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Controle chinês choca habitantes de ilha do Pacífico

Um contrato de arrendamento envolvendo Tulagi, uma das Ilhas Salomão, deixou alarmados seus moradores e autoridades americanas

Por Damien Cave
Atualização:

SYDNEY, AUSTRÁLIA - A ilha de Tulagi serviu como quartel-general no Pacífico Sul para Grã-Bretanha, depois para o Japão e, durante a 2ª Guerra Mundial, seu porto de águas profundas era considerado uma preciosidade em termos militares. Agora, a China está avançando com planos para efetivamente assumir seu controle total.

Sob um sigiloso acordo firmado no mês passado com o governo provincial das Ilhas Salomão, uma empresa com sede em Pequim que mantém laços estreitos com o Partido Comunista Chinês garantiu exclusividade nos contratos de infraestrutura de toda a ilha de Tulagi e seu entorno.

Algumas autoridades americanas veem os arquipélagos do Pacífico Sul como cruciais para conter as ambições expansionistas da China. Um barco nas águas próximas a Tulagi. Foto: Leon Schadeberg/Shutterstock

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O contrato de arrendamento chocou os habitantes de Tulagi e alarmou autoridades americanas, que consideram os arquipélagos do Pacífico Sul cruciais para conter a expansão da China e proteger importantes rotas comerciais marítimas. Esse é o mais recente exemplo da China usando promessas de prosperidade para perseguir suas aspirações globais - frequentemente direcionando dinheiro a governos e investindo em projetos locais de infraestrutura, que os críticos descrevem como armadilhas de dívida para nações em desenvolvimento.

“A geografia indica que essa é uma boa localização”, afirmou Anne-Marie Brady, professora especialista em política chinesa da Universidade de Canterbury, em Christchurch, Nova Zelândia. “A China está expandindo sua capacidade militar no Pacífico Sul e está procurando portos e aeroportos amistosos, como qualquer outra potência em ascensão anterior a ela.”

A região é rica em recursos naturais, e os investimentos da China têm provocado preocupações com a possibilidade desses projetos abrirem caminho para Pequim estabelecer uma presença militar por lá.

O contrato de arrendamento - de 75 anos, renovável - foi obtido pelo Grupo China Sam Enterprise, um conglomerado fundado em 1985 como um empreendimento estatal, de acordo com registros corporativos.

Uma empresa de Pequim garantiu exclusividade nos contratos de infraestrutura para o desenvolvimento de Tulagi - moradores temem que a ilha se torne uma instalação militar. Foto: Leon Schadeberg/Shutterstock

Assinado em 22 de setembro, o “acordo de cooperação estratégica”, obtido pelo The New York Times e verificado por duas pessoas com conhecimento do pacto, inclui cláusulas que determinam a criação de uma base de pesca, um centro de operações e “a construção de um aeroporto ou melhorias no equipamento existente”.

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O documento também declara que o governo arrendará toda Tulagi e as ilhas do entorno, na província, para “uma zona econômica especial ou qualquer outra indústria que seja compatível com qualquer tipo de desenvolvimento”.

O governador provincial que assinou o acordo, Stanley Maniteva, disse a repórteres locais este mês que o acordo ainda não tinha sido completado. “Quero deixar claro que o acordo não tem o selo oficial da província, o que significa que não é oficial nem está formalizado ainda”, afirmou ele.

Mas muitos moradores de Tulagi, uma ilha com pouco mais de mil habitantes, estão interpretando a assinatura do documento como o acordo efetivo, e a indignação irrompeu rapidamente. “Eles não podem chegar e arrendar a ilha inteira dessa maneira”, afirmou Michael Salini, de 46 anos, dono de um negócio em Tulagi.

“Todos estão realmente assustados com a possibilidade da China transformar a ilha em uma base militar.”

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Algumas autoridades dos EUA e das Ilhas Salomão ressaltaram que empresas e autoridades chinesas cultivam relações com políticos locais há anos, por meio de propinas e presentes. No país pobre, de 600 mil habitantes, não é necessário muito para alterar os rumos de um debate.

“O que me preocupa muito mais a respeito do novo envolvimento chinês no Pacífico, seja político ou econômico, é a maneira com que esse envolvimento está se realizando, sendo lubrificado por uma elite interesseira e corrupta”, afirmou Jonathan Pryke, especialista em ilhas do Pacífico pelo Instituto Lowy, em Sydney. Apesar de clientelismo e corrupção representarem um desafio há muito tempo, acrescentou ele, “esse envolvimento certamente os levou a um outro patamar”. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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