Booker T. Jones: coadjuvante do soul music assume os holofotes

Apesar da fama nas décadas de 1960 e 1970, líder do grupo Booker T. & the M.G.s é indicado pela primeira vez para o Hall da Fama do Rock & Roll

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Por John Lingan
Atualização:

LOS ANGELES — A quarteirões de distância dos panoramas montanhosos encobertos pela neblina de Venice Beach, Booker T. Jones trabalhava com afinco em uma tarde de fim de verão. O músico de 74 anos estava sentado atrás do órgão Hammond B-3 enquanto seu conjunto atual, que inclui o filho, Ted, na guitarra, além do baterista Steve Ferrone, conhecido por acompanhar Tom Petty, ajudava na gravação de vários clássicos que são também os títulos dos capítulos de seu novo livro de memórias.

Time Is Tight: My Life, Note by Note, lançado em 29 de outubro, foi batizado a partir de um dos sucessos de Jones enquanto líder e mentor musical de Booker T. & the M.G.s, mas, apesar da fama do grupo de soul music nos anos 1960 e 70, essa é a primeira vez que o indicado para o Hall da Fama do Rock & Roll fala na primeira pessoa.

Booker T. Jones está em sua oitava década como músico e produtor musical. Foto: Erik Carter / The New York Times

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Suas expressões criativas geralmente vieram como coadjuvante: primeiro como arranjador e músico residente da gravadora Stax Records durante a era de ouro desse selo, e depois como produtor, diretor musical e tecladista de uma geração de músicos americanos. Sua obra é encontrada no pop dos séculos 20 e 21. Podemos ouvi-lo nos discos de Sam & Dave, Blind Boys of Alabama, Bob Dylan, Big Daddy Kane e Valerie June.

Mas, há cerca de uma década, Jones entrou em uma fase de reflexão. Seus amigos e parceiros, que incluem Neil Young e Robbie Robertson, encontraram um público leitor interessado na história de suas vidas, mas Jones, o eterno coadjuvante, não pensava nos termos da jornada de um herói. “Comecei a compor pequenas cenas", diz. “Lembranças de como cresci.”

O resultado sublinha não apenas as raízes dele em Memphis, no Tennessee, e seu papel na reinvenção do rhythm and blues promovida pela Stax, mas também a segunda fase de sua carreira, em Los Angeles — comandando gravações e trabalhando como produtor musical. Mesmo em sua oitava década, esse guru ainda é muito procurado. “É bem estranho ouvir minha voz dizendo essas palavras", afirma. “Mas o meu vocabulário, minha forma de falar inglês… finalmente encontrei minha voz na página.”

No estúdio dele, Jones demonstrou sua já conhecida familiaridade com a linguagem da música, tocando “B-A-B-Y", de Carla Thomas, gravada em 1966. É uma canção repleta da sonoridade do B-3, um teclado com timbre de igreja, ouvido por um falante rotativo, o que lhe confere um vibrato emotivo que se tornou sinônimo da soul music, em boa parte graças a ele.

Jones passou 10 anos trabalhando como arranjador, multi-instrumentista e líder de conjuntos de sucesso a serviço da Stax em Memphis, cidade que deu origem a uma geração de músicos que transformariam o blues, o gospel e a soul music cinco décadas atrás. “Durante anos e anos eu disse que Booker T. & the M.G.s foi a melhor banda de rock ’n’ roll de todos os tempos", escreve John Fogerty em seu próprio livro de memórias. “Estou falando de emoção, profundidade, até do espaço entre as batidas. A arte de dizer muito com pouco.”

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Racismo

O respeito de seus pares não protegeu os M.G.s do racismo. Sendo o primeiro conjunto negro a alcançar as paradas de sucesso na época, esperava-se dos M.G.s que demonstrassem uma visão de harmonia. “Conforme éramos cada vez mais apontados como um exemplo a ser seguido pelo mundo, mostrando como a integração [racial] poderia funcionar, a situação toda se converteu cada vez mais em uma fachada", explica Jones.

No fim dos anos 1960, Jones começou a enxergar uma comunidade diferente — mais receptiva e fraternal — entre os músicos de Los Angeles. Trabalhando com artistas de diferentes gêneros e estilos, como Leon Russell, Roger McGuinn, Elton John e os Beach Boys, ele prosperou.

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Jones se manteve ativo como produtor, engenheiro de gravação e músico de artistas mais jovens. “Estou no automático", revela. “Comecei trabalhando no automático, me deixando levar pela curiosidade a respeito da percussão e do piano. Essa força que me impelia quando eu tinha 4 ou cinco anos é a mesma força que me motiva hoje.”

É um espírito que ele captura bem em Time Is Tight, livro que tenta descrever aquela qualidade inefável da criação musical. “É uma potência que não exige nenhum esforço", argumenta. “Não preciso me esforçar quando trabalho com música. É algo que simplesmente acontece naturalmente.” / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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