Longe do Vale do Silício, o Exército é o cliente ideal

Apesar de se falar muito de uma relutância do setor de tecnologia a trabalhar com o Pentágono, as startups ainda mantêm vínculos fortes e, há décadas, com o Exército

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Por Cade Metz
Atualização:

SAN CLEMENTE, Califórnia - Acima das colinas pontuadas de arbustos nas costas do Sul da Califórnia, onde empresas contratadas da Defesa certa vez testaram foguetes e lasers para o programa de defesa de mísseis chamado Guerra nas Estrelas, do governo do presidente Ronald Reagan, o que parecia um enorme inseto mecânico perseguia uma picape branca.

A poucos quilômetros dali o jovem Palmer Luckey, de 28 anos, um dos mais orgulhosos iconoclastas do setor de tecnologia, falava empolgado sobre o potencial militar da máquina voadora, um drone chamado Ghost criado por sua startup, Anduril.

Brian Schimpf, presidente-executivo da Anduril, segura um drone Ghost em uma área de testes na Califórnia. Foto: Philip Cheung / The New York Times

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“Você pode apenas programá-lo e ir fazer alguma outra coisa enquanto ele manobra”, afirmou.

Embora alguns setores do Vale do Silício venham se mantendo longe do Pentágono nos últimos anos, a empresa de Luckey, localizada a cerca de 640 quilômetros ao sul de Irvine, busca agressivamente realizar negócios com agências do governo e o Exército.

A Anduril é uma das inúmeras companhias jovens de tecnologia, muitas em locais distantes do Vale do Silício, que ignoram as preocupações sobre uma potencial militarização das suas criações, o que, nos últimos anos, provocou revoltas dos funcionários em companhias gigantes como Google e Microsoft.

Numa tarde recente, Luckey, vestido como se estivesse a caminho da praia, usando uma camisa estilo havaiano, shorts e chinelos, se juntou a outros funcionários da sua empresa no local de testes que possui perto de Camp Pendleton, uma unidade de treinamento da Marinha.

Quando o drone decolou e se precipitou entre as colinas, Luckey disse que ele rastrearia um objeto e capturar imagens detalhadas de uma área correspondente a sete campos de futebol. Usando muitas das tecnologias da inteligência artificial que sustentam os carros autônomos, os drones da Anduril conseguem identificar e monitorar veículos, pessoas e outros objetos autonomamente.

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Os drones não estão armados, mas podem ser usados na vigilância de bases ou reconhecimento. As mesmas tecnologias que permitem que um drone voe por si só também são usadas para identificação de alvos num campo de batalha.

Luckey, que vendeu sua empresa anterior, uma startup de realidade virtual chamada Oculus, para o Facebook por US$ 2 bilhões, ignora os questionamentos quanto a se as empresas de tecnologia devem trabalhar com o Exército e as comunidades de inteligência.

“Muitos engenheiros querem fazer engenharia. Querem realizarum projeto”, disse ele no momento em que tiros de artilharia ecoavam de um campo vizinho. “Muitas pessoas têm uma visão muito prática”.

O Exército e as agências de inteligência têm uma longa história de vínculos com laboratórios de pesquisa e empresas de tecnologia no Vale do Silício. A ARPANET, antecessora da Internet, foi fundada pelo Departamento da Defesa. David Packard, um dos fundadores da Hewlett-Packard, foi vice-secretário da Defesa durante o governo de Richard Nixon. A Oracle, uma das maiores companhias de software, começou como um código de programação de computador para a CIA.

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Mas a ideia de armas autônomas é uma questão controversa no Vale do Silício e nos últimos anos algumas pessoas do setor de tecnologia começaram a mostrar desconfiança do trabalho do governo.

E essa desconfiança aumentou em 2013 quando Edward Snowden, um funcionário terceirizado da Defesa, vazou documentos revelando a amplitude da espionagem dos americanos por parte dos serviços de inteligência, incluindo o monitoramento dos usuários de grandes empresas de Internet. Em 2018, Google se retirou de um projeto do Departamento da Defesa para desenvolver tecnologia de inteligência artificial depois de protestos dos funcionários da companhia.

Algumas empresas do Vale estabeleceram limites para a transformação de suas criações em armas. Mike Volpi, sócio da empresa de capital de risco Index Ventures, disse que a tecnologia de drones da Anduril o impressionou, mas que não investirá em uma companhia cuja tecnologia pode ser utilizada com armas.

