Clássico 'Um Conto de Natal' ganha novos formatos para que a tradição não se perca

Mesmo sem público interno, a tradição continua viva - pelo correio, pela tela, pelo carro e pelo rádio

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Por Michael Paulson
Atualização:

Apesar de todos os seus defeitos, o velho e irritadiço avarento personagem Ebenezer Scrooge vem sendo uma dádiva divina para os teatros americanos. Durante vários períodos de recessões e catástrofes, ele atraiu crianças pequenas e grandes somas de dinheiro para a sua história de redenção em Um Conto de Natal.

As adaptações teatrais do livro, em geral exibidas no período entre o Dia de Ação de Graças e o fim do ano, têm sido uma tradição e uma salvação para as trupes, grandes e pequenas, de profissionais e amadoras. Mas agora, depois de dezenas de anos em que o clássico de Charles Dickens sustentou todos eles, este ano os teatros estão sustentando Dickens.

Jefferson Mays durante as filmagens de sua atuação individual no teatro United Palace. Foto: Amr Alfiky/The New York Times

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Acabaram-se as encenações extravagantes com grandes elencos que se apresentavam para os aplausos de multidões felizes em locais lotados. Agora, os teatros estão usando todas as estratégias de redução de contágio aprimoradas durante a pandemia do coronavírus: representações em ambientes externos, produções para drive-in, teatro de rua, streaming, teatro de rádio e até mesmo um kit ‘faça você mesmo’, enviado pelo correio. Muitos destes teatros estão apresentando de bom grado este espetáculo há muito tempo lucrativo ainda que com prejuízo.

Eles estão ansiosos por criar, determinados a continuar visíveis e a satisfazer os amantes dos imortais corais de Natal, que não querem perder um ano sequer. “É definitivamente uma obrigação, no melhor sentido da palavra”, disse Curt Columbus, o diretor artístico da Trinity Repertory Company, de Providence, Rhode Island, que encena Um Conto de Natal em todas as festas de fim de ano, desde 1977. “Hoje, esta história parece mais urgente, e mais necessária, do que todos os outros anos”.

Uma introdução para os que não saberiam distinguir um Catchit de um Fezziwig: Um Conto de Natal é uma história excepcionalmente duradoura, escrita por Charles Dickens e publicada em 1843, sobre a transformação, por meio de uma série de visitas fantasmagóricas, de um rico homem de negócios (Scrooge) mesquinho e avarento em uma pessoa carinhosa e caridosa. Por mais de duas décadas, o próprio Dickens fez inúmeras leituras da história, inclusive nos Estados Unidos, além da Grã-Bretanha, até a sua morte em 1870.

Ela foi repetidamente adaptada para o teatro e para o cinema, e a história, de uma forma ou de outra, tem constituído uma peça fundamental de temporada no teatro regional americano, desde os anos 1970. No ano passado, chegou à Broadway uma adaptação elogiada pela crítica do teatro Old Vic de Londres; este ano, será passada em livestream de Londres, totalmente encenada, mas sem público.

Um Conto de Natal faz tudo aquilo de que falamos quando falamos de teatro: ela cria uma comunidade, e nos leva a buscar o que há de melhor em nós”, disse Joseph Haj, o diretor artístico do Guthrie Theater de Minneapolis, que encena a história desde 1975, e no ano passado vendeu 57,9 mil ingressos para o espetáculo.

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Este ano, o Guthrie mostrará em streaming uma releitura feita por quatro atores. Custará US$ 10 para assistir e será gratuita para as escolas. Haj não espera ganhar dinheiro com isto. Nem Leda Hoffman, a diretora artística da Contemporary American Theatre Company de Colombus, Ohio, que a US$ 20 por aparelho, apresentará em streaming uma versão contemporânea com Ebony Scrooge no centro da história.

“Muito provavelmente este será um propósito perdido, mas nós estamos contando a história porque queremos contá-la”, ela disse. As implicações financeiras são enormes, principalmente para os que optaram por não cobrar absolutamente nada. No ano passado, o Ford’s Theatre de Washington vendeu US$2,5 milhões em ingressos para Um Conto de Natal. Este ano, está lançando uma versão grátis em áudio no seu site e na rádio pública, paga por patrocínios de empresas e doações. “Esperamos que ela volte para nós de outras maneiras”, disse Paul R. Tetreault, o diretor do Ford’s.

Jefferson Mays durante as filmagens de sua performance solo de 'Uma Canção de Natal'em Nova York. Foto: Amr Alfiky/The New York Times

O dinheiro que Um Conto de Natal em geral costuma trazer permite que os teatros realizem trabalhos mais desafiadores em outros momentos do ano.

Em Raleigh, Carolina do Norte, onde Ira David Wood III, o diretor artístico e executivo do Theatre in the Park, apresenta Scrooge em uma adaptação musical desde 1974 (só faltou um ano, quando ele foi submetido a uma operação de coração aberto), o dinheiro ganho com o espetáculo nas festas de fim de ano “nos permite fazer Uncle Vanya e exibi-la para, quem sabe, 12 pessoas”, afirmou.

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Como muitos grandes teatros regionais, o Trinity Rep de Providence depende enormemente do espetáculo, que representa a metade de todas as vendas do ano. Este ano, sua versão em streaming de uma hora de duração parece ainda popular – nas primeiras 72 horas, 75 mil pessoas de 46 estados se inscreveram para assistir.

Mas a receita dos ingressos, que no ano passado chegou a US$ 1,7 milhão ou pouco mais, será zero, porque o vídeo está indo ao ar gratuitamente. “Esta peça permite que os teatros americanos sobrevivam há dezenas de anos”, afirmou Charles Fee, diretor artístico e de produção do Great Lakes Theater de Cleveland. “Sem Um Conto de Natal a nossa companhia quase certamente teria falido”.

As apresentações de 2020 estão ocorrendo de todas as versões imagináveis, embora raramente na tradicional. Um importante teatro regional que ainda esperava encenar uma produção no teatro - o American Shakespeare Center de Virginia – cancelou todas as apresentações ao vivo e as substituiu por opções digitais, em razão da pandemia.

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As produções ao vivo em locais externos estão exigindo o distanciamento social e máscaras. “Obviamente, nós compreendemos a gravidade de tentar fazer algo neste momento, e estamos em um perpetuo estado de ansiedade”, falou Christopher Brazelton, diretor executivo do Elm Street Cultural Arts Village de Woodstock, Georgia, que planeja uma breve versão de concerto ao ar livre do seu musical anual Um Conto de Natal.

O Alliance Theatre de Atlanta optou por uma “peça radiofônica ao vivo” para drive-in, em um estacionamento em frente a um estádio de futebol americano universitário. Quatro atores ficarão em contêineres separados, e os espectadores serão convidados a tocar as suas buzinas, acender os faróis e a cantar juntos canções de Natal.

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E o St. Louis Shakespeare Festival convidou os PaintedBlack STL, uma associação de artistas pretos locais, para criar cenas de Um Conto de Natal em 21 vitrinas de lojas ao redor do Central West End da cidade, enquanto os clientes circulam de vitrine em vitrine, examinando um código QR que permite ouvir a história cantada por um grupo de hip-hop, o Q Brothers Collective.

Nas noites de fim de semana, haverá atores vivos ao longo do percurso. As soluções mais populares são versões do novo normal – streaming, em Milwaukee e Houston, por exemplo, e pelo rádio, em cidades como Chicago, São Francisco e Louisville, Kentucky. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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