Democratas decidem que Biden, por mais arriscado que seja, é a melhor aposta

Em três dias Joe Biden mudou de fracasso eleitoral para possível força imbatível no Partido Democrata

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Por Matt Flegenheimer
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A cena poderia não ter surpreendido há um ano: Joe Biden  elogiado pelos democratas como um homem decente e afável e companheiro da figura mais popular do partido, Barack Obama– acumulando vitórias nas primárias e tendo prazer em falar sobre isto. “Eles não chamam de Superterça por nada”, disse ele a seus apoiadores em Los Angeles, listando os Estados onde venceu para um público entusiasmado erguendo os punhos em sinal de vitória.

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Mas há uma semana o resultado seria quase impensável. Impelido por uma unidade intempestiva entre os democratas de centro-esquerda não afeitos a uma revolução política como a proposta por Bernie Sanders, em três dias Biden disparou, e de fracasso eleitoral surgiu como uma possível força imbatível. Ele demonstrou ter uma grande força entre negros e emergiu junto aos eleitores táticos que não apreciam muito Bernie Sanders e temem que sua indicação signifique mais quatro anos de governo Trump.

O desempenho de Biden incluiu vitórias decisivas em todo o Sul, uma vitória no Texas e triunfos em alguns lugares onde ele nem mesmo fez campanha à medida que a Superterça se aproximava, como Minnesota e Massachusetts, distrito eleitoral da senadora Elizabeth Warren. Essa demonstração de vigor deixou claro que a primária agora limitou a disputa a dois homens, Biden e Sanders, e que o primeiro encontro de Michael Bloomberg com os eleitores nacionais rendeu um retorno magro para um investimento financeiro colossal. 

Apesar de todos os tropeços de Biden – em Iowa, New Hampshire, nos debates, em seus próprios comícios – talvez tudo o que os eleitores precisavam era ouvi-lo proferir um discurso de vitória. E foi o que ocorreu no sábado na Carolina do Sul, onde pareceu que, temporariamente, ele conseguiu apagar uma preocupação latente que perdurou durante quase um ano quanto às probabilidades da sua candidatura.

Joe Biden, ex-vice-presidente dos Estados Unidos Foto: Frederic J. BROWN / AFP

Mas qualquer sugestão de que ele é uma opção sem riscos contradiz as evidências disponíveis. Ele não se mostra mais seguro diante de um microfone nem mais propenso a completar uma ideia sem exageros ou digressões confusas.

Como um homem de 77 anos, orgulhosamente obstinado, ele não adquiriu novos poderes de persuasão ou gestão nas 72 horas desde a primeira vitória estadual das suas três campanhas presidenciais. Na verdade, Biden desperdiçou suas chances anteriormente – como candidato do establishment e a última esperança dos moderados. Transformou suas vantagens iniciais em 2020 em doações decepcionantes, uma organização de campanha débil e um mau desempenho espantoso nas primárias iniciais.

Mas quando o mais importante prevaleceu, o julgamento veio rápido dos democratas avessos a Sanders. Ok, ficamos com ele. Os eleitores temerosos de Sanders provavelmente estão certos no sentido que Biden é a maneira mais simples de manter o democrata socialista longe da eleição. Eles podem estar certos de que Biden constitui o mais forte adversário contra Trump. O ex-vice-presidente é bastante admirado no partido pela maneira elegante com que enfrentou o luto na família e serviu o país ao lado de Barack Obama.

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Certamente Trump parece ter suas preferências. No ano passado ele sofreu um processo de impeachment depois de buscar ajuda da Ucrânia para prejudicar Biden. Nas últimas semana, pelo Twitter, ele fez elogios maliciosos a Sanders, parecendo ansioso para tê-lo como possível oponente.

Mas e se Trump estiver errado? E se cada autoridade eleita que se apressar para endossar a candidatura de Biden, depois de resistirem por um longo tempo, estiver errada também? A história recente de eleições no país, especialmente a de Trump, tem sido rude com relação ao senso comum.

O candidato democrata Joe Biden em Los Angeles, na Califórnia Foto: REUTERS/Elizabeth Frantz

Há algumas semanas apenas, alguns aliados de Biden especularam discretamente sobre como ele conseguiria encerrar sua campanha com dignidade. Agarrando-se muito à Carolina do Sul, e se retirando, como estadista, no caso de a Superterça Feira dar errado.

