muito a ver com nossa resposta física. “Quando estamos em silêncio, nossos cérebros e corpos reagem de forma semelhante a quando meditamos”, disse Lauraine Hollyer, psicóloga clínica, em uma entrevista por telefone. “O cortisol, que está associado ao estresse, diminui na corrente sanguínea. A pressão arterial, a frequência respiratória e a frequência cardíaca também diminuem.

Podemos nos concentrar e recordar com mais facilidade”. Quando tive o primeiro contato com o café da manhã silencioso em 2019, era mais fácil para muitos de nós evitarmos a nós mesmos repassando nossas próprias vidas. Em 2020, sem ter para onde ir e muito menos o que fazer, concentrei-me em cafés da manhã silenciosos.

Marquei um encontro comigo mesma todas as manhãs e protegia meu tempo contra as inevitáveis invasões digitais. Trabalhei para ser minha própria empresa, para me tratar da maneira como trataria um convidado, para questionar a mim mesma. Concentrei-me no que estava diante de mim, o que me permitiu enfrentar cada dia tumultuado com uma sensação mais forte de calma e aceitação, em termos relativos.

Comecei a desejar minha reconfiguração silenciosa todas as manhãs. À medida que a quarentena se arrastava e a solidão se tornava uma preocupação real, percebi que o café da manhã silencioso inesperadamente me ajudou a lidar com isso também. “Quando me sinto solitária, sempre há essa sensação de que preciso de algo externo para preencher isso: outra pessoa ou outro compromisso ou ir a algum lugar”, disse Barbara Vacarr, executiva-chefe da Kripalu.

Ela acrescentou um ponto importante para aqueles que não têm muito tempo para si por causa dos cuidados com os filhos ou outras obrigações: “Não há como fazer isso com perfeição; essa não é a questão. O objetivo é escolher um dia ou alguns dias da semana talvez e ver a melhor forma de integrar a prática em sua rotina diária”.

Quando a família de sua filha foi morar com ela durante a pandemia, isso alterou significativamente as manhãs silenciosas de Barbara, por exemplo. Então, às vezes, ela vai para o quarto tomar um chá. Outras vezes, ela tenta incluir seus três pequenos netos. “Não dura muito, mas as crianças adoram rituais”, disse ela. “Tomar um café da manhã silencioso juntos torna-se nosso evento especial.” / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

The New York Times Licensing Group - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito do The New York Times

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.