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Exorcizar jihadistas

Paris lança nova tentativa de reabilitar extremistas que retornaram à França

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Por Gilles Lapouge , Correspondente e Paris
Atualização:

Mossul e Raqqa, as capitais do Estado Islâmico no Iraque e na Síria, caíram. O presidente da França está satisfeito, e nós também. Mas Emmanuel Macron é inteligente demais para acreditar que isso seja o fim da crise. Na realidade, é mais uma metamorfose.

Em vídeo, jihadistas que disseram ter jurado lealdade ao líder do Estado Islâmico assumem autoria de ataque na Rússia Foto: REUTERS

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Pode-se indagar se as metástases desenvolvidas pelo EI no mundo inteiro não serão piores do que foi a ação conduzida com mão de ferro pelos frios ideólogos de Mossul e Raqqa. A jihad, ou guerra santa, sempre foi uma ideia alucinada, mas de uma alucinação administrada como um exército clássico, uma grande empresa. 

+ Raqqa, a ‘ex-capital’ dos jihadistas do Estado Islâmico na Síria

Com o fim desse império do mal, uma outra organização vai surgir – descentralizada, descartável, insaciável, um Estado sem Estado nem burocracia, sem território, impossível de localizar, com um exército de sonho e de pesadelo, que se dissipa ao ser destroçado, como as nuvens se dissipam depois da tempestade.

As forças de segurança europeias não foram concebidas para enfrentar essa ausência mutável, anônima, sem regras. Não sabem como combater o invisível, como encarcerar o vento. 

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Os recentes atentados desfechados em cidades europeias tendo caminhões como armas são impossíveis de se impedir. O Estado Islâmico em seguida se responsabilizava pelas ações, mas elas não haviam sido engendradas por seus estrategistas. Eram carnificinas de baixo custo concebidas e realizadas pelas “bases” jovens do EI. O Estado Islâmico limitava-se a reclamar a paternidade.

Com o fim do “território jihadista”, milhares de combatentes do EI deixaram ou estão deixando suas cidadelas do Oriente Médio para infectar o corpo já doente da Europa, muitos voltando a seus países de origem. Quantos deles são franceses? Os números oscilam. Milhares? Muitos milhares? E o que fazer com os que já foram presos? Isolá-los ou dispersá-los entre outros detentos, sob o risco de contaminá-los? 

Há uma experiência em andamento na França, ainda modesta e cercada de sigilo: um punhado de antigos jihadistas está em “processo de descontaminação”. 

Algo semelhante já fora tentado cerca de dois anos atrás pelo governo de François Hollande. Jihadistas veteranos e perigosos foram agrupados em prisões e submetidos a um programa de reeducação. Os monitores explicavam a eles que não se deve matar o semelhante. Para motivar os antigos assassinos, de tempos em tempos eles tinham de ouvir a Marselhesa, o hino nacional francês. Não deu muito certo.

A nova tentativa foi lançada há alguns meses, sob grande mistério, e envolve de início 14 jihadistas presos. O nome do projeto também é novo: Pesquisa e Intervenção sobre a Violência Extremista (Rive, na sigla francesa). Agora, em vez de serem reeducados em grupo, os jihadistas serão reabilitados individualmente, em lugares não revelados. Especialistas avaliam os fatores de risco de cada um para decidir se a reabilitação é possível, e qual o tratamento a ser empregado. 

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Ao contrário da experiência inicial, as pessoas não são voluntárias. É um juiz quem determina que participem do esquema, pelo prazo mínimo de um ano. A ameaça de volta à prisão paira sempre sobre os que não respeitarem as regras. O método poderá em breve ser aplicado a cerca de 50 pessoas. 

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Ao que se diz, os primeiros resultados são encorajadores. “Os 14 reabilitandos tomaram consciência de que sua radicalização era um problema” , disse uma fonte. É mesmo? Ainda há um longo caminho à frente. A meta dos educadores e psicólogos é “fazer com que essas pessoas tenham vontade de se reinserir na sociedade”. Ah, bom!

De qualquer modo, o assunto é terrível demais para ironias. O perigo que ameaça a Europa manda que tentemos de tudo. A nova experiência, além dos possíveis benefícios na reabilitação de jihadistas (será que um dia saberemos os resultados?), deveria ser vista como uma colaboração original para a psicologia e a criminologia. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ 

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