O Estado da União é forte

Já a presidência de Donald Trump, nem tanto, pois o republicano está enredado em confusões que ele mesmo criou

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Por THE ECONOMIST
Atualização:

Quando o discurso de Donald Trump sobre o Estado da União avançava para sua segunda hora, algo comovente ocorreu. Ele apresentou Judah Samet, sobrevivente do Holocausto que escapou por pouco de ser morto na Sinagoga da Árvore da Vida, em Pittsburgh, em outubro. Trump disse que era o 81.º aniversário de Samet e a Congresso inteiro cantou Feliz Aniversário.

Foi um momento tocante e inesperado num discurso que era já previsível. Não se trata de uma crítica ao esforço de Trump. Os discursos sobre o Estado da União são feitos para serem previsíveis: os americanos conhecem as opiniões dos presidentes. Barack Obama não repudiou Roe vs. Wade (caso judicial que reconhece o direito de aborto) e George W. Bush não endossou o ateísmo de Richard Dawkins.

Donald Trump faz discurso sobre o Estado da União Foto: Doug Mills / POOL / AFP

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Antes de discursar, a equipe de alto escalão do governo confidenciou a jornalistas que Trump faria um apelo para o Congresso adotar o espírito da cooperação e do acordo”. Imaginava-se que Trump, castigado pelas lições de uma paralisação do governo causada por sua intransigência, se concentraria em assuntos de interesse comum, como infraestrutura e os preços dos remédios.

Ambos os temas foram mencionados brevemente e os principais apelos do presidente à cooperação, na realidade, foram apelos para seus oponentes baixarem as armas. “Os EUA necessitam escolher entre resultados e resistência”, disse ele. “Se é para haver paz e legislação, não pode existir guerra e investigação.” O que, neste caso, é um simples truísmo – paz e guerra não coexistem. E, em segundo lugar, como diversos presidentes podem atestar, é uma inverdade: o ato de governar não termina porque um governo está sendo investigado.

Essa frase, que buscava provocar algum efeito positivo, fracassou. A que funcionou surgiu inesperadamente. Trump mencionou que 58% dos empregos criados no ano passado foram para mulheres – o que fez com que as parlamentares democratas, usando roupa branca, se levantassem e aplaudissem. Trump agradeceu em seguida.

Ele insistiu para o Congresso alocar recursos para seu muro, mas não ameaçou declarar uma emergência nacional ou fechar o governo novamente se não o conseguir. “Muros funcionam e salvam vidas”, afirmou, apesar de os especialistas em segurança de fronteiras e mesmo os que são radicalmente contra a imigração dentro de seu partido defenderem uma abordagem mais diversificada para a proteção da fronteira. “Portanto, vamos transigir, trabalhar juntos e chegar a um acordo que torne o país realmente seguro” – em outras palavras, você se compromete e me dá aquilo que eu quero.

O presidente enalteceu suas realizações econômicas – e neste ponto soou como um ocupante mais convencional da Casa Branca, assumindo o crédito pelas tendências macroeconômicas que estão além de qualquer controle dos políticos. Afirmou que mais americanos, em número jamais visto, estão trabalhando – o que é verdade, mas isso porque o número de americanos é maior – a taxa de emprego em relação ao número de habitantes hoje está abaixo do seu nível no final dos anos 90. 

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Trump pediu para o Congresso aprovar o acordo que substituiu o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (Nafta), formalizado com México e Canadá, assim como o Reciprocal Trade Act, um projeto de lei que deve introduzir tarifas sobre importações iguais às tarifas pagas pelos exportadores americanos. Esse projeto parece cada vez menos improvável e deverá causar muito dano, se aprovado.

No campo da política externa, ele prometeu trazer as forças americanas no exterior para casa – “Grandes nações não travam guerras intermináveis”, uma bela frase, embora nações poderosas tenham se envolvido em aventuras militares por um longo tempo. Além disso, Trump também fez ameaças militares contra o Irã e anunciou uma próxima reunião de cúpula com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, no fim do mês, no Vietnã.

Retoricamente, o objetivo era fazer um discurso grandioso. O presidente denunciou energicamente o antissemitismo. Foi emocionante ver o Congresso aplaudir antigos prisioneiros, na parte do discurso devotado ao First Steps Act. 

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Mas não houve nenhuma audácia. A maior parte do discurso foi uma reiteração de objetivos e desejos conhecidos. E feito por um presidente que se encontra enredado em confusões que ele próprio criou: sua relação cautelosa com os republicanos do Senado, desde que se mostrou ser um parceiro de negociação nada confiável antes e durante a paralisação do governo; sua relação de confronto com os democratas, nas duas Casas; e a investigação de Robert Mueller sobre a influência russa na eleição de 2016, que avança e é cada vez mais desgastante. 

Os EUA são um país pacífico e próspero. Deixando de lado o estado de espírito político, o Estado da União é forte. O mesmo não pode ser afirmado sobre o estado da presidência de Trump. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO © 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO  ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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