Zuckerberg 'rouba' do Snapchat ideias para o Facebook

O executivo finalmente descobriu que é possível lucrar com a privacidade dos usuários

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Por Kara Swisher
Atualização:

Para os interessados em saber a razão do súbito interesse de Mark Zuckerberg na privacidade dos usuários, uma palavra me vem à mente: dados.

"Mark toma decisões com base nos dados, e não nos valores", disse uma pessoa informada a respeito do funcionamento interno do Facebook quando perguntei da guinada do diretor-executivo da empresa e da nova trajetória da indústria das redes sociais, que ele praticamente fundou.

O Snapchat descobriu há muito tempo que os usuários valorizam a própria privacidade. Foto: J. Emilio Flores/The New York Times

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Eu apostaria alto que Zuckerberg viu os mesmos dados que eu vi, indicando que o futuro não parece promissor para o aplicativo azul que o tornou poderoso, e agora se tornou inchado, repleto de notícias falsas, hackers russos e informações que talvez nem devessem ser compartilhadas, representando uma considerável vulnerabilidade para seu criador.

Esses números revelam que as redes sociais enfrentam um grande problema com os jovens, e já passou da hora de uma mudança para uma orientação mais voltada para a privacidade, algo que nunca fez parte de seu DNA, a não ser como uma eventual frase solta em alguma nota à imprensa.

Por mais que o Facebook sempre tenha insistido no sentido contrário, seu compromisso com a proteção das informações de seus usuários tem sido insuficiente, na melhor das hipóteses. Mas, agora, Zuckerberg publicou um texto em seu blog - sem ironias e quase nenhuma menção aos abusos de privacidade cometidos sob sua supervisão - anunciando que a empresa apostaria alto em mensagens privativas e comunicação protegida para seus bilhões de usuários. Uma premissa curiosamente parecida com a do Snapchat.

Ao longo dos anos, o Facebook incorporou muitas ideias do Snapchat, plataforma de mensagens efêmeras. Isso foi especialmente verdadeiro no caso do Instagram (pertencente ao Facebook), que lançou uma imitação quase completa do recurso Stories, do Snapchat, ao anunciar seu novíssimo… Instagram Stories! Em entrevista, o cofundador e ex-diretor-executivo do Instagram, Kevin Systrom, nem sequer tentou ocultar o fato. Disse admirar a criatividade de Evan Spiegel, fundador do Snapchat, e afirmou que emprestar uma boa ideia de aprimorá-la seria algo rotineiro no universo da tecnologia.

Talvez ele tenha razão. Mas, dessa vez, Zuckerberg está copiando muito mais, esboçando um negócio futuro muito parecido com o Snapchat, incorporando um pouco do chinês WeChat. E, claramente, muito diferente do Facebook.

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A grande novidade é que Zuckerberg parece ter finalmente compreendido que aplicativos de mensagens e redes sociais são duas coisas bem diferentes para os usuários.

Recentemente, vi alguns dados internos do Snapchat que deixaram isso claro. Eles mostravam que os anúncios do Snapchat alcançam entre o público de 13 a 24 anos mais usuários do que os anúncios no Facebook, Instagram e Messenger combinados. Entre o público de 13 a 17 anos, a diferença é ainda maior.

Está claro que o público mais jovem almejado pelo Facebook não está interessado em compartilhar nada com o público em geral por meio de seus posts. Se esse interesse existisse, por que Zuckerberg teria necessidade de fazer esse anúncio? Seria totalmente dispensável, já que a página do Facebook, repleta de anúncios, ainda rende muito dinheiro, e é muito mais difícil obter um lucro semelhante a partir de um negócio voltado para mensagens particulares.

Esse tem sido um dos problemas com o Snapchat, muito menor que o Facebook. Mas a ideia de Spiegel - as pessoas estariam muito mais preocupadas com a privacidade e não desejam que suas informações compartilhadas sejam vendidas - continua sendo fantástica. Agora Zuckerberg pode se colocar na posição de lucrar com ela.

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Isso posto, permita-me fazer uma comparação: Zuckerberg está para Bill Gates assim como Spiegel está para Steve Jobs. O fundador da Apple sempre teve visão e ideias melhores do que Gates. Mas a empresa passou muito tempo em dificuldades financeiras enquanto seu líder pressionava pelo alto nível de execução de seus conceitos de segurança, privacidade, design e simplicidade.

Gates, por outro lado, era um gênio menos qualificado na área de modelos de negócios e sistemas, e claramente compreendeu uma deprimente verdade: para a maioria dos consumidores, mais ou menos é bom o bastante.

É claro que a criatividade de Jobs triunfou, com o advento do iPod, logo seguido pelo iPhone, e o resto é história. Gates e seu segundo em comando na Microsoft, Steve Ballmer, fizeram pouco dos esforços da Apple até se verem obrigados a mudar de curso. Não funcionou. Alguém se lembra do Microsoft Zune? Pois é.

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Zuckerberg citou Gates como um de seus mentores, e obviamente aprendeu bastante com seu exemplo. Já demonstrou seu talento para mudanças de curso, afastando a empresa das plataformas desktop e transferindo-a para o celular em um dos feitos administrativos mais impressionantes da história da indústria da tecnologia.

E agora, isto: uma oportunidade de deixar para trás todas as dores de cabeça que acompanham a necessidade de administrar uma imensa plataforma pública. Como já comentei antes, o Facebook é como uma megalópole presidida por Zuckerberg. É difícil administrá-la, pois ele precisa de uma polícia eficiente e um sistema competente de coleta do lixo, e há maus elementos por toda parte. Por mais que o crescimento dessa cidade tenha sido impressionante, foi também mal administrado de formas que prejudicaram a sociedade.

Talvez o Facebook do futuro seja diferente. Isso seria muito positivo para o mundo, e fico feliz que Zuckerberg tenha aparentemente decidido que a melhor rota a ser seguida é aquela escolhida pelo Snapchat.

Uma das pessoas com quem conversei comparou Zuckerberg a um capitão que decidiu não afundar com um navio repleto de vazamentos graves: "Ele prefere pular para outro navio em vez de consertar o primeiro. E assim vai continuar".

Parece que não há muito a dizer além de: boa navegação, Mark.

Kara Swisher é editora contribuinte do site de notícias de tecnologia Recode e produtora do podcast Recode Decode e da Code Conference.

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