Muro de Trump na fronteira é permeável ao tráfico, diz El Chapo

Julgamento do traficante nos Estados Unidos indica que drogas passam por postos de controle

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Por Alan Feuer
Atualização:

Parte das drogas estavam escondidas em carros de passageiros, ocultas em caminhões em latas de pimentas do tipo jalapenho ou enfiadas em tanques de trens, com cargas comuns de óleo de cozinha. Outras atravessaram a fronteira em sofisticados túneis.

As 11 semanas de depoimento no julgamento de Joaquín Guzmán Loera, o traficante conhecido como El Chapo, revelaram que sua rede normalmente passava por postos de controle - não por trechos isolados da fronteira com o México onde um muro poderia ser um obstáculo.

Crianças passam sob barreiras já existentes na fronteira entre EUA e México; drogas usam rotas tradicionais Foto: REUTERS/Alkis Konstantinidis

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No julgamento, pela primeira vez promotores federais americanos revelam o funcionamento interno do cartel de drogas de Sinaloa.

Trump alardeou que seu muro de fronteira seria uma maneira de deter a imigração ilegal e recentemente sugeriu que isso também ajudaria a aliviar o comércio de drogas. “Se construirmos uma barreira de aço que permita a visão do outro lado, totalmente projetada em nossa fronteira sul, a taxa de criminalidade e o problema das drogas em nosso país serão rápida e enormemente reduzidos”, disse ele. “Há quem diga que pode ser cortado à metade”. E acrescentou: “Nós poderemos acabar com a heroína”.

Através do testemunho de pessoas que trabalharam com Guzmán, os promotores mostram que seu cartel foi infinitamente criativo durante décadas, inventando constantemente novos métodos para contornar a detecção.

“A ideia de que pessoas carregam as drogas através da fronteira, como se fossem imigrantes ilegais e detidas por um muro, não é o padrão”, disse Doris Meissner, que serviu como comissária do Serviço de Imigração e Naturalização de 1993 a 2000 e agora trabalha no Instituto de Política Migratória, um grupo de advogados.

Uma coisa revelada no julgamento de Guzmán é que entre seus primeiros - e favoritos - métodos de contrabando estava o de infiltrar drogas em carros de passageiros de aparência normal com compartimentos secretos escondidos em seus chassis. Testemunhas descreveram como muitas vezes dividiram-se as cargas entre vários veículos para ajudar a garantir que pelo menos alguns deles fizessem a viagem sem ser detectados.

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Guzmán também usou táticas mais dramáticas e incomuns. Em um ponto, enviou toneladas de cocaína através da fronteira em latas de jalapenho, marcadas com o rótulo La Comadre Chiles. As latas foram empilhadas nas traseiras de reboques de tratores comerciais, que simplesmente atravessavam os pontos de entrada nas fronteiras oficiais. Guzmán frequentemente colocava as latas cheias de cocaína no meio de paletes, cercadas por latas com pimentas verdadeiras.

Os métodos foram além das fronteiras regulares. Uma testemunha no julgamento, Tirso Martínez Sanchez, disse aos jurados em dezembro que ele pessoalmente ajudou a persuadir Guzmán a usar trens comerciais. De acordo com Martínez, os operadores do cartel criaram empresas de fachada que pareciam estar vendendo itens legais como óleo de cozinha. Depois de transportar algumas cargas reais de petróleo do México a várias cidades dos EUA para fazer parecer que a empresa era legítima, os trabalhadores de Guzmán então embalaram a cocaína em compartimentos secretos e os enviaram para a fronteira.

Nos EUA, outros agentes receberam os trens em uma rede de armazéns secretos, que, segundo Martínez, estavam localizados principalmente em ramais ferroviários, de modo que os trens pudessem ser levados diretamente para eles a partir das principais linhas ferroviárias de carga.

Ainda há o mais famoso método de contrabando de El Chapo: os túneis. No início do julgamento, Jesus Zambada García, um dos principais chefes de logística de Guzmán, disse aos jurados como os trabalhadores cavaram um túnel no início dos anos 1990 sob uma casa de fazenda em Agua Prieta, México, que chegava a um armazém em Douglas, no Arizona.

A entrada no lado mexicano, disse Zambada, estava escondida debaixo de uma mesa de sinuca que poderia ser levantada do chão por elevadores hidráulicos. Os elevadores foram ativados girando o que parecia ser uma válvula comum de mangueira de jardim no pátio externo.

E a saída do túnel no armazém no Arizona? Incrivelmente, disse Zambada, estava localizado a apenas alguns quarteirões de um escritório local de Alfândega e Proteção de Fronteiras. / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

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