Como cientistas derrotaram a 'estrela da morte' do câncer

Até o momento, nenhum medicamento conseguia atacar uma proteína envolvida numa variedade de tumores, mas um químico viu uma brecha

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Por Gina Kolata
Atualização:

Depois de 40 anos de esforços, os pesquisadores conseguiram desativar uma das mais comuns mutações genéticas causadoras de câncer. A descoberta promete melhorar o tratamento da doença no caso de milhares de pacientes com câncer do pulmão e colorretal e apontar o caminho para uma nova geração de drogas para combater tipos de câncer que resistem a tratamentos.

A descoberta já resultou num novo medicamento, o Sotorasibe, da farmacêutica Amgen. Outras empresas estão perto de oferecer suas próprias versões.

Descoberta ajudará no tratamento do câncer. Foto: Michal Jarmoluk por Pixabay

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A Amgen testou o medicamento em pacientes com o tipo mais comum de câncer do pulmão. A doença atinge 228 mil americanos por ano e para muitos pacientes em estágios avançados da doença não existe cura.

A nova droga ataca uma mutação causadora do câncer conhecida como G12C do KRAS G, que ocorre em 13% desses pacientes, quase todos fumantes ou ex-fumantes. O Sotorasibe reduz significativamente o câncer em pacientes com a mutação, informou a Amgen em janeiro na Conferência Mundial sobre Câncer do Pulmão.

Em média, os tumores pararam de crescer durante sete meses. Em 13 dos 126 pacientes estudados, a droga fez com que o câncer desaparecesse completamente, pelo menos até o momento, embora tenham sido observados efeitos colaterais como diarreia, náusea e fadiga.

Já é rotineiro testar pacientes com câncer pulmonar para saber se existe a mutação, porque são mais resistentes a outras drogas, disse o Dr. John Minna, especialista em câncer do pulmão no Southwestern Medical Center da Universidade do Texas, em Dallas.

Embora a mutação G12CKRAS seja mais comum no câncer do pulmão, ela também ocorre em outros tipos da doença, especialmente o câncer colorretal, caso em foi encontrada em até 3% dos tumores e particularmente no câncer do pâncreas, Mutações KRAS de algum tipo estão presentes em 90% dos tumores pancreáticos.

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A forma como a descoberta foi feita é uma história de coincidências e a persistência de um químico acadêmico que conseguiu o aparentemente impossível.

Em 2008, Keva Shokat, químico e professor na universidade da Califórnia, San Francisco, decidiu focar no gene mutante, que havia sido descoberto 30 anos antes em ratos com sarcomas, um tipo de câncer que começa nos ossos e nos tecidos moles.

Os pesquisadores descobriram a mutação em células tumorais humanas e verificaram que ela é um dos genes que mais frequentemente sofrem uma mutação em cânceres de muitos tipos. Diferentes tipos de câncer se originam de mutações diferentes do gene KRAS e a proteína que ele codifica. A mutação G12C ocorre principalmente no caso do câncer de pulmão.

A busca por medicamentos para bloquear mutações causadoras de câncer descobertas anteriormente sempre foi direta: os pesquisadores tinham de encontrar uma molécula que, acoplada à proteína mutante, conseguindo impedi-la de agir. Essa estratégia funcionou no caso dos chamados inibidores da quinase que também bloqueiam uma proteína criada por mutações genéticas. Hoje existem 50 inibidores da quinase aprovados no mercado.

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Com a mutação KRAS foi diferente. O gene direciona a produção de uma proteína que normalmente contrai e descontrai milhares de vezes por segundo como se estivesse ofegante. Em uma posição, a proteína dá sinal para as células crescerem e na outra ela bloqueia o crescimento. No caso da mutação KRAS a proteína fica, na maior parte do tempo, na posição em que as células são constantemente forçadas a crescer.

A solução padrão seria uma droga que mantivesse a proteína na posição de bloqueio. Mas isto parecia impossível. A proteína é grande e globular e não tem bolsos fundos ou fissuras na sua superfície onde a droga poderia se introduzir. É como tentar introduzir uma cunha numa bola de gelo sólido.

“Nossos químicos tradicionais se referem a ela como Estrela da Morte”, disse o Dr. David Reese, vice-presidente executivo da pesquisa e desenvolvimento da Amgen.

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Shokat e seus colegas começaram a examinar uma molécula que conseguisse se introduzir na proteína. Cinco anos depois de investigarem 500 moléculas, eles descobriram porque ela funcionava.

A droga mantém a proteína inalterável, fazendo sulco visível na sua superfície. “Nunca vimos esse sulco antes”, disse ele. A proteína normalmente contrai e relaxa tão rapidamente que é quase impossível ver o estreito sulco.

E há ainda uma boa notícia. A droga se conecta à cisteína, um aminoácido que ocorre nesse sulco por causa da mutação KRAS. A droga funcionou somente contra a proteína mutante e, portanto, somente contra células cancerígenas.

O câncer do pulmão é apenas o início, disse Shokat. O próximo desafio é o câncer pancreático, um dos mais letais. “A KRAS é uma mutação característica no câncer de pâncreas”, disse ele.

Muitos pacientes têm essa mutação e embora isto dificulte o tratamento, agora ela pode tornar o câncer particularmente vulnerável. Os pesquisadores já desenvolveram drogas que parecem promissoras. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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