A mudança na sorte de Biden diz mais sobre o contexto desta primária do que o conteúdo da sua campanha. Seus concorrentes, incluindo Elizabeth Warren, o ex-prefeito Pete Buttigieg e a senadora Amy Klobuchar, todos tiveram dificuldade para se conectar com eleitores negros e latinos. Bloomberg fracassou no palco de debate quando saiu de trás da cortina de propaganda. E muitos no partido continuaram intranquilos com o tipo de esquerdismo pregado por Sanders. 

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Ainda assim é possível que os Estados que votaram na terça-feira continuem competitivos, à medida que sejam apurados os votos na Califórnia. Sanders continua muito popular em boa parte da legenda, mesmo que muitos não o considerem sua primeira opção.

Uma disputa Biden-Sanders é o cenário lógico para um debate ideológico mais importante do partido sobre o escopo e a ambição do governo – se Trump é um sintoma dos males antigos da nação ou uma “anomalia”, como Biden sugeriu e cuja remoção deve ser a principal prioridade do partido.

Os dois concorrentes são produtos da mesma era, moldados por forças diferentes dentro dela. Sanders se tornou um político de esquerda guiado por uma missão, fascinado por governos socialistas e comunistas no exterior e a luta pela classe trabalhadora em seu país. Biden preferiu um enfoque mais dentro do sistema, tornando-se senador aos 29 anos e admitindo sua distância dos instintos ativistas de muitos contemporâneos. “Visto casacos esportivos”, disse ele a jornalistas ao explicar seu envolvimento limitado no fervor antiguerra. “Não fiz parte disso”.

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Esse comentário foi feito quando Biden tentou a indicação democrata para disputar a presidência em 1988. Sanders concorreu a uma vaga no Senado naquele ano. Ambos perderam. E ambos tentaram novamente.

Por mais de duas décadas os dois atuaram em Washington, reunindo um histórico de votações e projetos que, desde então, com frequência, os manteve separados. Sanders disse que lamenta ter votado a favor de algumas leis sobre armas. Biden enfrentou duras críticas, incluindo de Sanders, por seu voto autorizando o uso da força militar no Iraque, entre outras decisões.

O currículo de ambos convenceu alguns estrategistas de que os dois candidatos são vulneráveis. Mas suas campanhas não veem as coisas dessa maneira. “Sempre achei que essa disputa seria entre dois titãs, Bernie e Biden”, disse Ro Khanna, congressista da Califórnia e que trabalha na campanha de Sanders. “Estranho que não seja a percepção comum”.

No ano passado, resultados alternativos eram difíceis de se imaginar. Havia candidatos de perfis bem diferentes, incluindo uma meia dúzia só de Estados da Superterça e inúmeras caras novas como a senadora Kamala Harrris e o ex-deputado Beto O’Rourke.

Sanders, com frequência, era descartado como um candidato de facção e uma repetição de 2016 mesmo antes do infarto que sofreu no ano passado. Biden era retratado como um concorrente apagado fora de compasso com os dias atuais. “Você não pode retornar ao fim do governo Obama e achar que isso é bom”, afirmou O’Rourke em junho passado, dizendo que Biden era uma volta ao passado. “Acho que Biden está decaindo”, continuou Tim Ryan, congressista de Ohio, que na época se candidatou à nomeação democrata. “Não acho que ele tem energia. E você vê isto diariamente”.

Os dois homens agora endossaram a campanha de Biden. Outros rivais que desistiram no caminho, como Buttigieg e Klobuchar, fizeram o mesmo. Sanders tem uma teoria sobre tudo isto. “Há um esforço maciço para tentar parar Bernie Sanders. Isso não é segredo para ninguém neste salão”, pontuou ele a jornalistas na segunda-feira. “Então por que eu me surpreenderia com os políticos do establishment se unindo?”. 

Naturalmente, política tem a ver com opções e os democratas repentinamente têm poucas, mesmo que alguns candidatos remanescentes tenham surgido e estão sendo negligenciados.

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Tanto Warren como Bloomberg de fato admitiram que o seu único caminho para a indicação do partido é uma convenção neste verão. O que não conteve nenhum dos dois de perseverar até agora. Na Califórnia, na segunda-feira, Elizabeth Warren afirmou que “não importa quantos insiders em Washington digam para você apoiar Biden, “indicar o amigo deles não vai atender a este momento”.

Bloomberg, mostrando-se cansado na terça-feira com perguntas se a sua candidatura estaria ajudando Sanders, colocou a questão ao inverso: “Por que eles não se unem em torno do meu nome?”, questionou, referindo-se aos moderados durante uma parada na Flórida. No fim do dia, ele teve a resposta. Eles se decidiram a favor de outro candidato. / Tradução de Terezinha Martino

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