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Mudanças abruptas de Trump em relação ao Oriente Médio irritam aliados

Com um líder tido como imprevisível, reina a incerteza

Por David D. Kirkpatrick , Ben Hubbard e David M. Halbfinger
Atualização:

O surpreendente consentimento do presidente Donald Trump a incursão da Turquia no norte da Síria, este mês, abalou os aliados dos Estados Unidos - e não somente por ter sido uma traição a um leal parceiro. O que os alarmou ainda mais foi a absoluta imprevisibilidade de Trump.

Suas rápidas e inconsistentes mudanças de posicionamento em relação ao Oriente Médio têm injetado um novo elemento de caos na volátil região. Aliados ficam sem saber qual é, afinal, a posição americana, e se perguntam por quanto tempo ela será mantida.

O presidente Trump afirmou que está cumprindo sua promessa de retirar os EUA de conflitos no Oriente Médio. Foto: Doug Mills/The New York Times

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Formuladores de políticas anteriores eram claros quanto às suas intenções, afirmou Mowaffak al-Rubaie, um ex-conselheiro de segurança nacional iraquiano. “Essa sujeito é totalmente emotivo”, afirmou ele. “Sua política é imprevisível.”

As incertezas somente agravam as preocupações em relação à durabilidade do compromisso americano no Oriente Médio.

Presidentes americanos têm prometido há quase 15 anos reduzir a presença do país na região, irritando parceiros como Israel e os monarcas do Golfo Pérsico, que se fiam na proteção dos EUA. Mas poucos líderes americanos já tomaram - e revelaram - importantes decisões de política externa com a velocidade e o aparente improviso de Trump.

Analistas afirmam que muitos aliados estão agora preocupados com a possibilidade desse imprevisível comandante-em-chefe correr para uma saída diferente sem avisar.

A decisão dele de não interferir na incursão turca foi aparentemente tomada no calor do momento, durante um telefonema com o presidente turco. Isso abriu caminho para um feroz ataque turco contra a milícia liderada por curdos sírios, apoiada pelos Estados Unidos, que teve um papel fundamental na batalha terrestre pela retomada do território conquistado pelo Estado Islâmico. Atacar os curdos, por sua vez, pode favorecer o retorno do Estado Islâmico.

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Essa foi somente a mais recente de uma série de reviravoltas da política americana na região, incluindo outras duas ocorridas na Síria este ano. Em dezembro, Trump prometeu retirar do país o contingente inteiro de americanos, aproximadamente 2 mil soldados. Posteriormente, porém, mudou de ideia, retirando cerca de metade das forças.

Trump havia avisado que os Estados Unidos estavam "engatilhados" para uma ação militar contra o Irã. Mas, quando o Irã derrubou um drone de vigilância americano, em junho, ele mudou de ideia no último minuto e cancelou o plano de um ataque com mísseis.

Então, no mês passado, Trump denunciou o Irã por orquestrar um ataque contra instalações petrolíferas sauditas, mas se recusou a retaliar com uma ação militar.

Críticos afirmam que as políticas ziguezagueantes de Trump têm encorajado adversários regionais, irritado parceiros dos americanos e levando a Rússia e outros atores regionais a buscarem ampliar sua influência.

Forças especiais americanas no ano passado no norte da Síria. De acordo com um analista, “ninguém sabe mais o que fazer”, nem mesmo na Grã-Bretanha. Foto: Mauricio Lima para The New York Times

Michael Stephens, um estudioso do Royal United Services Institute, de Londres, afirmou: “A região está no caos porque um poder hegemônico parece não saber o que quer fazer e, com isso, ninguém mais sabe que rumo seguir.”

Até na Grã-Bretanha, um aliado próximo, “ninguém sabe mais o que fazer”, afirmou Stephens.

Trump insiste que está agindo com coerência e tem dito que está cumprindo a promessa de campanha de tirar seu país de conflitos no Oriente Médio. “Fui eleito para sair fora dessas guerras ridículas e intermináveis”, escreveu ele no Twitter.

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Para os críticos, os diferentes argumentos para suas decisões são lembretes de sua inconstância. Outros países estão se apressando para se adaptar à nova realidade.

“Muitos países em todo o Oriente Médio estão considerando agora grandes mudanças em seus planos estratégicos de defesa porque não veem mais os Estados Unidos como um aliado confiável”, afirmou Gamal Abdel Gawad Soltan, conselheiro do Centro de Estudos Estratégicos Al Ahram, do Cairo, que tem patrocínio estatal. “Será muito difícil convencer países do Oriente Médio que os EUA levam a sério o que dizem.”

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Desde que a presença militar dos EUA chegou ao ápice, com a invasão do Iraque, em 2003, todos os presidentes americanos tentaram diminuir o contingente militar na região.

O presidente Barack Obama tentou sair do Afeganistão, mas, em vez disso, elevou o número de soldados para tentar obter estabilidade suficiente para facilitar a retirada - uma estratégia que falhou em seu objetivo.

Ele retirou as tropas americanas do Iraque em 2011. Mas críticos afirmam que a retirada facilitou o surgimento do Estado Islâmico, que conquistou um enorme território entre o Iraque e a Síria, em 2014, fazendo com que os militares americanos retornassem.

Philip Gordon, membro do Council on Foreign Relations e coordenador do site "Obama White House", que possui os registros oficiais do governo do democrata, reconheceu que retirar os EUA do Oriente Médio tem se mostrado difícil. Mas ele disse que se admirou com o fato de o presidente Trump ter feito campanha prometendo tanto retirar o país do Oriente Médio quanto pressionar adversários regionais mais agressivamente. “Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo”, afirmou Gordon. E, no que tange as políticas de Trump em relação aos conflitos na Síria e com o Irã, “essa enorme contradição está voltando para assombrá-lo”. Steven Erlanger e David Sanger colaboraram com a reportagem.

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