Eles encontraram uma forma de limitar o poder dos gigantes da tecnologia: usar o modelo do Bitcoin

Empresas inspiradas na criptomoeda estão criando redes sociais, armazenando conteúdo on-line e hospedando sites sem qualquer autoridade central

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Por Nathaniel Popper
Atualização:

SÃO FRANCISCO - Jack Dorsey, CEO do Twitter, teve dificuldades em janeiro com a questão de se seu serviço de mídia social havia exercido muito poder ao excluir a conta de Donald Trump. Dorsey se perguntou em voz alta se a solução para esse desequilíbrio de poder seria uma nova tecnologia inspirada na criptomoeda Bitcoin.

Quando o YouTube e o Facebook barraram dezenas de milhares de apoiadores de Trump e supremacistas brancos, muitos migraram para aplicativos alternativos, como LBRY, Minds e Sessions. O que esses sites tinham em comum era que também eram inspirados no modelo do Bitcoin.

Ilustração de Daniel Savage/The New York Times 

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Os desdobramentos idênticos faziam parte de um movimento crescente de tecnólogos, investidores e usuários comuns para substituir alguns dos blocos de construção fundamentais da Internet de maneiras que seriam mais difíceis para gigantes da tecnologia como Facebook e Google controlar.

Para isso, eles estão cada vez mais focados nas novas ideias tecnológicas apresentadas pelo Bitcoin, que foi construído sobre uma rede on-line projetada, no nível mais básico, para descentralizar o poder.

Ao contrário de outros tipos de dinheiro digital, o Bitcoin é criado e movimentado não por um banco central ou instituição financeira, mas por uma ampla e diversa rede de computadores. É semelhante à maneira como a Wikipedia é editada por qualquer pessoa que deseja ajudar, em vez de uma única editora. Essa tecnologia por trás dele é chamada de blockchain, uma referência ao livro-razão compartilhado no qual todos os registros do Bitcoin são mantidos.

As empresas agora estão encontrando maneiras de usar blockchains e tecnologias semelhantes inspiradas por ela para criar redes de mídia social, armazenar conteúdo on-line e hospedar sites sem nenhuma autoridade central responsável. Isso torna muito mais difícil para qualquer governo ou empresa proibir contas ou excluir conteúdo.

Esses experimentos tornaram-se relevantes depois que as maiores empresas de tecnologia recentemente exerceram sua influência de maneiras que levantaram questões em relação ao seu poder.

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O Facebook e o Twitter impediram Trump de fazer publicações on-line após o tumulto no Capitólio em 6 de janeiro, dizendo que ele havia quebrado suas regras contra o incitamento à violência. Amazon, Apple e Google deixaram de trabalhar com o Parler, um site de rede social que se tornou popular entre a extrema direita, dizendo que o aplicativo não fez o suficiente para limitar o conteúdo violento.

Embora os liberais e oponentes do conteúdo tóxico elogiem as ações das empresas, elas foram criticadas por conservadores, estudiosos da Primeira Emenda e pela União Americana pelas Liberdades Civis por mostrar que entidades privadas podem decidir quem fica on-line e ou não.

“Mesmo que você concorde com as decisões específicas, nem por um segundo confio nas pessoas que estão tomando as decisões para tomar decisões universalmente boas”, disse Jeremy Kauffman, o fundador da LBRY, que fornece um serviço descentralizado para plataformas de streaming de vídeos.

Isso levou a uma correria por outras opções. Dezenas de startups agora oferecem alternativas aos serviços de hospedagem na web do Facebook, Twitter, YouTube e Amazon, tudo em cima de redes descentralizadas e registros compartilhados. Muitas ganharam milhões de novos usuários nas últimas semanas, de acordo com a empresa de dados SimilarWeb.

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“Esta é a maior onda que já vi”, disse Emmi Bevensee, cientista de dados e autora de The Decentralized Web of Hate (A teia descentralizada do ódio, em tradução livre), uma publicação sobre a mudança de grupos de direita para a tecnologia descentralizada. “Isso tem sido discutido em comunidades de nicho, mas agora estamos conversando com um público mais amplo em relação a como essas tecnologias emergentes podem impactar o mundo em escalas bastante grandes.”

