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Viúva do jornalista Jamal Khashoggi luta por justiça

Crítico ao governo da Arábia Saudita, Khashoggi foi morto dentro do consulado de seu país em Istambul

Por Carlotta Gall
Atualização:

ISTAMBUL - Durante dois dias, enquanto uma equipe da polícia e de funcionários forenses começava a investigação do assassinato de Jamal Khashoggi, sua noiva, Hatice Cengiz, aguardou em frente ao Consulado saudita, ignorando as afirmações sauditas de que ele havia saído do edifício.

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“Tentei fazer a coisa certa na medida do possível”, ela afirmou. “Mesmo que se tratasse de outra pessoa, um caminhoneiro por exemplo, teria feito a mesma investigação. Jamal foi morto por causa de suas convicções, e eu estou aqui defendendo sua mesma posição”.

Hatice falou com o secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, reuniu-se com o presidente Recep Tayyip Erdogan, da Turquia, concedeu uma longa entrevista à televisão e colaborou para o livro “Jamal Khashoggi: Life, Struggle and Secrets”. Arrasada pela dor e atacada online, ela deixou de aparecer em público. Agora, está mudando sua posição, determinada a encontrar respostase justiça por ele. “É um dever moral’, afirmou.

Seis meses depois, ela está lutando para manter seu caso aos olhos do público Foto: Erin Trieb / The New York Times

O corpo de Khashoggi nunca foi recuperado. As autoridades sauditas declararam que o dissidente havia sido estrangulado por agentes sauditas e, em seguida, esquartejado, mas muitas perguntas continuam sem resposta. Uma das principais é se o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman teria ordenado a operação. Cengiz, 37, foi um personagem inesperadoe tardio na vida e na morte do jornalista saudita.Eles mantiveram contato apenas por cinco meses, mas estavam prestes a casar e a se estabelecerem juntos quando ele foi assassinado.

Com seus quatro irmãos, ela pertence a uma família de classe média conservadora, e estudou em um seminário religioso na cidade turca de Bursa. A família posteriormente se mudou para Istambul. Seu pai, comerciante de utensílios de cozinha, era suficientemente abastado para mantê-la ao longo de sua formação acadêmica, que incluiu dois anos de estudos arábicos no Egito e um período em Omã, onde realizou a sua pesquisa para a tese de mestrado. Agora, ela prepara o doutorado sobre os países do Golfo Pérsico.

Conheceu Khashoggi em uma conferência em Istambul, em maio de 2018, quando assistia a um painel de discussões do qual Kashiggi fazia parte, e pediu uma entrevista com ele. Nunca a publicou, mas eles começaram a corresponder-se por e-mail. Em julho, voltaram a se encontrar em Istambul, e Khashoggi deixou claras as suas intenções. “Ele me disse que estava sozinho e infeliz. Fiquei bastante surpresa”, ela lembra. “Eu via um ser humano muito diferente”.

Os dois - ela com 36 anos, e ele com 59 - começaram um profundo relacionamento amoroso, com uma paixão comum pela política e pela justiça para o mundo árabe. Uma semana mais tarde, ele a pediu em casamento, e ela aceitou. “Não éramos mais crianças - éramos dois adultos, e imediatamente tivemos uma conversa racional sobre como poderíamos compartilhá-la”, contou.

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A relação foi intensa, principalmente porque Khashoggi atravessava um período conturbado no qual decidira romper com o seu país. Depois de uma longa carreira como leal partidário da monarquia saudita, ele tornara-se um dissidente. Mudara-se para os Estados Unidos um ano e meio antes, e começara a escrever uma coluna para o jornal “The Washington Post”. O pai de Hatice tinha dúvidas a respeto do seu casamento com Khashoggi por causa da diferença de idade, mas permitiu que ela decidisse. Apenas pediu a Khashoggi que comprasse um apartamenteo e fixasse residência.

Khashoggi comprou o apartamento, e, no dia 2 de outubro, o casal foi para o consulado saudita para obter os papéis que lhe permitiriam casar com Hatice. Os móveis chegariam dois dias mais tarde, ela disse. Hatice lembra o entusiasmo dele com a perspectiva da nova vida. “Ele dizia sempre: ‘A coisa mais certa da minha vida foi casar com você’”, ela disse. “’Ninguém me compreende como você’”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

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