Os Estados Unidos aumentaram rapidamente sua ajuda ao Iêmen, país que consideram uma nova frente contra a Al-Qaeda. Mas uma das tarefas mais delicadas será administrar as relações com o presidente do Iêmen, Ali Abdullah Saleh, que empregou numerosos membros de sua família em cargos oficiais, e quer garantir que seu filho Ahmed o suceda na presidência, afirmam funcionários iemenitas, analistas e diplomatas ocidentais.
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Saleh, 67, é inteligente e espirituoso. Mas, nos dois últimos anos, dedicou menos tempo à administração das complicadas exigências tribais e regionais do frágil Iêmen e muito mais à tentativa de consolidar o poder de sua família, dizem os analistas. À medida que as receitas do petróleo do país se reduzem e Saleh dispõe de menos recursos para usar, o alcance do governo central está encolhendo - "o governo está praticamente aprisionado na capital", disse um diplomata ocidental de carreira em Sanaa.
Saleh apresenta para o governo Obama um problema muito comum no Afeganistão e no Paquistão. É muito favorável ao apoio americano, mas sua burocracia corrupta e ineficiente é bastante limitada. E sua disposição a fazer frente à Al-Qaeda, que ele não considera seu principal inimigo, é questionável.
O tumulto domina grande parte do país. As forças do governo mataram na segunda-feira dois militantes suspeitos de pertencerem à Al-Qaeda. Há mais uma onda de rebelião no norte e um crescente movimento secessionista no sul. Em importantes províncias onde se encontram os recursos fundamentais do petróleo e onde a Al-Qaeda é forte, na Península Arábica, tropas do governo e a polícia permanecem na maior parte em seus quartéis ou nas cidades. Fora das cidades, a ordem é mantida pelos chefes tribais, cuja lealdade constitui um problema complicado.
"Não se vê ninguém com o uniforme do governo em Abyan", disse Murad Zafir, um analista político iemenita, falando da província do sul. "Em grandes áreas do país não há eletricidade, água corrente e nem mesmo autoridade central".
A ajuda dos EUA era insignificante até o ano passado, e somente quando os serviços secretos americanos mostraram a Saleh que sua família estava se tornando alvo da Al-Qaeda, ele começou a levar a sério a ameaça de golpe, consideram diplomatas.
A eficiência da reação do governo a esta ameaça depende em grande parte da família de Saleh. Ahmed Saleh é o chefe da Guarda Republicana do Iêmen e das forças especiais do país.
Entre os sobrinhos do presidente - filhos de seu falecido irmão - estão Amar, vice-diretor de segurança nacional: Yahye, chefe das forças centrais de segurança e da unidade de contraterrorismo; e Tarek, chefe da Guarda Presidencial. O meio irmão do presidente é comandante da força aérea.
O fato de o Iêmen ser uma espécie de empresa familiar, que também enriqueceu, faz parte do problema, disse Zafir; a mesquita do presidente, a Mesquita Al-Saleh, foi concluída há quase dois anos e teria custado pelo menos US$ 120 milhões. "O presidente Saleh quer que seu filho seja o seu sucessor", ele disse. Para tanto, Saleh procurou consolidar o poder nas mãos da sua família, mas sua influência sobre os chefes tribais diminuiu, acrescenta.
Najeeb Saeed Ghanem, ex-ministro da Saúde, é membro do Parlamento pelo maior partido da oposição, o Islah, um partido islâmico com estreitos vínculos com os grupos tribais. "O que nos assusta é a dimensão da deterioração do regime e do seu controle sobre o país", afirmou.
Com a queda das receitas petrolíferas, Saleh foi obrigado a recorrer a aliados externos em busca de financiamento para a guerra no norte. No ano passado, a Arábia Saudita emprestou US$ 2 bilhões para cobrir o déficit orçamentário - quantia diante da qual parecem insignificantes os US$ 150 milhões em assistência à segurança que os EUA pedirão ao Congresso no exercício fiscal de 2010.
"Os sauditas compreendem", disse Ahmed M. al-Kibisi, um cientista político da Universidade de Sanaa, "que eles são o prêmio ambicionado para a Al-Qaeda, e o Iêmen é a plataforma".
Mas há empecilhos ao objetivo de Saleh de transferir o poder ao filho, quando não desafios diretos a ele próprio. Um dos seus principais aliados, quando ainda coronel em 1977, tomou o poder no norte, foi Ali Mohsen. Agora, ele é o comandante militar encarregado de esmagar a rebelião dos Houthi no norte. Os houthis são xiitas, e Mohsen é tido como religioso conservador sunita.
Saleh e Mohsen não são parentes e não são considerados rivais para a presidência. Mas Mohsen indicou que não é favorável à sucessão direta de Ahmed Saleh ao cargo máximo do país, disseram diplomatas e analistas. Mohsen acredita, segundo eles, que o jovem Saleh não possui a força e o carisma de seu pai e não conseguirá manter o país unido.
A tensão entre os dois antigos camaradas é visível nas críticas à condução da guerra no norte, e, às vezes, funcionários do governo se queixam de que Mohsen desencadeou um novo conflito com a ocupação ou a destruição das mesquitas e dos lugares sagrados dos houthis, e com a construção de mesquitas e escolas sunitas nessa região. Os partidários de Mohsen contra-argumentam que a guerra não teve o apoio total do governo central.
Saleh e seu filho enfrentam outro desafio interno apresentado pela próxima geração da poderosa família Ahmar, de sangue azul iemenita. O xeque Abdullah al-Ahmar foi o chefe da poderosa tribo Hashed, fundou o partido Islah e presidiu o Parlamento até vir a falecer, em dezembro de 2007. Um dos seus filhos, Hamid al-Ahmar, um empresário de pouco mais de 40 anos, agora é o presidente do Islah.
Saleh procurou manter-se próximo à família, particularmente deixando que Hamid al-Ahmar investisse em atividades muito lucrativas, como a principal empresa de telefonia móvel, a SabaFon, interesses petrolíferos e o Banco de Saba.
Mas em agosto, Hamid al-Ahmar deixou os iemenitas atônitos ao comparecer diante das câmeras da Al-Jazeera para dizer que o mandato de Saleh havia vencido há tempo, e pediu que ele deixasse o poder e não tentasse entronizar o filho. "Se Saleh quer que o povo do Iêmen permaneça ao seu lado contra a monarquia e defenda a unidade nacional, deve parar de procurar a volta da monarquia", declarou.
A possibilidade de os EUA administrarem com sucesso as ambições de Saleh e de sua família dependerá do sucesso ou do fracasso contra a Al-Qaeda.
"Washington deve trabalhar com o regime e por trás dele, independentemente dos seus erros, tentando ao mesmo tempo conduzir Saleh à reconciliação com seus adversários", disse um diplomata ocidental. "Mas temo que isto exija um grau de delicadeza que está acima da capacidade do Pentágono".