Turismo em Goa afasta hippies e atrai jovens da classe média indiana

Região passou a viver profundas transformações devido ao boom econômico da Índia

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Por Maria Abi-Habib
Atualização:

Quando os hippies viajavam por terra da Europa rumo à Índia, dezenas de anos atrás, Goa, um pequeno país, muitas vezes era o ponto final do caminho, e recebia em suas praias estes ocidentais que buscavam um lugar onde a vida fosse barata, as drogas abundantes e onde pudessem nadar nus.

“A atitude e a abertura dos goanos favoreceu o florescimento da cultura hippie”, observou Elisabeth Ramnacher, 58, uma alemã que chegou nos anos 1980 e agora é dona do café Villa Blanche. Mas a maior parte da comunidade original defensoras da contracultura desapareceu. Ela se tornou vítima da idade, do aumento do custo de vida e do fim da peregrinação hippie no final dos anos 1970, porque as guerras bloquearam sua rota.

Stafford Braganza, à direita, disse que Goa é menos tolerante com a chegada deste enorme fluxo de turistas de regiões conservadoras da Índia. Foto: Bryan Denton para The New York Times

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Então veio o golpe final, dizem os remanescentes da comunidade: há dez anos, o governo começou a reprimir o comércio informal que os hippies haviam criado para o seu sustento. Novo tipo de viajantes - jovens indianos que buscam este destino em verdadeiras multidões para comemorar suas festas de formatura ou dançar nos bares. Com a expansão da economia da Índia e o surgimento de uma classe média que mal existia há vinte anos, Goa, um enclave descontraído para ocidentais boêmios, tornou-se um destino de turismo em massa para indianos.

“Goa não é Goa”, disse David D’Souza, proprietário do Tito’s, que começou como um restaurante de praia em 1971, e agora é uma boate da moda ao ar livre. “Agora é Índia”. O conceito de férias é relativamente novo para muitos indianos, um produto da liberalização econômica e do subsequente boom dos últimos 30 anos.

Em um país de 1,3 bilhão habitantes, se apenas 1% da população ingressar na classe média, significará que mais 13 milhões de pessoas poderão viajar de férias. Uma família indiana de classe média típica ainda ganha muito menos do que o seu equivalente no Ocidente. É isto que orienta o turismo internamente, para lugares como Goa.

Todos os anos, os turistas costumam quintuplicar a população de 1,5 milhão de habitantes de Goa. Jagdeep Singh, da cidade de Chandigar, no norte do país, atribui ao crescimento do setor privado da Índia a possibilidade de ele se permitir férias como estas. “A minha família nunca saía de férias quando eu era menino”, ele disse. “Meu filho tem dois anos e estas são as suas segundas férias em Goa. Ele viu mais regiões da Índia do que os meus pais”.

Embora o turismo seja uma bênção para a economia local, nem todos estão satisfeitos com estas multidões. A maioria dos visitantes vem do norte conservador da Índia. Os goanos definem o próprio estilo de vida como “susegad”, para descrever a tranquila satisfação por viver aqui.

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Os moradores, e os visitantes mais permanentes, temem que o aumento de pessoas procedentes do norte mude a cultura tolerante de Goa. “Goa era um lugar onde se podia deixar o cabelo crescer, e as pessoas podiam ser como elas quisessem”, disse Stafford Braganza, 45, que é gay e cuja família é de Goa, mas atualmente vive e trabalha em Mumbai.

Embora a Suprema Corte da Índia tenha descriminalizado a homossexualidade no ano passado, Braganza disse que a presença de turistas indianos do norte faz com que ele se sinta menos livre. “Os goanos têm uma cultura peculiar de aceitação”, afirmou. “Mas agora vem muitos indianos de todas as partes, trazendo os costumes sociais de cidades conservadoras”.

Quando o mercado Anjuna era um bazar hippie, predominava o escambo, e não o dinheiro. Então, a comunidade de comerciantes hippies em grande parte desapareceu quando o governo começou a cobrar impostos e tornou obrigatória a aquisição de licenças para abrir um negócio.

Ainda se encontram os remanescentes do mercado hippie original, mas estes ambulantes dizem que não durarão muito tempo. “Os dias de piratas acabaram”, disse Michelle Antonio, 53, um comerciante brasileiro-italiano que vende artesanato e reside em Goa há 25 anos.

“Sim, tem havido repressão”, afirmou, mas ele não se mostrou ressentido por isto e, ao contrário, pareceu agradecido por estar trabalhando há tanto tempo aqui. “Nos nossos países, nós não costumamos receber tão bem os forasteiros”, acrescentou. “Nunca permitiríamos que as pessoas vivessem ‘susegad’ por tanto tempo assim”.

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