Um presente para a filha: escrever 365 livros em um ano

Além de exercitar a criatividade, pai cria histórias para a filha de 1 ano e 8 meses para incentivar a leitura e 'vencer a violência e a ignorância' 

PUBLICIDADE

Por Damien Cave
Atualização:

EAGLEHAWK NECK, TASMÂNIA - Quando Matt Zurbo afundou no sofá para escrever a sua 282ª historinha infantil, havia trabalhado o dia todo em uma fazenda de ostras, brincara com a filha na praia, nadara nas águas gélidas, e preparara um banquete vegetariano. Era pouco depois das 10 da noite, e os seus olhos fechavam de sono. Mas não por muito tempo. Com a ajuda de um uísque e de uma balada venezuelana, ele terminou o conto sobre uma menina que adorava dançar, e o publicou online a 1h da madrugada. Restavam apenas 83 histórias para concluir o seu desafio de escrever 365 histórias em 365 dias.

“Quanto mais as crianças gostarem de histórias e amarem os livros, melhor o mundo será para minha filha", disse Zurbo. “A imaginação vence a violência e a ignorância, e sempre vencerá”, continuou. O desafio de Zurbo, que ele intitulou com o nome da filha de 20 meses, Cielo, é um estudo sobre criatividade.

Matt Zurbo já escreveu oito livros infantis, quatro romances e é o autor de uma história oral do futebol australiano. Foto: Peter Tarasiuk / The New York Times

PUBLICIDADE

Ele não é apenas um escritor com quatro romances publicados, uma história oral do futebol australiano e oito livros infantis. É também um aventureiro que leva uma vida dura, cujas mãos não conseguem fechar depois de 30 anos limpando trilhas e replantando florestas no interior australiano. Ele relaxa cuidando da fazenda de ostras ao amanhecer.

As histórias de Zurbo variam de temas alegres (Day 168: Bare Feet) a absurdos (Dia 144: Backwards With Billy Hanging), líricos (Dia 7: The World’s Smallest Sound) ou pessoais (Dia 133: For Cielo).Nenhuma delas foi publicada em papel impresso, e tampouco há um marketing por trás do seuprojeto. “Esta é toda a sua beleza”, afirmou Matt Ottley, que ilustrou livros infantis vencedores de prêmios, como Luke’s Way of Looking. “Em geral, flutua ali na rede. É como descobrir um exuberante jardim secreto cuja existência ninguém conhecia”.

É a criação de um homem que não tem formação superior, conhecido pelo reflorestamento do deserto e ocasionalmente por uma luta de boxe, o que torna tudo isto ainda mais espantoso. “É difícil perceber toda a dimensão da sensibilidade e da beleza poética de alguns dos seus textos”, avaliou Helen Chamberlin, editora de livros infantis australiana que trabalhou com Zurbo no seu livro ilustrado Moon de 2015. “Ele impressiona todos os que o conhecem como um diamante bruto”.

Matt Zurbo, de 52 anos, disse que o seu projeto de escrever 365 livros em um ano é um presente para Cielo, mas também não se importaria se um editor publicasse uma ou duas histórias. Nos últimos tempos, contou, tenta ser um bom pai, baseando-se no que o pai dele, ilustrador, e a mãe, decana do teatro de vanguarda de Melbourne, Pram Factory, fizeram por ele: instilar no filho o amor pela criatividade.

Quatro horas depois de publicar a história sobre a menina que dançava, ele estava na cozinha misturando as sobras do jantar com ovos, o almoço que levaria no trabalho. As histórias parecem surgir como ondas repentinas, mesmo enquanto trabalha. Zurbo disse que teve uma ideia inspirada pelo conto da menina que dançava do dia anterior. “Ela está dançando com um monstro que ninguém vê”, contou. “E o seu irmão, sem saber, faz o monstro rir”.

Publicidade

Algumas das histórias de Cielo brotam destas espécies de iterações. Mas muitas delas começam com pessoas que ele conheceu e com o que elas relatam a respeito dos seus filhos. Dia 102: The Best Skier in the World se baseia no filho de um amigo que quebrou a perna esquiando e precisa de alguma distração. Dia 209: Austin’s First Game é para Dave “Wally” Cusic, o capitão do time de futebol americano, os Dodges Ferry Sharks. Os contos são histórias pelo simples amor pelas histórias. Cielo, que é gratuito, é um projeto irrealista e incansável quanto o seu criador. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.