Após migração dos maridos, mulheres assumem tarefas socialmente masculinizadas

Conscientes de que jamais veriam o dinheiro que os cônjuges prometeram enviar para casa, aos poucos elas trataram de ganhar dinheiro e tomar conta de grandes famílias

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Por Dionne Searcy
Atualização:

KOUTIA, SENEGAL– Anos se passaram desde que seu marido atravessou o mar em busca de trabalho na Europa. Deixada para trás, Khadijah Diagouraga labuta sozinha diariamente nos campos de amendoim do casal, lutando para sustentar uma família de 13 pessoas.

Quando a bomba de água da aldeia quebrou e a sua torneira secou, ela atrelou o burrico a um carrinho e começou a transportar água de um poço próximo. A sua disposição chocou este pequeno lugarejo conservador da região rural do Senegal. Conduzir animais é tarefa para homens, disseram os líderes da aldeia. “Uns homens me desprezam”, disse Khadijah. “Nem tomo conhecimento. O que me importa é trabalhar duro”.

Algumas mulheres assumiram trabalhos historicamente masculinos para sustentar as famílias. Pegando água em Koutia. Foto: Laura Boushnak / The New York Times

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Em toda a África Ocidental, as aldeias ficaram vazias com a saída dos maridos e dos filhos que não retornaram. As mulheres, conscientes de que jamais veriam o dinheiro que os maridos prometeram enviar para casa, aos poucos foram assumindo tarefas socialmente masculinizadas, e trataram de ganhar dinheiro e tomar conta de grandes famílias.

Em meados da década passada, os senegaleses estavam entre as dez maiores nacionalidades na Itália no pico da migração. Nos últimos anos, pelo menos 130 pessoas de Koutia e de algumas aldeias próximas morreram durante a viagem, informaram as autoridades locais.

A atração que a Europa exerce é evidente nas aldeias do Senegal. Entre os aglomerados de pobres casebres de tijolos de barro, há casas de cimento, algumas delas de dois andares. Todas foram pagas com o dinheiro enviado pelos migrantes.

O marido de Kadijah, Mohamed Diawara, partiu rumo à Europa há cinco anos. Cinco meses mais tarde, finalmente telefonou. Contou que estava na Itália, mas passara o inferno para chegar lá. Enviava o dinheiro – o equivalente a US$ 20. Um ano se passou antes que ele mandasse mais algum.

Algumas mulheres precisam obedecer às normas estabelecidas pelos anciãos que passam a mandar nas famílias enquanto os filhos estão no exterior. Em Magali, as esposas dos migrantes cultivam hortas juntas, compartilham da colheita e emprestam dinheiro entre si,  lideradas por Safy Diakhaby, de 28 anos, cujo marido partiu para a Europa há onze. “Se não nos ajudamos entre nós, vamos sofrer”, ensinou.

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Mas as esposas de muitos migrantes recorreram a doações, o que segundo dizem os anciãos, as mulheres preferem.

Habsatou Diallo mora em Koutia. Seu marido partiu para a Europa há seis anos, sem sequer se despedir. Agora, ela depende da ajuda do sogro. Khadijah pensou em pedir ajuda um dia, quando o sabão para lavar a roupa acabou e não tinha mais dinheiro para comprar. “A quem eu podia pedir ajuda?”, perguntou-se. “Fiquei furiosa. Então, pensei que era melhor eu me arranjar sozinha."

Atrelou o burro ao arado para arar e para buscar água. Com a colheita, começou a ganhar algum dinheiro, e abriu uma loja  para vender chá e sanduíches. Ouviu muitos comentários dos que assistiam à sua luta. Via que eles a olhavam surpresos. As mulheres deveriam depender da caridade, comentaram alguns homens. Outros afirmaram que ela não era forte o suficiente. Outros ainda diziam ter pena dela.

Recentemente, ela corria toda suada atrás do burro, querendo que ele puxasse os baldes de água de um poço profundo. Alguns dos jovens que restaram na aldeia sentavam à vontade na sombra, olhando. “Peço a Deus que a ajude a ver os frutos do seu trabalho”, afirmou Hamidou Diawara, de 19 anos. Estavam lá há horas sem fazer nada, acrescentou, sonhando em viajar para a Europa. / JAIME YAYA BARRY CONTRIBUIU PARA A REPORTAGEM

TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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