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Como seres vivos em nosso planeta sobreviveram à 'Terra Bola de Neve'?

Rochas enferrujadas que sobraram de algumas das eras glaciais mais extremas do nosso planeta sugerem um oásis de sobrevivência

Por Lucas Joel
Atualização:

Hoje, o mundo está se aquecendo. Mas desde cerca de 720 a 635 milhões de anos atrás, o planeta foi encapsulado durante as duas eras do gelo conhecidas como Terra Bola de Neve. O gelo cobriu a terra e o mar, dos polos aos trópicos. Naquela época, a vida estava nos oceanos, e o gelo ao alastrar-se sepultou aquela vida, privando-a do sol e da atmosfera.

“Foi o momento em que o termostato natural da Terra se quebrou”, disse Noah Planavsky, um biogeoquímico da Universidade de Yale. “A pergunta que todos se faziam era: como a vida conseguiu sair de tudo isto?” Na pesquisa publicada no mês passado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, Planovsky e seus colegas anunciaram a descoberta de oásis logo abaixo dos antigos lençóis de gelo que provavelmente ajudaram a vida a perseverar.

As rochas ricas em ferro do Vale da Morte, na Califórnia, se formaram no oceano durante duas eras do gelo conhecidas como a Terra Bola de Neve. Foto: Maxwell A. Lechte

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A Terra Bola de Neve chegou a um fim abrupto há mais de meio bilhão de anos, mas suas marcas ainda existem em lugares remotos do planeta. Em 2015, para chegar a um destes lugares, Max Lechte, um sedimentologista da Universidade de Melbourne na época, fez uma viagem de carro de 15 horas pelo interior da Austrália.

Ele percorreu montes feitos de rocha vermelha que se formaram nos oceanos durante a Terra Bola de Neve e retirou algumas amostras. Então, em 2015 e 2016, viajou para a Namíbia e para o Vale da Morte, na Califórnia, e encontrou mais rochas vermelhas que se formaram na mesma época.

A cor das rochas indicou para Lochte que eram ricas em ferro, o que significa que ficaram vermelhas por enferrujarem. Para que o ferro enferruje, é necessária a presença do oxigênio. Se as rochas de ferro embaixo desses antigos oceanos enferrujaram, eles continham oxigênio. E se havia oxigênio, formas de vida que respiravam oxigênio encontraram uma tábua de salvação.

“É a primeira evidência direta de ambientes marinhos ricos em oxigênio no período da Terra Bola de Neve”, disse Lechte, hoje pesquisador de pós-doutorado na Universidade McGill, no Canadá. Mas de que maneira o oxigênio chegou aos mares era um mistério. A atmosfera é uma das principais fontes de oxigênio para os oceanos, e como as camadas de gelo da Terra Bola de Neve eram gigantescos escudos, na água do mar não deveria existir o oxigênio.

Lechte e sua equipe descobriram que o ferro encontrado nas rochas que se formara nos oceanos abertos enferrujara muito menos do que o ferro das rochas formado perto da terra, exatamente onde as camadas de gelo deixaram os continentes e mergulharam nos oceanos.

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Hoje, embaixo dos lençóis de gelo da Antártida, correntes de água glacial fluem para o Oceano Meridional. Esta água é gelo derretido que pode ter bolhas de ar presas no seu interior, e estas bolhas podem acrescentar oxigênio às correntes derretidas. Na Terra Bola de Neve, explicou Planavsky, essas correntes carregadas de oxigênio fluíram nos oceanos ao redor das bordas dos continentes.

Paul Hoffman, um geólogo da Universidade Harvard que foi o pioneiro da hipótese da Terra Bola de Neve, acha que esta ideia de como o oxigênio conseguiu resistir nos oceanos tem força científica. Mas, acrescentou, se esta bomba de oxigênio foi o que contribuiu principalmente para a sobrevivência, ou não, de muitos seres vivos, ainda é uma questão que permanece em aberto. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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