Empreendimento turístico testa preservação de Madri e reação à pandemia

O projeto Canalejas, um exemplo do crescimento da cidade como atração turística, foi inaugurado em meio a preocupações com a proteção do patrimônio cultural e aumento nos casos de coronavírus

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Por Raphael Minder
Atualização:

MADRI - No coração de Madri, as construtoras estão dando os retoques finais num dos projetos turísticos mais ambiciosos e luxuosos da capital espanhola. O complexo Canalejas – empreendimento com um preço estipulado em 600 milhões de euros, ou US$ 712 milhões – foi inaugurado este mês e abriga um hotel Four Seasons de cinco estrelas, uma galeria comercial e duas dúzias de lofts de luxo.

O projeto ilustra o crescimento de Madri como um hub do turismo europeu. Mas também virou um teste de sua capacidade de superar os efeitos da crise do coronavírus, no momento em que mais um aumento acentuado no número de casos desde o meio do ano traz Madri de volta para o centro da pandemia na Espanha.

Dentro do complexo Canalejas há sete grandes edifícios que já foram propriedades de bancos e seguradoras. Foto: Rafael Vargas/The New York Times

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Apesar da pressão adicional, os incorporadores estão avançando, na esperança de atrair visitantes para Canalejas, antiga localização do coração financeiro de Madri, o qual se mudou para os arredores da cidade desde o início deste século. Os sete grandes edifícios que foram unidos para formar o complexo Canalejas já pertenceram a bancos e seguradoras.

Alguns dos edifícios foram erguidos quando a Espanha ainda tinha um império colonial. Canalejas respondeu “não só à obrigação de preservar o patrimônio cultural desta cidade, mas também a um desejo claro de muitos turistas de sentir que estão desfrutando de edifícios clássicos, que vêm com muita história”, disse Carlos Lamela, o arquiteto-chefe do projeto durante uma visita ao local. As fachadas dos edifícios foram preservadas, disse Lamela, e 14 mil dos componentes internos originais foram mantidos ou reciclados, desde maçanetas e colunas de mármore até painéis de madeira das salas de reuniões.

Os hóspedes do hotel farão o check-in nos balcões que os correntistas usavam, e algumas das portas maciças que protegiam os cofres foram reutilizadas para decorar as passagens. O conjunto se desenvolveu no final do século 19 para ostentar o poder da Espanha, mas o mais impressionante de seus sete edifícios, na verdade, fez parte da expansão financeira de Nova York sobre a Europa. Inaugurado em 1891 e conhecido pelos moradores locais como El Palacio de La Equitativa, o prédio principal foi erguido pela Equitable Life Assurance, a seguradora americana.

Edward Rath, arquiteto da empresa, fora enviado numa viagem de seis meses pela Europa para garantir que suas subsidiárias tivessem edifícios dignos da sede da seguradora em Manhattan (que pegou fogo em 1912 e foi reconstruída três anos depois). O projeto final do edifício, que agora abrigará o hotel de luxo, foi obra do arquiteto José Grases Riera. Os bancos espanhóis foram se mudando de Canalejas, primeiro em direção à área norte da cidade e, mais recentemente, para seus arredores, uma mudança que foi acelerada por fusões.

O Banco Santander, por exemplo, derrubou as paredes entre dois dos edifícios Canalejas quando se fundiu com o Banco Central Hispano em 1999. Mas, cinco anos depois, o Santander transferiu seus funcionários para uma nova sede em estilo campus em Boadilla del Monte, vizinha a um campo de golfe num subúrbio arborizado, uma estratégia semelhante às mudanças corporativas realizadas nos Estados Unidos.

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“Eu realmente penso em Madri como uma das cidades mais americanas da Europa, em termos de seu modelo urbano, especialmente agora que muitas de nossas sedes corporativas se mudaram para os subúrbios”, disse José María Ezquiaga, professor de arquitetura e ex-presidente da associação que representa os arquitetos de Madri.

Uma elegante escada outrora usada por clientes dentro do hotel Four Seasons do complexo Canalejas, em Madrid. Foto: Maria Morenes/The New York Times

Ezquiaga disse que Madri também está seguindo o exemplo de cidades europeias, como Londres e Paris, que transformaram antigas zonas de negócios em locais de turismo. Outra comparação, disse ele, é a reforma do bairro em torno da antiga bolsa de valores de Amsterdã.

Ao mesmo tempo, parte da vizinhança de Canalejas, em particular a praça Puerta del Sol, também poderia ser comparada à Times Square de Nova York, “uma área que passou por altos e baixos, que as pessoas realmente evitavam quando eu era jovem, mas que agora foi consideravelmente ressuscitada”, disse Ezquiaga.

O projeto Canalejas foi apresentado pelas autoridades de Madri em 2013, pouco depois de o Grupo Villar Mir, um grupo de construtoras espanhol, ter concluído a compra dos edifícios. A propriedade mudou de mãos em 2017, quando uma empresa de investimento de propriedade de Mark Scheinberg, cofundador da empresa de jogos de azar on-line PokerStars, comprou 50% de Canalejas por 225 milhões de euros.

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Ao longo do caminho, o projeto sofreu atrasos e estouros de custos. Em 2015, uma política de extrema esquerda, Manuela Carmena, foi eleita prefeita de Madri, e uma de suas primeiras decisões foi suspender as licenças de construção para o projeto em meio a preocupações de que ele violasse as regras de proteção do patrimônio madrilenho. Depois de uma longa negociação, o Villar Mir concordou em encolher um pouco seu projeto.

No ano passado, as obras também obrigaram uma das principais linhas de metrô de Madri a fechar parcialmente por vários meses. As autoridades do metrô da cidade estão exigindo 1,2 milhão de euros em indenização dos proprietários do Canalejas pelos danos.

O projeto Canalejas é um acréscimo importante às ofertas turísticas de Madri e está em conformidade com as regulamentações espanholas para proteger o patrimônio, argumentou Ezquiaga, o professor de arquitetura. Mas ele reconheceu que “há exemplos de hotéis na Itália e em outros lugares onde fizeram mais para preservar a identidade do interior e, nesse sentido, acho que ainda falta um pouco de sensibilidade cultural na Espanha”.

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Lamela, o arquiteto do projeto, disse ser compreensível que um projeto de turismo tão vasto tenha gerado um debate tão intenso, mas também argumentou que era importante pensar no que teria acontecido com o Canalejas caso continuasse a ser um conjunto antigo de edifícios de bancos. “Sem um grande projeto de hotel, o futuro desses belos edifícios parecia muito complicado”, disse ele. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

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