'É um momento de fraqueza para Khamenei', diz analista iraniano

Para Mohamed Marandi, professor da Universidade de Teerã, os protestos podem ter repercussões mais profundas sobre regime dos aiatolás

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Por Rodrigo Turrer
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Após dias negando sua responsabilidade no acidente envolvendo um Boeing 737 ucraniano com 176 pessoas a bordo, o governo do Irã admitiu, no fim de semana, que a queda da aeronave foi causada por falha humana. A admissão de culpa foi vista como positiva por potências estrangeiras, mas provocou uma onda de protestos contra o regime teocrático do Irã. Para Mohamed Marandi, professor da Universidade de Teerã, os protestos podem ter repercussões mais profundas sobre os aitolás, “porque há alguns anos a população está irritada com o regime iraniano, por causa das dificuldades econômicas do país”.

Manifestantes chegam ao terceiro dia de protestos após Irã ter assumido culpa por queda de Boeing 737 ucraniano Foto: EFE/EPA/ABEDIN TAHERKENAREH

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“Mas é preciso ficar claro que ao mesmo tempo em que estão com raiva de Khamenei, os iranianos também odeiam os EUA e a presença americana no Oriente Médio”, diz Marandi nesta entrevista ao Estado

Por que os protestos se intensificaram agora?

Porque há alguns anos a população está irritada com o regime iraniano, em razão das dificuldades econômicas do país. Por causa do caldeirão social formado pela economia em frangalhos e uma juventude sem emprego e sem perspectiva, o acidente pode ter repercussões muito mais profundas.

Dias antes da tragédia, o Irã demonstrou grande unidade e apoio popular, quando milhões de pessoas encheram as ruas para participar de cortejos fúnebres em homenagem a Suleimani. As manifestações pareciam indicar que, diante de ameaças militares externas, iranianos de diferentes grupos econômicos e políticos têm a capacidade de se unir e deixar as diferenças de lado.

Mas a queda do avião e os efeitos da morte de dezenas de iranianos por um erro militar podem levar ao ressurgimento dessas divisões, tornando-as ainda mais profundas. A grave situação econômica do país é um fardo para a maioria dos iranianos. Há dez anos, quando a economia ia bem, o regime não via tanta resistência em suas múltiplas frentes de apoio no Oriente Médio.

Agora, a situação é diferente. Muitos entendem que o governo desperdiçou a chance que teve com o acordo nuclear de impulsionar a economia. Em novembro, o aumento no preço dos combustíveis provocou grandes manifestações que resultaram em confrontos com órgãos de segurança e a morte de pelo menos 300 pessoas. 

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As novas sanções econômicas impostas pelos EUA podem piorar a crise?

Não há mais nada para os americanos sancionarem. Isso é propaganda. Eles sancionaram tudo o que podiam sancionar antes do ano passado. Todas as novas sanções são apenas uma repetição das antigas sanções. Não há nada de novo nelas. As sanções dos EUA prejudicaram a economia iraniana. Mas agora, depois de um ano e meio, a economia iraniana começa a crescer novamente. E essa guerra econômica desumana que os americanos impuseram às mulheres e crianças iranianas não terá êxito.

O Irã ainda tem muitos aliados, a China e a Rússia, principalmente. E o Irã ainda está cumprindo a parte mais importante do acordo nuclear, o acesso da Agência Internacional de Energia Atômica ao programa nuclear do Irã. Portanto, o que a China pode fazer é ignorar os EUA, não se curvar à pressão americana e continuar importando petróleo do Irã, para que os EUA saibam que não podem intimidar um país independente. 

Quais os riscos destes protestos para o regime do Irã?

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Se tivesse de dar um palpite, diria que os protestos serão absorvidos pela teocracia iraniana e não chegarão nem perto da última onda de manifestações, em 2009, depois de uma eleição contestada, quando 72 pessoas morreram. Mas o governo terá de aprender a lidar com a insatisfação popular por um longo período, ainda mais em função da severa crise econômica. É um momento de fraqueza para (aiatolá Ali) Khamenei, que não apenas perdeu seu principal estrategista, mas pela oportunidade dada aos opositores do regime de atacar sua credibilidade. A onda de vigílias e manifestações, que começou nas universidades e chegou às ruas, além do clima de luto pela morte de iranianos, serão determinantes para medir a unidade e a intensidade desses pedidos pela saída do aiatolá.

Mas é preciso ficar claro que, ao mesmo tempo em que estão com raiva de Khamenei, os iranianos também odeiam os EUA e a presença americana no Oriente Médio. E a imposição de novas sanções econômicas contra uma economia já em frangalhos só vai fazer este sentimento piorar.

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