De ciclovia em ciclovia, Paris se transforma

Mais congestionamento no meio de canteiros de construção, mas menos automóveis

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Por Adam Nossiter
Atualização:

PARIS - Em toda Paris, as ruas estão sendo reviradas, divididas ao meio, as antigas pedras do calçamento arrancadas para a construção de quilômetros de ciclovias. Uma importante rodovia foi fechada para os automóveis e destinada exclusivamente aos pedestres.

As temperaturas recordes do mês de julho transformaram a cidade em uma estranha visão caótica, prenúncio do que poderá ocorrer futuramente. O calor brutal acabou com qualquer dúvida na mente da prefeita, Anne Hidalgo: a mudança climática chegou. A prefeita, nascida na Espanha, passou os últimos cinco anos procurando transformar a cidade milenar em uma versão mais verde de si mesma. No final do verão, havia em andamento mais de 8 mil projetos, com praças históricas transformadas para se tornarem mais transitáveis aos pedestres.

Paris hoje é a oitava de uma lista de cidades que preferem a bicicleta, em comparação com 2015, quando ocupava o 17º lugar. E há novas ciclovias em planejamento. Foto: Andrea Mantovani para The New York Times

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Tanto os visitantes quanto os moradores agora podem passear pelas margens do rio de bicicleta, protegidos dos carros por barreiras de granito, e também por toda a cidade, ganhando dos engarrafamentos de trânsito.

A ideia da prefeita é simples: para garantir um futuro com o atual clima incerto, Paris deve proteger-se e voltar ao passado - um passado com menos automóveis.

“O que empreendemos é um programa de adaptação completo, a reintrodução da natureza na cidade”, ela disse.

Anne Hidalgo, uma socialista que se candidatará à reeleição no próximo ano, ganhou partidários da sua visão avançada, e também milhares de inimigos em razão da destruição provocada por seus projetos.

“É uma histérica”, disse Hamza Hansal, proprietário de uma frota de 10 táxis. “Agora, só há ciclovias e obras. O caos total.”

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Outros críticos, particularmente de direita, a acusaram de fazer experimentos com o ambiente em detrimento dos moradores.

A cidade registrou uma queda abrupta dos carros particulares, de 60% dos domicílios em 2001, a 35% hoje.

“Há menos carros, mas há mais congestionamentos, e isto pode afetar os níveis de poluição”, observou Paul Lecroart, do departamento de planejamento da região de Paris.

No meio tempo, Paris subiu na lista decidades que preferem a bicicleta, do 17º lugar em 2015, para o oitavo.

“Ela é muito rigorosa com os automóveis”, afirmou Darnaud Guilhem, um jardineiro profissional, referindo-se a prefeita. “Mas acho que está certa. Está provocando ranger de dentes. Mas Paris, com todo este trânsito, acabou se tornando uma cidade onde é impossível viver”.

“Está na direção certa”, acrescentou.

A prefeita Anne Hidalgo supervisiona mais de 8 mil projetos de melhoria do acesso aos pedestres em Paris. Foto: Andrea Mantovani para The New York Times

Uma das medidas mais contestadas da prefeita foi o fechamento de algumas partes da rodovia construída há 42 anos ao longo da Margem Direita do Sena, e a sua transformação em um parque. A longa margem hoje está repleta de uma juventude alegres nas noites quentes, e, em termos de raça e casses sociais, virá a ser uma das partes mais integradas da cidade.

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“Com isto, conseguiu ter todos contra ela”, na opinião de Corinne Lepage, ex-ministra do Meio Ambiente da França. “Esta foi uma verdadeira reconquista do espaço urbano”.

Agora, Anne planeja “florestas urbanas”, árvores beirando o rio e em frente a alguns pontos mais icônicos da cidade, como a Opera Garnier, o Hôtel de Ville e a estação ferroviária Gare de Lyon. Um alto funcionário divulgou uma nota detalhando um possível corredor verde que atravessará a cidade, se ela for eleita para um segundo mandato.

Leo Fauconnet, um especialista em urbanismo do departamento de planejamento da região de Paris, deu todo o crédito a Anne Hidalgo. “Agora nós temos uma política de ação, em comparação com outras cidades do mundo”, afirmou.

Mas os ambientalistas ferrenhos, cujo prestígio político aumentou com a criação do Partido Verde, não estão convencidos.

“A política ambiental visa limitar os danos”, disse Jacques Boutault, o prefeito verde do Segundo Distrito Administrativo (Arrondissement) de Paris, central. “Não se pode simplesmente jogar concreto, e depois plantar árvores sobre o pavimento”.

Críticos mais contundentes falaram em simpatiada Prefeitura pelas construtoras. O gabinete da prefeita “usa uma linguagem dupla”, afirmou Antoine Picon, especialista em história da arquitetura da Universidade Harvard. “Verde, sim, mas vamos continuar encorajando a densificação de Paris, que já é uma das cidades mais compactas do mundo. Toda a cidade está sendo transformada em um centro comercial”.

De fato, o caráter da cidade está mudando em certos aspectos que Hidalgo se mostrou menos ativa em enfrentar.

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As famílias da classe trabalhadora estão deixando as áreas centrais como o Segundo Arrondissement, que perdeu cerca de 10% de sua população desde 2015. A Airbnb criou bairros de proprietários ausentes. O preço médio do metro quadrado de um apartamento chega a $ 10.000, o que torna a cidade uma das mais caras do mundo.

A prefeita diz que está consciente destes perigos também, e que trabalha para mitigá-los.

“Paris não pode ser apenas uma cidade para os vencedores”, afirmou. “O papel dos políticos é regulamentar. E impedir que esta cidade seja apenas dos vencedores”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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