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Palmer Luckey, fundador da Anduril, entre os equipamentos da área de testes de sua empresa. Embora muito tenha sido feito sobre a relutância de empresas de tecnologia em trabalhar com o Pentágono, startups ainda estão conectando os laços de décadas da indústria com eles. Foto: Philip Cheung / The New York Times

“Há muitas maneiras de ganhar dinheiro. Se uma empresa tem uma estratégia manifesta de atingir pessoas, não investiremos nela”.

Mas um grupo crescente de companhias de capital de risco pensam de modo diferente. A Anduril é patrocinada por várias conhecidas, incluindo o Founders Fund, criado pelo cofundador do PayPal, Peter Thiel; Andreessen Horowitz, e a General Catalyst.

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 “Temos os maiores especialistas em tecnologia do mundo no Vale do Silício”, disse Katherine Boyle, sócia da General Catalyst. “E precisamos realmente que o Vale trabalhe com Washington”.

Com um financiamento inicial do Founders Fund, a Anduril foi fundada em 2017 por vários antigos funcionários da Palantir, uma empresa financiada pelo Fundo que ajuda a coletar e analisar dados para o governo, e Luckey.

A Anduril escolheu Irvine, no coração do condado de Orange em parte por causa da proximidade com postos militares e em parte porque os fundadores queriam evitar a desconfiança crescente com o trabalho do Exército no Vale do Silício.

Mas nessas operações com drones, Luckey não está sozinho. Várias startups vêm desenvolvendo tecnologia similar para as forças armadas. A Shield AI, fundada por um antigo membro das forças de operações especiais da Marinha, tem sede em San Diego, não muito longe da Anduril. A Teal Drones, cujo fundador veio de um programa de estágio da empresa de Peter Thiel, está em Salt Lake City.

O Departamento da Defesa está sedento por pequenos drones que consigam rastrear e voar em prédios, zonas de combate e outras áreas perigosas com pouca ajuda de pilotos remotos. Os drones que voam autonomamente se tornarão uma parte importante de combates e outras atividades militares nos próximos anos, disse Mike Brown, diretor da Defense Innovation Unit, uma organização do Pentágono cujo objetivo é facilitar a cooperação entre o Exército e o setor de tecnologia.

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“Precisamos contar com fontes amistosas onde comprar”, afirmou.

Embora algumas startups afirmem que seus drones já vêm sendo usados pelo Exército, a tecnologia ainda está nos seus estágios iniciais de desenvolvimento. Mas há preocupações de que os sistemas de inteligência artificial, usados em conjunto com armas, possam corroer o papel da tomada de decisões por um humano durante um combate.

Indagadas se a sua tecnologia de drones pode ser usada junto com armas, algumas startups afirmam que sim. Esta será uma parte essencial dos esforços dos Estados Unidos para ficar no mesmo pé de igualdade com outros países. “Muitas pessoas acham que é parte do que o Exército faz”, disse Luckey.

Na sua sede, similar a um armazém, a Anduril vem desenvolvendo uma ampla série de tecnologias, incluindo torres com sensores que podem ser usadas como um “muro de fronteira virtual”. A Agência de Fiscalização Alfandegária e Proteção de Fronteiras já vem usando essas torres para monitorar trechos da fronteira ao sul no Texas e na Califórnia. E também examina a utilização do drone Ghost da Anduril para fins similares, disse Chris Brose, diretor de estratégias da companhia.

Segundo um porta-voz da Anduril, a companhia realizou apenas “voos de demonstração''. E não sabe dizer qual o custo dos seus drones.

Mas a Anduril - o nome da empresa foi inspirado em uma das espadas que aparecem na trilogia O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien - também fabrica drones para uso militar. Numa colina que dá vista para o local onde estava testando seus drones, Luckey e Brian Schimpf, diretor executivo da empresa, disseram que os drones foram usados pela Royal Marine da Grã-Bretanha e testados pelo Exército americano, mas não disse onde.

Os drones fornecerão vigilância para as bases militares e em torno delas, como fazem ao longo da fronteira mexicana. Luckey e Schimpf esperam que eles sejam usados também para reconhecimento e outros fins.

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“Você simplesmente ordena, ‘encontre determinada coisa. E é o que ele faz”, disse ele. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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