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Após escândalos da Odebrecht, América Latina tem onda de ações anticorrupção

Pressão da sociedade civil após diversos casos que se espalharam por países da região leva governos a aprovarem reformas que já causam impacto político e eleitoral; analistas ressaltam que avanço será lento em razão de falhas institucionais

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Por Fernanda Simas
Atualização:

As iniciativas de governos da América Latina para responder aos recentes escândalos de corrupção já têm impacto político, mesmo sem a garantia de que serão aplicadas e reduzirão a prática do crime na região. “O avanço será lento, mas é importante que se avance. Temos muita debilidade institucional na América Latina, o sistema jurídico tem muita influência política, por exemplo”, afirma o analista político Raúl Ferro, do Centro para a Abertura e o Desenvolvimento da América Latina (Cadal). 

Argentinos pedem diante do Congresso levantamento de imunidade da senadora e ex-presidente Cristina Kirchner, acusada de envolvimento em esquema de suborno Foto: Marcos Brindicci / Reuters

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A corrupção na região não é novidade, mas desde 2016 a reação da sociedade civil pressiona governos a adotar mais medidas no sentido de frear a prática. “Desde então notamos um aumento no número de iniciativas legislativas para melhorar o sistema anticorrupção. Isso traz mais segurança para investidores estrangeiros, que percebem a cultura de governança corporativa presente nos mercados em que vão atuar”, explica o analista de risco político Thomaz Favaro, da Control Risks, citando como exemplo as mudanças na Argentina

Em 2016, o país aprovou a lei do arrependido, criando um sistema de delação premiada inspirado nas ações brasileiras com o caso Odebrecht. Em 2017, foi aprovada a responsabilização das empresas – antes apenas pessoas físicas eram punidas por corrupção. Neste ano, o Senado argentino aprovou a desapropriação de bens originados de corrupção – medida apoiada pelo bloco do presidente Mauricio Macri – e a Justiça decidiu que tais crimes serão imprescritíveis. 

Justamente na Argentina, onde hoje se investiga um dos maiores casos de corrupção, conhecido como “cadernos da propina”, o impacto político é nítido no bloco kirchnerista. “Há um efeito eleitoral. Cristina (Kirchner) tem apoio de cerca de 30% dos eleitores, mas é difícil passar disso, pois tem uma alta taxa de rejeição, já que os maiores escândalos de corrupção afetam ela e o governo do marido Néstor (morto em 2010)”, afirma Ferro. 

Para ele, no México a percepção de corrupção afetou a eleição presidencial diretamente. “Manuel López Obrador capitalizou bem isso e colou a corrupção na imagem de Enrique Peña Nieto. Obrador é um político antigo, mas conseguiu instalar a ideia de que era o novo na política e viria para pôr ordem na corrupção.”

Fator Justiça

“Os escândalos hoje têm mais visibilidade, mas resultados diferentes nos países”, explica Gaspard Estrada, diretor do Opalc, o Observatório da América Latina do Instituto de Estudos Políticos de Paris. “O sistema é muito frágil, até mesmo a parte do Judiciário, como vimos no Peru, em razão do envolvimento político.” 

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O ex-presidente do Peru Pedro Pablo Kuczynski renunciou este ano após a divulgação de vídeos nos quais deputados de sua base ofereciam dinheiro a outros deputados para evitar seu impeachment. “Há seis meses, o sistema judiciário foi muito elogiado por essas revelações. No entanto, agora se vê que também estava envolvido em corrupção”, afirma Estrada. 

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No início de julho, o caso das gravações de juízes negociando as sentenças de acusados ganhou da imprensa peruana o nome de Lava Juiz, em alusão à Lava Jato no Brasil. O ministro da Justiça, o presidente do Supremo Tribunal e o presidente do Conselho da Judicatura, que nomeia os juízes e promotores, renunciaram. Em resposta ao escândalo, o presidente peruano, Martín Vizcarra, lançou uma reforma judicial e anunciou um referendo para legitimá-la. 

Com o anúncio do referendo sobre outras reformas, como a proibição da reeleição de congressistas, Vizcarra viu sua popularidade subir para 46%, enquanto o Parlamento peruano tem aprovação de 12% da população. “A corrupção é muito usada como ferramenta política no Peru. Na semana passada, por exemplo, voltou a pressão do fujimorismo pela renúncia de Vizcarra pela questão do aeroporto”, explica Ferro, referindo-se ao aeroporto perto de Cuzco, cujo contrato foi aprovado em 2016, quando Vizcarra era ministro dos Transportes.

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Para Estrada, a relação “promíscua” entre dinheiro e política está no centro dos casos de corrupção da região. “Para resolver, basta uma reforma no modo de financiamento das campanhas eleitorais. Não vejo na América Latina reformas que mudem isso”, argumenta. “Quando se tem um empresário com poder que dá dinheiro para uma campanha, é uma doação com interesses.” 

Na Colômbia, paz ainda é tema mais relevante

As medidas anticorrupção que estão sendo implementadas em países da América Latina, como Argentina e Peru, não serão suficientes para impedir a prática dos crimes se não houver vontade política para dar continuidade às ações. 

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Um exemplo disso é o que está ocorrendo atualmente na Colômbia, explica Gaspard Estrada. “O presidente (Iván) Duque apoiou a aprovação de um pacote anticorrupção, mas seu partido, o Centro Democrático, e o ex-presidente (Álvaro) Uribe tentaram boicotar.”

Neste mês, foi levado à consulta popular um pacote de medidas que variavam do corte de salários à eliminação do benefício de prisão domiciliar a condenados por corrupção e obrigava os parlamentares a prestar contas e tornar público seu patrimônio. Mesmo com mais de 11 milhões de votos, o pacote não obteve o mínimo necessário para ser implementado. 

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Para Raúl Ferro, o fato de a votação não ter alcançado o mínimo necessário prova que o tema ainda não é o prioritário no país. “Os casos atuais (de corrupção) não são vistos com tanta preocupação como os antigos relacionados ao narcotráfico. A corrupção não foi central nas campanhas políticas, foi mais importante o processo de paz”, afirma, referindo-se ao acordo fechado entre o governo e as Farc. 

Agora, Duque e outros incentivadores do projeto vão tramitar as iniciativas pela via parlamentar, apesar da recusa histórica do Congresso em legislar contra tais práticas. “Pelo número expressivo de eleitores que foram às urnas nota-se que há uma força política para levar o projeto adiante no Congresso”, diz Estrada. 

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