PUBLICIDADE

Putin conseguiu colocar os EUA exatamente onde ele queria; leia artigo

O objetivo de Putin não é tomar a Ucrânia: ele quer mesmo é expulsar os Estados Unidos da Europa

Por Fiona Hill
Atualização:

“George, você precisa entender que a Ucrânia não é um país.” Estas foram as palavras de Vladimir Putin ao presidente George W. Bush em Bucareste, na cúpula da Otan, em 2008. Ele estava furioso. A Otan havia anunciado que Ucrânia e Geórgia seriam aceitas na aliança – uma promessa explícita, mas sem cronograma específico. Na época, eu era oficial de inteligência e alertei que Putin veria o fato como provocação. Mas os avisos foram em vão. Quatro meses depois, a Rússia invadiu a Geórgia – e a Ucrânia recuou da adesão à Otan. Mas, em 2014, os ucranianos quiseram assinar um acordo com a União Europeia e Moscou atacou de novo. Acusando Kiev de querer entrar na Otan pela porta dos fundos, os russos anexaram a Crimeia e promoveram uma guerra na região de Donbas, leste da Ucrânia. 

Soldado ucraniano caminha no front de área contestada por separatistas pró-Rússia, na região de Donetsk Foto: AP Photo/Andriy Dubchak

PUBLICIDADE

As reações silenciosas encorajaram Putin. Agora, seu objetivo é maior – ele quer expulsar os EUA da Europa. Após mais de duas décadas analisando Putin, está claro que suas ações são intencionais. Ele quer dar aos EUA o mesmo remédio que a Rússia teve de engolir após o colapso da União Soviética. Putin acredita que os americanos estejam na mesma situação: enfraquecidos internamente e em retirada no exterior. 

A Ucrânia é alvo da Rússia e fonte de influência sobre os EUA. Nos últimos meses, Putin colocou o presidente Joe Biden na defensiva: moveu forças para a fronteira, lançou jogos de guerra e agravou a crise. Ele exigiu garantias de que a Ucrânia e outras ex-repúblicas da URSS nunca se tornarão membros da Otan e quer a retirada de suas forças das posições ocupadas após 1997. 

Rússia levantou a hipótese de enviar mísseis para Cuba e Venezuela

Durante semanas, os americanos tentaram entender essas exigências. A Rússia estava não só desafiando a posição dos EUA na Europa, mas levantando questões sobre as bases do país no Japão e seu papel no Pacífico. Moscou deu a entender que poderia enviar mísseis para Cuba e Venezuela, revivendo a crise dos mísseis dos anos 60.

Putin é um mestre da indução coercitiva. Ele fabrica uma crise para vencer, não importa o que os outros façam. Ameaças e promessas são a mesma coisa. Ele pode invadir a Ucrânia, deixar as coisas como estão ou apenas consolidar o território que já controla na Crimeia. Ele pode causar problemas no Japão e enviar mísseis a Cuba, dependendo do que acontecer na Europa.

Putin tem os EUA onde queria. Ao contrário de Biden, ele não precisa se preocupar com eleições, com a reação de seu partido, da oposição, com imprensa ou pesquisas. Ele faz o que quer, quando quer. Salvo problemas de saúde, os EUA terão de lidar com ele nos próximos anos. 

Publicidade

Sair da crise atual requer ação, não reação. Os EUA precisam moldar a resposta diplomática e ditar os seus termos. É preciso mostrar a Putin que ele enfrentará resistência e riscos. Ao contrário da premissa de que a Ucrânia “não é um país de verdade”, ela é membro da ONU desde 1991. Um ataque russo desafiaria o sistema internacional e colocaria em risco os arranjos que garantiram a soberania dos Estados desde a 2ª Guerra – como a invasão do Kuwait pelo Iraque, em 1990. 

Tanque russo dispara durante exercício militar perto da cidade Rostov, na fronteira com a Ucrânia Foto: AP

Os EUA devem levar a questão às Nações Unidas e colocá-la perante a Assembleia-Geral e o Conselho de Segurança. Mesmo que a Rússia bloqueie uma resolução, o futuro da Ucrânia merece uma resposta global. Os EUA também deveriam recorrer a outras instituições regionais. Por que a Rússia tenta levar suas disputas na Europa para a Ásia e as Américas? O que a Ucrânia tem a ver com Japão, Cuba e Venezuela?

Biden prometeu que a Rússia “pagará um alto preço” se invadir a Ucrânia. Se não houver punição, o ataque abrirá um precedente para outros países. Forjar uma frente unida com aliados europeus e apoio internacional deve ser a resposta certa. Caso contrário, esta saga poderia de fato marcar o fim da presença militar dos EUA na Europa. 

* Ex-analista de inteligência dos EUA especializada em Rússia