O populismo plutocrático

Trump vem liderando uma mistura de causas populistas tradicionais com outras extremamente libertárias

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Por Fareed Zakaria
Atualização:

Observando a corrida do plano fiscal republicano pelo Congresso, somos lembrados da grande diferença aparente entre o programa de Donald Trump e outros movimentos populistas no mundo ocidental. Nos Estados Unidos, Trump vem liderando algo que pode ser mais bem descrito como populismo plutocrático, uma mistura de causas populistas tradicionais com outras extremamente libertárias.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump Foto: AFP PHOTO / POOL / JORGE SILVA

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Os grupos de altos estudos do próprio Congresso – o Comitê Conjunto de Tributação e o Escritório de Orçamento do Congresso – calculam que, em dez anos, as pessoas que ganham entre US$ 50 mil e US$ 75 mil (aproximadamente a renda média nos Estados Unidos) efetivamente pagariam a soma de US$ 4 bilhões a mais em impostos, enquanto as pessoas que ganham US$ 1 milhão ou mais pagariam US$ 5,8 bilhões a menos, segundo a conta do Senado. 

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E isso não leva em conta os imensos cortes em serviços, atendimento médico e outros benefícios que provavelmente seriam afetados. Martin Wolf, o moderado comentarista, chefe de economia do Financial Times, conclui: “Este é um esforço determinado para transferir recursos da distribuição de renda dos Estados Unidos, dos níveis mais baixos, médio e até mesmo médio alto para os muito elevados, combinado com enormes aumentos de insegurança econômica para a grande maioria”.

O intrigante, diz Wolf, é saber por que esta é uma estratégia politicamente bem-sucedida. O Partido Republicano está seguindo uma agenda econômica para o 0,1%, mas isso precisa receber os votos da maioria. Esta é a questão que o cientista político da Universidade da Califórnia, em Berkeley, Paul Pierson, discute em um ensaio recentemente publicado. Escrevendo para o British Journal of Sociology, Pierson observa que o programa de Trump tem fortes aspectos populistas, especialmente no comércio e imigração. 

No entanto, ele ressalta: “Quanto às grandes questões econômicas sobre impostos, gastos e regulamentação – que têm animado as elites conservadoras por uma geração –, ele seguiu ou apoiou um programa extremamente amigável para as grandes corporações, as famílias ricas e os bem situados e bem relacionados, interessados em tirar vantagens. Suas políticas orçamentárias (e aquelas seguidas por seus aliados republicanos no Congresso) serão, uma vez promulgadas, devastadoras para as mesmas comunidades rurais e de renda moderada que o ajudaram a conquistar o cargo.”

Pierson argumenta que Trump entrou na Casa Branca com um conjunto de ideias rudimentares e nenhuma organização real. Assim, seu governo estava maduro para ser colhido pelos elementos mais ardentes, organizados e bem financiados do Partido Republicano – sua ala libertária. Nutrido e erigido ao longo dos anos, este grupo de conservadores decidiu se aliar ao governo Trump para colocar em vigor seu programa de longa data. 

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Pierson cita Grover Norquist, o feroz agente antiestatização do Partido Republicano, explicando, em 2012, suas opiniões quanto à escolha de um candidato presidencial republicano. “Nós não fazemos entrevista para contratar um líder destemido. Não precisamos de um presidente para nos dizer em qual direção seguir. Nós sabemos para onde ir. Só precisamos de um presidente para assinar essas coisas.”

E não é que o Partido Republicano é inteligente e tem sucesso ao ludibriar seus seguidores, prometendo-lhes o populismo e adotando o capitalismo plutocrático em vez disso? Esta visão tem sido um elemento básico da análise liberal durante anos, mais proeminente no livro de Thomas Frank What’s the Matter with Kansas? (Qual o problema com o Kansas?, em tradução livre). 

Frank alega que os republicanos têm sido capazes de executar esse truque de mágica seduzindo eleitores da classe trabalhadora ao acenar com questões sociais para eles, que engolem a isca e perdem de vista o fato de votarem contra os próprios interesses. Tanto Wolf quanto Pierson acreditam que esses artifícios serão perigosos para os republicanos. “Os plutocratas estão cavalgando um tigre faminto”, escreve Wolf.

Mas e se as pessoas não estiverem sendo enganadas de nenhuma forma? E se as pessoas realmente estiverem motivadas muito mais profundamente por questões que envolvam religião, raça e cultura do que o são pela economia? Há evidências crescentes de que a base de Trump o apoia porque sente uma profunda afinidade emocional, cultural e de classe com ele. E, enquanto a reforma fiscal é analisada por economistas, Trump escolhe lutas com atletas negros, tuítes de vídeos antimuçulmanos enganosos e promessas de não se render quanto à imigração.

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Talvez ele conheça sua base melhor do que nós. De fato, o populismo de Trump talvez não seja tão único como se diz ser. Pesquisas na Europa sugerem que são culturais e sociais as questões centrais que motivam as pessoas a apoiar o Brexit ou os partidos de extrema direita na França e na Alemanha, e até mesmo os partidos populistas da Europa Oriental.

A revolução mais importante na economia na última geração tem sido o surgimento dos cientistas comportamentais, treinados em psicologia, que estão descobrindo que as pessoas tomam sistematicamente decisões que vão contra os próprios “interesses”. Esta pode ser a ponta do iceberg na compreensão da motivação humana. 

A verdadeira história pode ser que as pessoas enxerguem os próprios interesses de formas muito mais emocionais e tribais do que os acadêmicos compreendem. E se, aos olhos dos americanos, essas outras questões forem aquelas pelas quais eles vão se levantar, protestar, apoiar os políticos e até mesmo pagar um preço econômico? E se, para muitas pessoas, nos Estados Unidos e em todo o mundo, estes forem os seus verdadeiros interesses? / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO É COLUNISTA

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