ANÁLISE-Com o Irã, Israel pode ter abandonado 'Doutrina Begin'

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Por DAN WILLIAMS
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Menachem Begin não estava brincando. Em 1981, o então primeiro-ministro israelense mobilizou oito caças F-16 para destruir um reator nuclear quase pronto no Iraque, que Israel acreditava que poderia produzir plutônio para armas atômicas. Begin diria depois que o ataque foi uma prova de que seu país "sob circunstância alguma permitirá ao inimigo desenvolver armas de destruição em massa contra o nosso povo". O episódio definiu uma estratégia conhecida como "Doutrina Begin", que pode ser resumida com a seguinte frase: "A melhor defesa é uma prevenção rigorosa". Mas a posição de Israel agora é mais comedida. Num exercício de defesa civil de dimensões inéditas, em junho, sirenes chamaram estudantes para abrigos, radares vasculharam os céus em busca de mísseis simulados por computador, e o gabinete do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu desceu ao sopé das colinas de Jerusalém para inaugurar um bunker nuclear, onde foi feita uma simulação de uma reunião de guerra. Por que um país que sempre prometeu impedir seus inimigos de obterem armas nucleares precisa de um bunker nuclear? A questão mostra uma nova e relutante moderação que discretamente se infiltrou nos últimos anos no processo decisório israelense, conforme as ameaças regionais se tornaram mais complexas e solaparam a aplicabilidade da força armada clássica. E em nenhum aspecto isso é mais sentido do que na posição do governo Netanyahu em relação ao Irã. Apesar das reiteradas negativas iranianas, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA, um órgão da ONU) deve declarar em um relatório nesta semana que a República Islâmica tem capacidade para desenvolver armas atômicas, segundo o jornal The Washington Post. Israel nunca descartou a possibilidade de um ataque preventivo ao Irã, mas essa hipótese se intensificou nestes dois anos sob o comando de Netanyahu - um ideólogo da direita, como Begin. Em outubro, o veterano analista Nahum Barnea insinuou, na capa do popular jornal Yedioth Ahronoth, que o governo estava preparando um ataque iminente. Dias depois, Netanyahu alertou para a "ameaça direta e pesada" representada pelo Irã, e na semana passada Israel testou um míssil. No mesmo dia, os militares afirmaram ter concluído exercícios aéreos na Sardenha, "praticando operações em uma vasta terra estrangeira". CAUTELA Tudo isso elimina o elemento-surpresa caso Israel esteja realmente planejando um ataque ao Irã. Mas não seria uma forma de chamar a atenção para o problema, na esperança de que os EUA ou alguma outra potência intervenham? Entrevistas com autoridades civis e militares nos últimos meses - a maioria sob anonimato - indicam que Israel prefere a cautela a um ataque unilateral contra o Irã. O país dedica tanta energia às estratégias defensivas quanto aos preparativos para um ataque. A circunspecção de Netanyahu é reveladora. Em 2005, como líder da oposição, ele disse à Rádio Israel que gostaria de "seguir o legado" de Begin no trato com o Irã, repetindo a "manobra ousada e corajosa" feita em 1981 contra o Iraque. Mas, como primeiro-ministro, ele se mostra menos explícito - não só em público, mas também nas reuniões a portas fechadas, a julgar pelos telegramas diplomáticos dos EUA divulgados em 2010 pelo site WikiLeaks. Em vez de agir por conta própria, Israel pede às potências mundiais que intensifiquem suas sanções contra o Irã, e aos EUA que ofereçam apoio a uma ação militar, que é vista como um último recurso. "A opção militar não é uma ameaça vazia, mas Israel não deve se apressar para liderá-la. Tudo deve ser comandado pelos Estados Unidos, e como último recurso", disse o vice-premiê Moshe Yaalon, ministro de Assuntos Estratégicos, à Rádio do Exército. O gabinete do primeiro-ministro não quis comentar diretamente se Netanyahu se sente subordinado à Doutrina Begin no trato com o Irã. Israel sabe há anos que um ataque ao Irã seria muito mais difícil do que o realizado contra o Iraque. O Irã é maior, mais distantes e, talvez por ter aprendido as lições do Iraque, construiu numerosas instalações fortificadas. Remover isso iria requerer uma campanha sustentada da força aérea israelense, acostumada a ataques precisos por meio do uso de tecnologia avançada. Além disso, o Irã tem guerrilhas aliadas no Líbano e na Faixa de Gaza, contra as quais Israel travou guerras custosas em 2006 e 2009. Num momento em que o governo Netanyahu enfrenta crescente isolamento -- o impasse com os palestinos se aprofunda, suas alianças com Turquia e Egito se enfraquecem --Israel admite que está relutante em seguir adiante contra o Irã.

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