SYDNEY, AUSTRÁLIA - A ilha de Tulagi serviu como quartel-general no Pacífico Sul para Grã-Bretanha, depois para o Japão e, durante a 2ª Guerra Mundial, seu porto de águas profundas era considerado uma preciosidade em termos militares. Agora, a China está avançando com planos para efetivamente assumir seu controle total.
Sob um sigiloso acordo firmado no mês passado com o governo provincial das Ilhas Salomão, uma empresa com sede em Pequim que mantém laços estreitos com o Partido Comunista Chinês garantiu exclusividade nos contratos de infraestrutura de toda a ilha de Tulagi e seu entorno.
O contrato de arrendamento chocou os habitantes de Tulagi e alarmou autoridades americanas, que consideram os arquipélagos do Pacífico Sul cruciais para conter a expansão da China e proteger importantes rotas comerciais marítimas. Esse é o mais recente exemplo da China usando promessas de prosperidade para perseguir suas aspirações globais - frequentemente direcionando dinheiro a governos e investindo em projetos locais de infraestrutura, que os críticos descrevem como armadilhas de dívida para nações em desenvolvimento.
“A geografia indica que essa é uma boa localização”, afirmou Anne-Marie Brady, professora especialista em política chinesa da Universidade de Canterbury, em Christchurch, Nova Zelândia. “A China está expandindo sua capacidade militar no Pacífico Sul e está procurando portos e aeroportos amistosos, como qualquer outra potência em ascensão anterior a ela.”
A região é rica em recursos naturais, e os investimentos da China têm provocado preocupações com a possibilidade desses projetos abrirem caminho para Pequim estabelecer uma presença militar por lá.
O contrato de arrendamento - de 75 anos, renovável - foi obtido pelo Grupo China Sam Enterprise, um conglomerado fundado em 1985 como um empreendimento estatal, de acordo com registros corporativos.
Assinado em 22 de setembro, o “acordo de cooperação estratégica”, obtido pelo The New York Times e verificado por duas pessoas com conhecimento do pacto, inclui cláusulas que determinam a criação de uma base de pesca, um centro de operações e “a construção de um aeroporto ou melhorias no equipamento existente”.
O documento também declara que o governo arrendará toda Tulagi e as ilhas do entorno, na província, para “uma zona econômica especial ou qualquer outra indústria que seja compatível com qualquer tipo de desenvolvimento”.
O governador provincial que assinou o acordo, Stanley Maniteva, disse a repórteres locais este mês que o acordo ainda não tinha sido completado. “Quero deixar claro que o acordo não tem o selo oficial da província, o que significa que não é oficial nem está formalizado ainda”, afirmou ele.
Mas muitos moradores de Tulagi, uma ilha com pouco mais de mil habitantes, estão interpretando a assinatura do documento como o acordo efetivo, e a indignação irrompeu rapidamente. “Eles não podem chegar e arrendar a ilha inteira dessa maneira”, afirmou Michael Salini, de 46 anos, dono de um negócio em Tulagi.
“Todos estão realmente assustados com a possibilidade da China transformar a ilha em uma base militar.”
Algumas autoridades dos EUA e das Ilhas Salomão ressaltaram que empresas e autoridades chinesas cultivam relações com políticos locais há anos, por meio de propinas e presentes. No país pobre, de 600 mil habitantes, não é necessário muito para alterar os rumos de um debate.
“O que me preocupa muito mais a respeito do novo envolvimento chinês no Pacífico, seja político ou econômico, é a maneira com que esse envolvimento está se realizando, sendo lubrificado por uma elite interesseira e corrupta”, afirmou Jonathan Pryke, especialista em ilhas do Pacífico pelo Instituto Lowy, em Sydney. Apesar de clientelismo e corrupção representarem um desafio há muito tempo, acrescentou ele, “esse envolvimento certamente os levou a um outro patamar”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL