PUBLICIDADE

Deputada democrata quer vetar ajuda militar ao Brasil como aliado na Otan

Deb Haaland planeja buscar apoio na Câmara dos Deputados dos EUA para para esvaziar a designação dada pelo governo Trump ao Brasil de aliado preferencial fora da OTAN

Foto do author Beatriz Bulla
Por Beatriz Bulla ,  CORRESPONDENTE e WASHINGTON  
Atualização:

Uma deputada americana do Partido Democrata tenta buscar apoio dentro da Câmara para esvaziar a designação dada pelo governo Trump ao Brasil de aliado preferencial fora da OTAN - a Organização do Tratado do Atlântico Norte.

PUBLICIDADE

A democrata Deb Haaland planeja propor nas próximas semanas uma emenda à lei de orçamento de defesa americana para bloquear eventuais recursos de defesa que possam estar envolvidos na parceria com o governo Bolsonaro.

No esboço do documento, ao qual o Estadão teve acesso, a parlamentar afirma que o presidente Jair Bolsonaro está deixando "embaçada" a linha de separação entre a parte civil de seu governo e os militares, o que colocaria o Brasil "de volta para a direção de uma ordem militar".

Bolsonaro e Trump nos jardins da Casa Branca 

O status de aliado preferencial extra-Otan facilitaria o acesso do Brasil a armamento americano, entre outras vantagens. Somente 17 países estão nesta categoria, entre eles a Argentina, Tunísia, Jordânia e Marrocos. 

Atualmente, a adesão à Otan é limitada a países da Europa e da América do Norte, embora países parceiros incluam AustráliaNova Zelândia, assim como Suécia e Finlândia.

"Mesmo depois de ter sido diagnosticado com Covid-19, Bolsonaro falha em levar o vírus a sério e está diretamente mirando comunidades indígenas vulneráveis ao falhar em prover a essas comunidades recursos fundamentais para enfrentar a pandemia. É um ataque aos direitos humanos. Os EUA não deveriam se alinhar com um líder que coloca sua população em risco, destrói o meio ambiente e viola os direitos humanos", afirmou Haaland ao Estadão, por e-mail. "Eu vou apresentar nas próximas semanas uma emenda à lei de defesa que irá revogar a designação do Brasil como um aliado preferencial extra-OTAN", afirmou a deputada.

Nova tentativa de bloqueio

Publicidade

Haaland é a primeira indígena americana a se eleger para o Congresso dos EUA e tem sido uma das vozes críticas ao governo Bolsonaro no Capitólio.

No ano passado, ela chegou a pedir no plenário apoio para uma emenda semelhante, com a justificativa de que havia sinais claros de que o governo Bolsonaro não estava comprometido com os direitos dos indígenas. A emenda, no entanto, não foi apresentada formalmente. 

 Agora, associações que subscrevem o pedido argumentam que há clima na Câmara para avançar com uma proposta que tente esvaziar a parceria entre os governos Trump e Bolsonaro.

O sinal teria sido a carta enviada no início de junho pela Comissão de Orçamento e Assuntos Tributários da Câmara dos EUA ao representante comercial do país, no qual 24 deputados do colegiado disseram se opor a um acordo comercial com o Brasil.

PUBLICIDADE

A Comissão de orçamento é considerada a mais importante da Câmara. No texto, assinado pelo presidente do colegiado, Richard Neal, os deputados afirmam queBolsonaro é "um líder que desconsidera o estado de direito e tem desmantelado árduo progresso nos direitos civis, humanos, ambientais e trabalhistas" no País.

Desde a eleição de Bolsonaro, uma ala do Partido Democrata tem organizado cartas de repúdio a manifestações do presidente brasileiro. A resistência ao governo Bolsonaro em Washington tem ganhado corpo no último ano e extrapolou o círculo dos parlamentares democratas mais progressistas. 

A designação do Brasil como um aliado preferencial fora da OTAN foi uma das vitórias anunciadas pelo governo brasileiro com a visita de Bolsonaro à Casa Branca, em março de 2019, quando o presidente conheceu o americano Donald Trump.

