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Sobreviventes de desabamento de complexo têxtil em Bangladesh temem novos desastres

Cinco anos após a tragédia que deixou mais de 1.100 mortos, a indústria têxtil está deixando pactos de segurança firmados para evitar novas catástrofes

Por Dana Thomas
Atualização:

DACA, BANGLADESH - “As pessoas gritavam: ‘Socorro!’", afirmou Mahmudul Hassan Hridoy, um homem de 32 anos e fala mansa, lembrando do momento em que o sétimo andar do edifício Rana Plaza, um complexo de venda de varejo e confecções de oito pavimentos, desabou sob seus pés cinco anos atrás. A catástrofe deixou 2.500 feridos e mais de 1.100 mortos. Foi o mais mortífero acidente da indústria têxtil na história moderna.

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“'Me salvem!’, gritavam”, afirmou Hridoy. “Mas ninguém escutava”.

Hridoy trabalhava no Rana Plaza havia duas semanas: ele tinha deixado seu emprego como professor de jardim de infância numa escola, por causa do baixo salário, para se tornar inspetor de qualidade da New Wave Style Ltd. A promessa de um pagamento maior foi irresistível: a mulher que ele namorava havia três anos estava grávida. “Por isso fui para o Rana Plaza”, conotu. Eles tinham casado três dias antes do desabamento.

Quando abriu os olhos em meio aos destroços, ele se deu conta de que estava preso sob um pilar de concreto. Quando sua visão recuperou parte do foco, ele percebeu que estava face a face com um de seus melhores amigos, Faisal, que trabalhava no segundo andar operando uma máquina de costura.

“Não soube bem como isso tinha acontecido”, afirmou Hridoy. “Acho que meu andar caiu sobre o dele.”

O crânio de Faisal estava despedaçado, contou. “E o cérebro dele estava transbordando para fora cabeça.” Ele começou a chorar. “Não consigo esquecer como a cabeça dele explodiu na minha frente. Essas memórias ainda me assombram”.

Hridoy caminha com a ajuda de uma muleta e sofre terríveis dores de cabeça. Às vezes, arranca os cabelos durante o sono. Sua mulher o deixou. A Associação dos Sobreviventes do Rana Plaza, em Savar, fundada por ele, tem 300 integrantes e se reúne uma vez ao mês. Em 2015 e 2016, dois dos integrantes se enforcaram.

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O terreno em que o Rana Plaza foi construído agora está tomado por mato. Na parte da frente, foi erguido um monumento de concreto em homenagem às vítimas - que ostenta uma escultura de um enorme par de punhos segurando uma foice e um martelo.

Bangladesh é, há muito tempo, um dos lugares mais baratos para a produção têxtil, juntamente com Vietnã e Índia. Mais de 4,4 milhões de pessoas - mulheres, em sua maioria - trabalham em 3 mil fábricas nas quais o salário mínimo é atualmente de US$ 0,32 a hora, ou US$ 68 ao mês. As marcas se aglomeram por aqui para abastecer um mercado de "vestuários de pronta entrega” (RMG, na sigla em inglês) avaliado em US$ 30 bilhões, tornando Bangladesh o segundo maior centro de produção têxtil do mundo, atrás somente da China.

Mahmudul Hassan Hridoy teme um novo desastre como o do Rana Plaza quando os pactos por segurança no trabalho expirarem em Bangladesh. Foto: Clara Vannucci para The New York Times

Mas a indústria têxtil de Bangladesh também tem estado repleta de fábricas com péssimas condições de trabalho e, com isso, vêm os acidentes industriais. Após o desabamento do Rana Plaza, marcas internacionais de moda que se abastecem em Bangladesh anunciaram a criação de dois planos de metas a serem cumpridos em cinco anos.

Com valor jurídico, o Acordo contra o Fogo e por Segurança Predial foi assinado por mais de 200 empresas, incluindo American Eagle, H & M e Inditex, dona da Zara.

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A não vinculante Aliança pela Segurança do Trabalhador Bengali foi liderada pelo Walmart e firmada por 28 marcas, entre elas Gap, Target e Hudson’s Bay, donas da Saks Fifth Avenue e Lord & Taylor.

No mês passado, o Centro Global para Direitos dos Trabalhadores lançou um estudo a respeito do impacto dos acordos e qualificou ambos como um sucesso: em cinco anos, mais de 97.000 situações de risco em 1.600 fábricas foram retificadas, tornando o ambiente de trabalho mais seguro para 2,5 milhões de trabalhadores.

“Os pactos têm salvado vidas, sem dúvida”, afirmou Liana Foxvog, diretora de Organização e Comunicações do Fórum Internacional de Direitos Trabalhistas, organização que defende os direitos humanos.

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As melhorias não significam que péssimas condições de trabalho não existam mais em Bangladesh. Esta repórter visitou uma dessas fábricas em Daca três dias antes da tragédia do Rana Plaza completar cinco anos. Baldes para combater incêndios estavam repletos de lixo, tanques de água para emergências estavam rachados ou cheios somente pela metade, ninguém usava máscaras de segurança, a maioria dos empregados - alguns deles adolescentes - estava descalça, havia fiação exposta, rolos de tecido e sobras de fábrica estavam jogados no chão, janelas estavam quebradas e a única escada que dava acesso à saída do local - que lembrava um cortiço - estava obstruída por caixas com produtos prontos que seriam enviados à Rússia.

E ambos os acordos estão prestes a expirar. Apesar de alguns ativistas pedirem a ex-integrantes da Aliança que assinem um novo pacto rapidamente, já houve repressão a sindicalistas, com encarceramento de líderes sindicais.

Hridoy recebeu uma indenização do Fundo Fiduciário de Doações para o Rana Plaza, que foi dotado com US$ 30 milhões repassados pelas marcas. Ele usou os US$ 600 que ganhou para abrir uma farmácia. Contudo, ele não acredita que algo tenha realmente mudado. “A lei trabalhista neste país é a favor dos patrões, não dos trabalhadores”, afirmou.

Quando a fiscalização voltar a ser responsabilidade do governo local, disse ele, “tudo voltará a ser da maneira que era quando o Rana Plaza desabou”./Akram Hosen colaborou com a reportagem.

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