Marca do partido foi alvo de disputa 'burguesa'

Freire registrou a sigla PCB no INPI para impedir que ortodoxos usassem legenda após fim da União Soviética

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Por Wilson Tosta e Rio de Janeiro
Atualização:

Enquanto o socialismo real era desmantelado na ex-URSS e Europa Oriental, no início dos anos 90, uma disputa capitalista pela propriedade da marca PCB envolveu o fim e o renascimento da legenda, no Brasil, na mesma década.

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Liderados pelo deputado federal Roberto Freire, os ex-comunistas que lançaram o PPS registraram no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) a velha sigla, na tentativa de impedir que voltasse à cena política. Mas deu errado. Um grupo de comunistas se organizou para manter vivo o “Partidão” e conseguiu que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrasse de novo a agremiação. A disputa jurídica e “burguesa” - e todo o processo de transição dos comunistas brasileiros rumo ao centro -, se inspirava na Itália, admite Freire.

Roberto Freire (C) ao lado de Brandão Monteiro e Sérgio Arouca na campanha presidencial de 1989; anos depois, Freire tentou registrar marca do PCB para evitar ressurgimento do partido Foto: Jonas Cunha/Estadão

“O Partido Comunista Italiano (PCI) era o maior partido da Itália”, diz o deputado. “E começou a discutir a mudança. A nossa mudança aqui era mais ou menos o mesmo calendário do PCI, que foi feito também em Congresso, tal como nós.” Assim, dois encontros rivais, realizados a 800 metros um do outro, no Teatro Zaccaro e na Escola Presidente Roosevelt, em São Paulo, criaram os dois novos partidos, em 25 de janeiro de 1992.

Um dos líderes do “novo PCB”, Ivan Pinheiro, lembra que estava tudo preparado para o que o racha se concretizasse naquele dia. “Já era uma coisa anunciada, era impossível haver uma conciliação”, conta. “Já tínhamos sede, telefone, já tínhamos tudo. Já tínhamos o pedido de registro provisório do nome do PCB para ser entregue, da refundação jurídica, porque política não.” Inicialmente, foi registrado um “Partido Comunista”, sem o Brasileiro, só acrescido ao nome após a vitória no TSE.

Para o grupo majoritário, de Freire, que conquistara dois terços do Comitê Central para a mudança, era essencial apenas trocar o nome. Fundar um novo partido seria um processo longo e demorado. O deputado avalia que não era possível continuar com a velha legenda. “Claro que não!”, diz. “Era uma coisa anacrônica! A única (nação) que consegue ter alguma perspectiva de futuro de Partido Comunista, mas não tem mais nada a ver com o que significava, é a China. Estive lá agora. É economia de mercado, perfeitamente integrada no processo de globalização.”

A história do comunismo brasileiro começou 70 anos antes, em Niterói, capital do antigo Estado do Rio. Ali, em 25 de março de 1922, nove delegados, representando menos de cem militantes de todo o País, fundaram o Partido Comunista - Seção Brasileira da Internacional Comunista. Foram cerca de três meses de legalidade. Em junho, o governo de Epitácio Pessoa jogou o PCB na ilegalidade, condição recorrente na história da legenda: marcou-a por mais de 60 anos. “É necessário assumir que a sociedade brasileira é marcada por valores, tendências e tradições extremamente conservadoras”, diz o historiador Daniel Aarão Reis.

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Em imagem de 1922, os fundadores do Partido Comunista Brasileiro: Manoel Cendon, Joaquim Barbosa, Astrogildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luís Peres e JoséElias da Silva (de pé, da esq. p/ dir.); Hermogênio Silva, Abílio de Nequete e Cristiano Cordeiro (sentados, da esq. p/ dir.) Foto: João da costa Pimenta/Acervo/Estadão

Revolta. Em 1935, o partido se envolveu nos levantes dos militares de Natal, Recife e do Rio, este liderado por Luís Carlos Prestes. “Foram três movimentos que se diferenciaram bastante”, diz a historiadora Marly Vianna. “O do Rio, em 27 de novembro, quando os outros dois já estavam derrotados, foi um má avaliação de Prestes.” Com o fracasso do movimento, Prestes foi preso - ele seria anistiado em 1945.

Eleito senador, Prestes foi cassado em 1948. Era a volta à ilegalidade. Após o golpe de 1964, o PCB perdeu dirigentes como Carlos Marighella, que defendiam a luta armada contra o regime. O partido se concentrou na construção do MDB. Entre 1974 e 1975, a repressão matou 14 dirigentes do partido no País. O partido, porém, não acabou. Após a anistia, em 1979, a legenda rachou de novo. A Carta aos Comunistas, lançada por Prestes, então secretário-geral do PCB, em 1980, pregava uma guinada à esquerda no Partidão. Isolado, o velho dirigente saiu da legenda.

Encerrada a ditadura, em 1985, o PCB foi legalizado e disputou a eleição presidencial de 1989, a primeira em que ele concorria com candidato próprio - Freire - desde 1945.

O quadro, porém, lhe era desfavorável. Perdera a liderança mais carismática (Prestes), era acossado pelo PT, que crescia nos movimentos sindical e popular, e enfrentava a crise do socialismo real. Um ponto dramático foi a queda do Muro de Berlim, no meio da campanha eleitoral. “O Muro de Berlim caiu na cabeça do PCB no Brasil. Porque o PCB desde 1922 foi alinhado, para o bem e para o mal, ao Partido Comunista da União Soviética o tempo todo. E o Muro de Berlim cai às vésperas da eleição. E aí começa a divergência (com Freire)”, diz Pinheiro. Para ele, a URSS “já vinha em um processo de degeneração ideológica”. “Sobretudo com o fim da participação popular na construção do socialismo.”

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