Publicidade

O status é dado a países considerados aliados estratégicos no setor de defesa dos EUA. A ala militar brasileira comemorou a designação, como uma forma de facilitar a transferência de tecnologia e torna o país um comprador preferencial de equipamentos e tecnologias militares americanas.

O Departamento de Estado define a designação como aliado fora da OTAN como um "símbolo poderoso da relação próxima que os EUA compartilham com esses países e demonstra respeito pela amizade" com estes países. O governo americano afirma ainda que o status dá privilégios "militares e econômicos" aos aliados. 

Bloquear previlégios ao Brasil

 A proposta de Haaland é bloquear qualquer privilégio econômico que o Brasil possa ter com a designação, através do bloqueio de recursos no orçamento.

Não está claro no texto, no entanto, como a ideia de transferência de tecnologia ou facilidade no mercado de armamento, por exemplo, poderia ser afetada por uma emenda como esta. Nos bastidores, a apresentação da emenda é vista como mais uma forma de marcar posição sobre o governo Bolsonaro.

"A Lei de Defesa é uma das únicas que é aprovada todos os anos. Muitas leis não prosperam, mas essa sempre passa. Toda vez que um parlamentar quer fazer um movimento sobre política externa, faz através dessa lei. Uma das formas de fazer isso é bloquear o uso de recursos para determinados fins", afirma Erik Sperling, diretor executivo da organização Just Foreign Policy, uma das que subscreve a carta.Sperling foi assessor de dois deputados democratas, incluindo Ro Khanna, um democrata da Califórnia que tem assinado todas as últimas manifestações sobre Bolsonaro.

Segundo Sperling, Haaland não formalizou a emenda no ano passado pois percebeu que não teria o apoio do presidente do Comitê de Relações Exteriores, Eliot Engel. "Haaland decidiu ir em frente desta vez. Agora, ele (Engel) já escreveu cartas com crítica a Bolsonaro. Ele deve reconhecer que o Partido Democrata não está na mesma página que estava há um ano e pode não querer que a defesa do governo Bolsonaro seja seu legado", afirma Sperling. 

Publicidade

Nas eleições de novembro, Eliot Engel deve ser substituído na Câmara pelo progressista Jamaal Bowman, que venceu as primárias do Partido Democrata no distrito de Nova York representado por Engel.

O vice-presidente do Comitê de Relações Exteriores, Joaquin Castro, deputado pelo Texas, é um democrata que já cobrou publicamente o compromisso de Bolsonaro com a proteção da Amazônia.

 Na carta em que pretende pleitear apoio para a emenda, a deputada aponta que o Brasil teve uma ditadura militar até 1985, que Bolsonaro elogiou publicamente um torturador reconhecido pela justiça, colocou militares no alto escalão do governo e celebrou o aniversário do golpe militar de 1964.

Juliana Moraes, diretora executiva do escritório em Washington do grupo US Network for Democracy in Brazil, afirma que a resistência a Bolsonaro tem ganhado musculatura desde a manifestação da Comissão de Orçamento. "Estive em reuniões com gabinetes de quatro deputados nesta semana, que avaliam que um acordo comercial dos EUA com o Brasil não seria aprovado se precisar de aval do Congresso", afirmou. 

OBrasil tem ambição de concluir, até o final do ano, um pacote de facilitação de comércio com os EUA. Como não se trata de um acordo de livre comércio, pois não irá abarcar decisões sobre tarifas de produtos, o pacote não precisará do aval do Congresso.

Para Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacional da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o maior impacto da medida é o sinal político dado ao governo brasileiro. "Em geral, esse tipo de cooperação militar estabelecido com a designação de aliado extra-OTAN não requer um grande orçamento americano. Acima de tudo é uma medida que busca constranger do ponto de vista político mais do que ativamente inviabilizar uma cooperação militar específica entre os dois países", afirma Stuenkel.

"É um reflexo de uma piora considerável da imagem do Bolsonaro entre democratas. É quase unânime, a essa altura do campeonato, que se Joe Biden entrar na Casa Branca e democratas obtiverem maioria do Senado nas eleições haverá um forte impacto na relação bilateral entre os dois países", afirma o professor da FGV. 

Publicidade