Análise: após paz com as Farc, Colômbia vive novo ciclo de violência com volta de chacinas

Desde o começo do ano, ONU registrou 33 casos; especialistas falam em nova fase do narcotráfico e promessas de paz descumpridas como causas

PUBLICIDADE

Foto do author Redação
Por Redação
Atualização:

BOGOTÁ - O acordo de paz com as Farc fez a violência recuar na Colômbia. Mas os recentes massacres trouxeram à tona o que os especialistas veem como um novo ciclo de violência, com uma explosão de grupos que se anteciparam ao Estado na reconquista de regiões abandonadas pela antiga guerrilha. 

Destroçado por quase seis décadas de luta armada interna, o país, que acreditava ter virado sua pior página com o desarmamento dos paramilitares (2006) e dos rebeldes marxistas (2017) despertou para uma nova realidade: a volta das chacinas ou homicídios de três ou mais pessoas em um único evento

Parentes de Yoimar Munoz, homem assassinado em agosto na área rural de El Tambo, em Cauca, carregam caixão Foto: Luis ROBAYO / AFP

PUBLICIDADE

Desde o dia 11 de agosto pelo menos 36 pessoas foram mortas por esquadrões que invadiram residências ou festas e levaram suas vítimas para depois abandonar seus corpos. São ataques em regiões remotas, que têm jovens civis entre suas vítimas. 

Só este ano, a ONU documentou 33 chacinas. Em 2019, foram registradas 36; em 2018, 29 e, em 2017, 11. "Estes (novos) massacres não respondem a uma lógica (ou) plano de um ator que esteja buscando ganhar terreno em nível nacional, respondem a dinâmicas muito mais locais", afirma Kyle Johnson, pesquisador da fundação Conflict Responses, à AFP. O especialista é enfático em que a violência na Colômbia é "um tema cíclico".

Outros analistas concordam com ele, advertindo para uma nova fase atravessada pelo narcotráfico, com uma violência mais fragmentada, promessas de paz descumpridas e questionamentos à estratégia de segurança.

Conheça alguns elementos-chave do novo fenômeno, que também matou centenas de ex-guerrilheiros e líderes sociais:

Narcotráfico

Publicidade

O governo do presidente Iván Duque vê a mão do narcotráfico na volta da violência. E propõe uma solução: o retorno das fumigações aéreas dos narcocultivos para tirar combustível dos grupos armados. Suspensas desde 2015, essas práticas são questionadas por camponeses que tiram seu sustento das plantações e ambientalistas que alegam múltiplos danos. 

A Colômbia interrompeu estes voos por recomendação internacional, que advertia que o glifosato é um herbicida potencialmente cancerígeno. Desde então, houve uma expansão recorde de plantios. 

Depois de cinco décadas de luta, o país continua sendo o principal produtor e fornecedor mundial da cocaína consumida nos Estados Unidos e na Europa. Mas este "não é o único motor da violência" na Colômbia, adverte Maria Alejandra Vélez, do Centro de Estudos de Segurança e Drogas da Universidade dos Andes. Somam-se a extorsão e o garimpo ilegal de ouro, cujos ganhos "superam os do narcotráfico", segundo a justiça.

Além disso, "não necessariamente o aumento de homicídios coincide com o aumento de cultivos de coca", diz a acadêmica. Entre 2010 e 2017 caíram os homicídios no país, enquanto cresciam os plantios nas fronteiras com o Equador e a Venezuela

Lucila Huila vela os corpos dos dois filhos mortos em uma chacina em El Tambo, no Departamento (Estado) de Cauca Foto: Luis ROBAYO / AFP

Novos atores

No começo deste século, as Farc e os paramilitares eram exércitos poderosos. Em sua luta, sobretudo os grupos de ultradireita, usaram os massacres para forçar os deslocamentos maciços e avançar sobre o adversário, enquanto gozavam de obediência social. 

Os massacres caíram muito com a desmobilização dos dois bandos. Mas depois disso surgiram novos grupos, menores, sem pretensões de suplantar o Estado, mas tirando proveito de sua reconquista tardia dos territórios. 

Publicidade

Sua ideia se concentra no controle dos narcocultivos e das rotas do tráfico e em alguns casos optando mais por aterrorizar do que conquistar as comunidades, segundo analistas. 

Hoje, operam o Exército de Libertação Nacional (ELN), última guerrilha reconhecida no país, o Clã do Golfo, remanescente dos paramilitares, e dissidências das Farc. Juntos, os três somam 7.600 membros que atuam em 240 dos 1.100 municípios colombianos, segundo a Fundação Paz e Reconciliação.

Camilo González, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento e a Paz, acredita que "em algumas zonas novos grupos estão entrando", sem um comando unificado. Estes últimos "são grupos degradados, instrumentos de máfias que estão aproveitando a situação da pandemia" do novo coronavírus para aumentar a pressão sobre a população, acrescenta.

E o Estado? 

A Colômbia tem quase 400 mil policiais e militares. A força pública conseguiu fazer recuarem as Farc, com ajuda dos Estados Unidos, antes de assinar a paz. Mas hoje, quando enfrenta uma investida de várias frentes, carece de estratégia contra "a violência nas áreas rurais", afirma Carlos Velásquez, coronel reformado e especialista da Universidade de La Sabana.

Enquanto a polícia se concentra na área urbana, o Exército age como uma "força letal e móvel", que realiza operações pontuais. "Precisamos de uma guarda rural que seja uma força permanente de controle e conquiste a confiança das pessoas", acrescenta.

Também, nesta crise de segurança, os especialistas apontam a descumprimentos ou atrasos nos acordos de paz com as Farc, que deviam impulsionar o desenvolvimento rural, a substituição voluntária dos narcocultivos e o combate aos sucessores dos paramilitares. / AFP

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.