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EUA perderão poder de influenciar o Iraque, diz especialista

Direção que iraquianos tomarem na política externa será determinante o equilíbrio no Oriente Médio

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Por Luiz Raatz
Atualização:

As eleições deste domingo no Iraque, as primeiras desde o anúncio da retirada americana para 2011, devem fortalecer os partidos xiitas, que venceram as eleições em 2005 após anos de domínio sunita sob a ditadura secular de Saddam Hussein. Para o professor Salem Nasser, da escola de direito da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo (FGV-SP), qualquer que seja o resultado das eleições, os EUA terão perdido muito de seu poder em influenciar os destinos do país. Veja a íntegra da entrevista:

 

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Qual papel terá o novo governo iraquiano em meio a retirada progressiva dos EUA do país? Que características deve ter este governo? Investir na pacificação, no combate a corrupção ou ampliar a oferta de recursos básicos?

 

Naturalmente, os iraquianos vão ocupando os espaços e as funções de que os Estados Unidos vão se retirando. Um novo governo, resultante do jogo de forças iraquianas, ainda que muito influenciado por atores externos, tentará substituir a sua visão de Iraque, tanto no que respeita a política interna quanto no que se refere a seu posicionamento internacional, àquela dos Estados Unidos. Tudo indica que, qualquer que seja o resultado das eleições, os Estados Unidos terão perdido muito de seu poder de influenciar os destinos do país. O Iraque é um país devastado por anos de sanções que se seguiram à primeira guerra do Iraque, pela guerra de 2003 e subsequente ocupação americana e pela violência sectária. É claro que incumbe a qualquer novo governo a pesada tarefa de atender as necessidades básicas da população. Também terá a incumbência de garantir algum grau de segurança. No entanto, justamente porque as necessidades da população são tantas e porque elas dependem tanto do governo para serem atendidas, este tende a assegurar seu futuro político controlando as benesses que pode distribuir.

 

Há risco de um boicote por parte dos sunitas? Qual a influência ao veto aos antigos partidários de Saddam?

 

O risco de boicote parece afastado, assim como parece reduzida hoje a influência de ex-partidários do Baath. O maior risco decorrente dos obstáculos às candidaturas desses políticos tidos por muito próximos do antigo regime é o de alienar parte da população sunita. Esta, por seus números, já não pode aspirar a governar o país, mas ainda pode, se insatisfeita, desestabilizar a paz política e social.

 

Os xiitas são favoritos? Como fraturas e divisões dentro dos partidos xiitas pode afetar uma coalizão?

 

Não parece haver dúvida de que aconteça o que acontecer, os xiitas governarão o Iraque e que o farão com o apoio dos curdos. É possível que, dependendo dos resultados, as divisões entre os diversos partidos com maioria xiita levem a arranjos diversos do poder no novo governo, mas talvez não resulte em nada mais radical. Basta observar, quanto a isso, dois fatos: o de que todos os partidos têm alguma participação de outros grupos que não o majoritário e, assim, os partidos xiitas não são compostos apenas de xiitas; e o fato de que praticamente todos os partidos participantes da eleição são liderados por políticos que hoje compõem o governo. Em poucas palavras, algum acordo geral se fará em que todos participarão de algum modo.

 

Como a onda de violência dos últimos meses pode afetar a eleição. Qual o papel político dos militantes ligados à Al-Qaeda no Iraque?

 

A violência provoca distúrbios no processo, mas não aparece como um obstáculo intransponível. Não penso que a Al-Qaeda tenha um papel de peso enquanto partícipe no processo político.

 

Qual seria o melhor cenário eleitoral para os EUA, uma vez que Obama cada vez mais foca seus esforços militares no Afeganistão?

 

O cenário eleitoral não variará muito. Haverá uma vitória de uma combinação entre xiitas e curdos e se formará um governo que não diferirá tanto do que está aí. A questão para a administração americana é o que acontecerá com o Iraque depois de sua saída. Mais especialmente, que direção tomará o Iraque na política regional agora que ficou claro que os americanos não atingiram os objetivos que buscavam ali.

 

Uma eventual derrota de Maliki poderia ampliar a influencia iraniana no Iraque? Como isso afetaria o equilíbrio de forças no Oriente Médio?

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É indiscutível que o Irã já tem enorme influência no Iraque. Ele pode ter maiores laços com alguns partidos ou atores, mas a sua influência permanecerá grande independentemente dos resultados das eleições que, de todo modo, como já dito, não devem variar muito. A penetração iraniana decorre muito naturalmente da geografia, dos laços religiosos, econômicos e do fato de ser hoje um vizinho com muito maior poder relativo. É claro, essa penetração vem também sendo cuidadosamente trabalhada pelo Irã, e os Estados Unidos tem tido pouco sucesso em frear esse processo. Por essas mesmas razões, a inquestionável influência iraniana e o relativo insucesso americano em fazer do Iraque um inquestionável aliado, a direção que o Iraque tomará na sua política externa será determinante para a compreensão do equilíbrio na região. Equilíbrio que, diga-se de passagem, tem pendido para o lado dos que se opõem às políticas americanas, ainda que não se possa falar de uma reversão total.

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