O Bitcoin surgiu pela primeira vez em 2009. Seu criador, uma figura misteriosa conhecida como Satoshi Nakamoto, disse que sua ideia central era permitir que qualquer pessoa abrisse uma conta bancária digital e retivesse o dinheiro de uma forma que nenhum governo pudesse impedir ou regular.

Por vários anos, o Bitcoin ganhou pouca força além de um pequeno círculo de admiradores on-line e pessoas que queriam pagar por drogas ilegais on-line. Mas, à medida que seu preço subia com o tempo, mais pessoas no Vale do Silício perceberam as qualidades técnicas incomuns por trás da criptomoeda. Alguns prometeram que a tecnologia poderia ser usada para redesenhar tudo, desde acompanhamento de produção até jogos on-line.

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O falatório diminuiu ao longo dos anos, pois a tecnologia por trás provou ser lenta, sujeita a erros e não facilmente acessível. Porém, mais investimentos e tempo começaram a resultar em softwares que as pessoas podem realmente usar.

No ano passado, o Arweave, um projeto baseado em blockchain para armazenar e exibir sites permanentemente, criou um arquivo de sites e documentos dos protestos em Hong Kong que irritaram o governo chinês.

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Minds, um substituto para o Facebook baseado em blockchain fundado em 2015, também se tornou um lar na internet para algumas das personalidades de direita e neonazistas que foram expulsas das redes sociais convencionais, juntamente com grupos marginais, em outros países, que foram alvo de seus governos. Minds e outras startups semelhantes são financiadas por empresas de capital de risco famosas como Andreessen Horowitz e Union Square Ventures.

Um dos maiores defensores da tendência é Dorsey, 44 anos, que falou sobre a promessa de redes sociais descentralizadas por meio do Twitter e promoveu o Bitcoin por meio da outra empresa que dirige, a Square, uma provedora de tecnologia financeira.

Seu apoio público para Bitcoin e modelos relacionados a ele remonta há cerca de 2017. No final de 2019, Dorsey anunciou o Blue Sky, um projeto para desenvolver tecnologia que visa dar ao Twitter menos influência sobre quem pode ou não usar o serviço.

Depois de encerrar a conta de Trump em janeiro, Dorsey disse que contrataria uma equipe para o Blue Sky para lidar com seu desconforto com o poder do Twitter, seguindo a perspectiva estabelecida pelo Bitcoin. Na quinta-feira, o Blue Sky publicou as descobertas de uma força-tarefa que está considerando projetos em potencial.

O Twitter não permitiu que Dorsey desse uma entrevista, mas disse que pretendia "compartilhar mais em breve".

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Blockchains não são a única solução para quem busca alternativas ao poder dos gigantes da tecnologia. Muitas pessoas migraram recentemente para os aplicativos de mensagens criptografadas Signal e Telegram, que não precisam de um blockchain. Moxie Marlinspike, o criador do Signal, disse que a descentralização torna difícil construir um bom software.

Megan Squires, professora da Universidade Elon que estuda novas redes de computadores, disse que as redes baseadas em blockchain enfrentam obstáculos porque a tecnologia por trás delas torna difícil exercer qualquer controle sobre o conteúdo.

“Como tecnologia, é muito legal, mas você não pode simplesmente sentar e ser uma Poliana e pensar que todas as informações serão livres”, disse ela. “Haverá racistas e as pessoas vão atacar umas as outras. Vai ter de tudo. ”

Kauffman disse que a LBRY tinha se preparado para essas situações. Embora qualquer pessoa seja capaz de criar uma conta e registrar conteúdo no blockchain da LBRY que a empresa não pode excluir - semelhante à maneira que qualquer um pode criar um endereço de e-mail e enviar e-mails - a maioria das pessoas terá acesso aos vídeos por meio de um site a par de tudo. Isso permite que a LBRY aplique políticas de moderação, assim como o Google pode filtrar spam e conteúdo ilegal em e-mails, disse ele.

Mesmo assim, disse Kauffman, ninguém perderia o acesso básico à conversa on-line.

“Eu ficaria orgulhoso de quase qualquer tipo de voz marginalizada usando isso, não importa o quanto eu discorde dela”, disse ele. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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